O treinamento de Erasmus

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      Uma história de príncipe cativo

*

       Na manhã em que acordou e sentiu os lençóis grudentos sob si, Erasmus não entendeu o que tinha acontecido. O sonho desapareceu devagar, deixando uma impressão de calor; ele se mexeu, sonolento, os membros pesados com um
prazer persistente. A cama aconchegante era uma sensação agradável contra sua pele.

       Foi Pylaeus quem puxou as cobertas e viu os sinais, e mandou Delos soar o sino e um menino de recados até o palácio, as solas de seus pés brilhando sobre o mármore.

       Erasmus se levantou, se abaixou e se ajoelhou, a testa apertada contra a pedra. Ele não ousava acreditar, mas seu peito se encheu de esperança. Com cada partícula de seu corpo, ele tomou consciência de que os lençóis estavam sendo retirados da cama, embalados com grande cuidado e amarrados com uma fita com
fio de ouro para significar o que – finalmente, ah, mas finalmente – tinha acontecido.

       O corpo não pode ser apressado, dissera para ele uma vez o velho Pylaeus, com simpatia. Erasmus corou ao pensar que podia ter mostrado seu desejo no rosto; ainda assim, toda noite ele desejara aquilo, desejara que viesse antes do nascer do sol e ele ficasse outro dia mais velho. O desejo, nos últimos dias, assumira uma qualidade nova, uma nota física que soava por seu corpo como o tremor de uma corda tocada.

       O sino começou a badalar através dos jardins de Nereus enquanto Delos puxava a corda, e Erasmus se levantou, o peito cheio de palpitações, para seguir Pylaeus até os banhos. Ele se sentia magro e muito alto. Era velho para aquilo. Era três anos mais velho que o mais velho a assumir as sedas do treinamento antes dele,
apesar de todos os seus desejos fervorosos de que seu corpo oferecesse o que era necessário para mostrar que ele estava pronto.

       Nos banhos, os jatos de vapor foram ligados, e o ar no ambiente ficou pesado. Ele se molhou, depois foi deitado sobre o mármore branco, e sua pele foi vaporizada até parecer pulsar com os perfumes do ar. Ele deitou na postura submissa, com os pulsos cruzados acima da cabeça, o que, em algumas noites, ele
praticara sozinho no próprio quarto, como se ao praticar ele pudesse conjurar a realização daquele exato momento. Seus membros ficaram maleáveis sobre a pedra lisa embaixo dele.

       Ele imaginara aquilo. No início de maneira excitada, e depois com doçura, e depois, com o passar dos anos, dolorosamente. Como ele deitara imóvel para as ministrações, como ele deitara perfeitamente imóvel, como, no fim dos rituais do
dia, as fitas douradas dos lençóis eram amarradas em torno de seus pulsos, e ele era arrumado assim na liteira estofada, os laços de fita tão finos que uma única respiração podia fazer com que o nó deslizasse e abrisse, e ele devia permanecer imóvel enquanto a liteira era levada para fora dos portões para começar seu
treinamento no palácio. Ele praticara isso, também, pulsos e tornozelos apertados juntos.

       Ele emergiu dos banhos tonto, devido ao calor, e dócil, de modo que quando se ajoelhou na posição ritual, pareceu natural, com seus membros maleáveis e dispostos. Nereus, o proprietário dos jardins, estendeu os lençóis, e todos admiraram as manchas, e os garotos mais jovens se reuniram em volta, e enquanto
ele se ajoelhava, o tocaram e homenagearam, deram beijos em seu rosto, com uma guirlanda de glórias da manhã jogada em torno de seu pescoço, flores de camomila enfiadas atrás de sua orelha.

       Quando imaginara isso, Erasmus não pensara que iria sentir tamanha afeição por cada momento, a pequena oferta tímida de flores de Delos, a voz trêmula do velho Pylaeus ao dizer as palavras rituais, o fato de partir de repente tornando tudo muito precioso. Ele sentiu, com uma onda repentina, que não queria ficar onde
estava ajoelhado; ele queria se levantar e dar um forte abraço de despedida em Delos. Correr até o quarto estreito que deixaria para trás para sempre, a cama vazia, suas pequenas relíquias que ele também deveria abandonar, o ramo de botões de magnólias no vaso no parapeito.

Livro: Príncipe cativo 1 ( O Escravo )Onde histórias criam vida. Descubra agora