#04 - Destino

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 "Seguimos viagem por quinze horas. Por pouco, não tivemos que enfrentar uma hora de criaturas perigosas, mesclas de lobo e lagarto. Graças às habilidades de Haseid, pudemos nos antecipar e nos esconder delas. Dormimos atrás de um estalagmite, protegidos das estranhas criaturas que frequentam o ambiente. No dia seguinte, acordei sendo vítima de estranhas energias. Certamente algo sobrenatural, apesar de benéfico. Influi na nossa jornada. All Thorn acredita ser influência direta de Suno. A caminhada foi demais cansativa para Ezelius. Comemos cogumelos encontrados por nosso guia. A viagem seguiu tranquila, dormindo e acordando, provavelmente pela influência direta de Suno. Enfim, chegamos em um maravilhoso vale. Um enorme refúgio construído por anões de um tempo esquecido."


Naquele mesmo salão, definha o grupo de heróis. Aprisionados, acorrentados e feridos, com sangue escorrendo para algum lugar que eles não conseguem ver. Rendidos por seguidores do deus prisioneiro Perfídio, agora são prisioneiros eles próprios. Destinados a um sacrifício.

-- Sabe, eu tava pensando. – Haseid fala. – Dizem que os mais honrados são visitados por uma coletora na hora da morte. Quem morre em um ritual de sacrifício, eu acho que já era. Não tem como ela entrar num canto macabro desse, né?

Ele olha um pouco para All Thorn, de cabeça caída em descanso, e continua.

-- Ela pode achar macabro também. Tudo bem que a coletora parece um esqueleto, mas mesmo assim. Né não, paladino? – Não há resposta. – Ou pode ter uma aura aqui que impeça ela de chegar. Também, se uma coletora levasse a pessoa, o sacrifício eu acho que miava.

-- O que é que tu tá falando, Haseid?

-- Só pensando umas coisas aqui, seu anão. A gente morria, mas não ia servir de nada esse ritual de sacrifício que eles inventaram.

-- Ô! Grande vantagem. A gente morreria do mesmo jeito.

-- É, mas eles iam se decepcionar.

-- Grande coisa. Preferia que alguém me soltasse, me curasse e me devolvesse meu martelo pra esses três verem uma coisa.

-- E quem ia nos soltar?

-- O Neriom, claro! Viu como eles disfarçaram dizendo que não sabiam de gnomo nenhum?

-- Verdade... E agora ele sabe se esconder nas sombras.

-- Do que é que vocês estão falando? – Ezelius pergunta, irritado. – Dá pra morrerem calados, que eu tou com dor de cabeça?

-- Daqui a pouco passa, preocupa não. – Haseid responde, zombando. – Quer saber? Wolfgar, a gente devia cantar alguma canção de pirata, que acha?

-- Você tá doido.

-- Por que vocês não param de falar besteira e pensam em uma forma de a gente sair daqui? – All Thorn pergunta, por fim.

-- Ah, já pensei em duas. Ninguém se importou.

-- Quais?

-- Uma coletora vindo nos levar ou o Neriom aparecer aqui.

-- Certo. Agora tente pensar em uma forma que dependa só da gente e que a gente consiga fazer estando nesse estado.

-- Ah, mas aí fica mais complicado. Quer que eu faça o quê pra sair? Não tenho nem como coçar minhas costas!

-- É de uma solução assim que a gente precisa.

-- Também tá precisando coçar as costas? Ild? Consegue não dar um golpe ninja?

-- Não. Para dar golpes, precisa de movimento.

-- Tem certeza que não consegue?

-- Haseid, quem prendeu a gente foram dois monges. Você acha que eles iam deixar fácil pra mim? Pra piorar, tiraram minhas luvas, não sei pra quê.

-- Você tá pelado, sangrando e tá preocupado com as luvas. Ah, esses elfos!

-- Pois é. Elfo é tudo assim. Só se salva mesmo a Sharon, que teve uma boa criação.

-- É, né? Seu anão... A gente tá numa caverna. Anões não são especialistas em cavernas? Você devia saber tirar a gente daqui.

-- Engraçadinho você.

-- Como vocês falam tanto? – Ezelius pergunta, baixinho – Mal dá pra respirar aqui.

-- Viu quem reclamou? Outro elfo! Não tou dizendo?

-- Hahaha! Só a Sharon mesmo que se salva, né Sharon?

-- Oi? – Ela pergunta, com voz fraca.

-- Acordou!

-- Eu disse que ela não tava morta.

-- Por que que eu não morro logo pra parar de ouvir tanta besteira? – Ezelius pergunta e os dois tagarelas desatam a rir.

-- O Ezelius está certo. – Ild fala também. – Como podemos pensar em uma saída se vocês não param a boca?

-- Você não é monge, ué! Medita no barulho mesmo!

-- Claro que eu posso meditar mesmo nessa algazarra, mas precisamos todos buscar uma solução. Nossa morte já é certa, a menos que encontremos uma forma... De mudar nosso destino.

-- Povo chato! Tá bem, vou ficar quieto. Mas eu já dei duas ideias!

Ninguém se dá ao trabalho de responder ao Haseid.

Naquele silêncio, a dor parece aumentar, junto com o desespero. A pressão para encontrar uma resposta não ajuda. Cada gota de sangue arde ao sair e leva um pouco de esperança embora.

De repente, Sharon percebe alguém se aproximando pela porta. Sente um calafrio, imaginando que perversidade os câmbions pretendem agora. Mas não eram eles. Era um sujeito azul vestido com roupas um tanto diferentes. Ela reconhece a espécie de imediato e como não deveria poder estar ali.

-- Um tritão!? – Pergunta, quase que só para si mesma. Seus colegas ouvem e se viram para olhar, espantando-se também. Ele para diante do grupo.

-- Vamos, temos pouco tempo.

As Sementes do Mundo Inferior - Parte IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora