Eu deveria te amar, e eu juro que amo.

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NAYAMA
SUASSUNA

Uma noite antes da semifinal eu estava a beira de um colapso. Eu havia passado e Tati também, e meu maior medo era cair junto dela, mas graças a Deus isso não aconteceu. Estava nervosa, como nunca havia ficado antes. Eu não costumava ficar assim às vesperas de competições, mesmo que importantes, mas dessa vez era diferente: além de estar disputando medalha nas olimpíadas, eu estava com muitas dúvidas em relação a Gabriel, e quanto mais eu tentava ignorar pior ficava.

Era ridículo. Nunca tivemos nada demais a não ser uma amizade na infância, porque diabos isso está me deixando assim?

Eu não conseguia dormir e já se passavam das dez horas da noite. Resolvi levantar e andar um pouco em volta da casa. Tinham algumas mini "trilhas" por perto que nós podíamos ir, e uma em específico era linda, ficava um pouco acima da linha do mar e a visão era o oceano com algumas montanhas ao lado.

A paz que aquele lugar conseguia transmitir era surreal, o barulho das ondas e do vento balançando as árvores era meu som favorito no mundo todo.

Me sentei em um tronco de madeira que estava virado para a frente do oceano e fiquei ali encarando as ondas bem de longe. A lua estava linda também e sua luz refletia maravilhosamente nas ondas do mar.

Ouvi passos calmos se aproximando e pensei que fosse Tati, ela estava do lado de fora da casa quando saí e disse que mais tarde iria se juntar a mim um pouquinho. Não me movi, esperando que ela sentasse ao meu lado. Queria desabafar com ela, mas não sei se isso me deixaria melhor ou pior. Tudo o que aconteceu nos último dias, tudo o que eu estava sentindo e tudo o que Charles me disse não me deixava em paz e eu estava com medo disso tudo tirar de mim o foco.

Sempre fui muito fechada em relação aos meus sentimentos e sempre me resolvi muito bem sozinha, por isso nunca foi do meu feitio dividir essas coisas com alguém ou desabafar de fato.

Alguns segundos se passaram e eu senti um perfume fresco adentrar minhas narinas, e não era o de Tati.

- A lua tá lindona, né - Gabriel comentou encarando o céu. Foquei meu olhar lá também, suspirando e olhando para minhas mãos logo em seguida. - Sem sono? - perguntou me encarando. Balancei a cabeça em concordância.

- Ansiedade - disse simples. Ele passou seu braço direito por meus ombros, me puxando para me apoiar em seu tronco.

- Fica tranquila, peixinha - brincou dizendo nosso apelido de infância. Eu ri. - 'Cê vai arrebentar amanhã. - seus olhos não paravam de me encarar. - Lembra que foi você quem derrotou o Lucas, você era a dona do mar! - eu ri alto me afastando um pouco.

- Isso porque você era o jurado! - justifiquei o encarando e lhe dando um tapinha fraco no peito. Ele riu.

Uma vez, quando éramos crianças, eu apostei com um de nossos amigos que eu surfava melhor que ele. Colocamos Medina de jurado enquanto pegávamos algumas ondas. Lucas era um pouco mais velho e surfou muito, mas eu acabei ganhando a aposta graça a Medina que disse que eu era a melhor.

- Lógico, eu não queria apanhar de você - rimos juntos.

- Eu nem era tão brava assim.

- Não era pouco - ele me fez rir ainda mais. Passamos alguns segundos calados até ele voltar a falar. - Eu senti muito sua falta.

Mais silêncio.

- Eu também senti a sua - disse encarando minhas mãos de novo.

Ele tirou o braço dos meus ombros e encarou o céu, depois me encarou de novo.

- E porquê você não voltou? - perguntou calmo. - Porquê não me atendia quando eu ligava? Pô, era caro ligar pro exterior, sabia? - brincou e eu ri sem graça. - Minha mãe sente muito sua falta, você era a filha que ela nunca tinha tido. Até quando a Sophia nasceu, eu queria tanto que você tivesse lá pra ver.

Eu só conseguia me sentir cada vez mais culpada.

- Eu quis voltar, Gabe - disse baixinho. - Mas...

- Foi sua mãe? A culpa foi dela? - perguntou sem deixar de me encarar, já eu ignorava seus olhares. - Tem certeza que a culpa foi só dela?

- Eu tentei, mas ela não queria me ver... - me justifiquei. - Você sabe como ela é...

- Mas ela sempre te impediu, Nayama? Você poderia ter ido me visitar, não precisava se limitar a ver só sua mãe  você sempre foi bem recebida em casa - disse sério. - Ou ela só está sendo a sua desculpa agora? Porquê você fugiu tanto de mim?

Eu o encarei, finalmente, enquanto as lágrimas caíam do meus olhos sem intervalos.

- Era pra ser assim, Gabriel - eu disse o olhando nos olhos. Sua expressão era triste, eu me sentia muito mal. - Eu tentei muito voltar, ela não queria saber de mim. Eu ligava, perguntava sobre você, sobre sua mãe, ela escondia tudo e me culpava, dizia que eu nunca deveria ir embora, que eu não amava ela e nem ninguém... eu era só uma criança, Gabriel. - aquilo me doía, e muito! Era uma feriada aberta em mim, e, sempre que eu achava que fecharia, ela abria de novo. - Depois de uns anos eu desisti. Eu fui crescendo, focando no surfe e nos meus estudos. Eu sentia que não tinha mais como me conectar com você, então eu desisti. Eu admito.

- Mas e quando vocês se resolveram? - perguntou. - Seu pai me disse que vocês se resolveram.

- Eu imaginava que você não fosse querer me ver ou saber de mim, meu maior medo era te incomodar- engoli as lágrimas enquanto eu o via sorrir desacreditado. - Eu me sentia errada em pensar em voltar depois de tanto tempo, do nada. Meu pai ainda falava com o Charles de vez em quando, eu sabia que você estava bem e eu não quis atrapalhar. Você sempre pareceu bem sem mim, eu pensei que, depois de tantos anos, não faria diferença pra você se eu voltasse ou não.

- Eu te esperei literalmente a vida toda. - ele disse simples. - Sempre me senti incompleto sem você. Você não se sentia assim?

Eu sentia que estava perdendo o controle. Eu não estava alí para ter algo com Gabriel, eu estava alí para competir e ir para casa, estava alí para conquistar uma medalha para o Brasil. Eu queria focar somente no que tinha controle, e eu sei que, se eu admitisse, eu perderia completamente o controle de tudo.

- Não - menti. Eu sempre me senti vazia longe dele, mas nunca me permiti admitir, e não queria que isso acontecesse agora.

Eu queria apagar tudo o que estava sentindo, isso não era justo. Depois de anos, num dos momentos mais importantes da minha vida, isso acontecer era um pesadelo.

- Eu nunca me senti. - completei. Através da luz da lua de um céu limpo como o de Teahupo'o, eu vi os olhos pequenos de Gabriel se encherem de lágrimas. As minhas cessaram.

Ele se levantou e se virou, mas antes de ir embora, tornou a me olhar e dizer:

- Talvez eu tenha esperado uma versão inventada de você esse tempo todo - ele disse em tom choroso. - Você se tornou a pior pessoa que eu conheço. É decepcionante eu ter te amado tanto. - ele disse antes de sair.

Eu segurei o choro, mas não por muito tempo. Naquela noite, quando Gabriel foi embora, eu chorei até soluçar, até sentir minha cabeça doer. Minha consciência queimava e meus olhos também. Eu não podia evitar ter desenvolvido um coração tão nocivo, era por isso que eu fugia de toda e qualquer relação.

Era impossível pra mim acreditar que alguém me amava, era impossível pra mim fazer alguém genuinamente feliz através do meu amor, porque eu não sabia amar, diferente de Gabriel.

E ele não merecia toda a minha confusão, ele merecia uma relação recíproca, alguém que o amasse com todo o seu coração assim como ele era capaz de fazer.

Mas esse alguém jamais seria eu.

𝒐𝒄𝒆𝒂𝒏𝒐, gabriel medina.Onde histórias criam vida. Descubra agora