Nada pido.

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A luz baixa e quente me remeteu a ele.
A última vez em que estivemos nesse hotel, sob essa janela que permite uma visita intima da lua, ele pediu apenas a luz do abajur.. Gostava dos meus traços, da minha sombra diante a luz fria da lua e a quente do nosso quarto. Nosso quarto. Patética. Quase um ano e continuo me permitindo assombrar por lembranças que com certeza ele já apagou, não existem mais, principalmente estando com ela.
Não posso culpar ou sentir raiva, sempre fomos casuais e a tonta e intensa aqui foi quem se apaixonou perdidamente e continua.
Meus devaneios desaparecem quando ouço batidas frenéticas, mas delicadas na porta.

— Achei que tivesse morrido aqui dentro e meu Deus, que bagunça. — Anahi entrou com seu jeito espatifado, já recolhendo algumas roupas do chão e colocando todas na cama. — É o seguinte, falei com os meninos do bar e vamos fazer uma reunião, pequena, mas como as nossas reuniões .

Quando Anahi fala sobre reuniões ela quer dizer: Carmen e suas amigas, shots de tequila e karaokê com as mais antigas do México.

— Amiga.. — tentei falar algo que pudesse mostrar a minha falta de vontade de beber e encontrar com todos, pensar mil vezes tudo o que já estava presente.

— Não, não tem "amiga". Se for pra isso não sou sua amiga então — fez cara de brava, aquela que não convence nem a pessoa mais mau caráter que existe — amanhã é nosso último show aqui em Madrid, ou seja, a gente deve comemorar e com as saias mais curtas que o bar desse hotel já viu.

Por um instante quis quebrar alguma coisa na cabeça dura dessa mulher, mas de certa forma ela tinha razão — muitas vezes ela tinha razão e talvez por isso brigávamos tanto.

— Tá, tá... Te deixo escolher algo pois zero ideia do que vestir, enquanto passo algo no rosto.

— A verdade é que é obvio que eu sei escolher melhor que você.

Anahi, sua beleza e o seu ego... Quem é maior!?

— Saia pois é crime não mostrar essas pernas divinas, uma regata coladinha, bota até os joelhos e.... Solta o cabelo, Dul. - sim, eu soltei.

Me sentia linda, bem (a energia dessa mulher loira e sempre no ápice de viver -sendo estilosa- porém ansiosa, me deixa lá em cima, mas quero pensar que é por voltar a beber com o grupo o que estava me deixando aflita. Fazia tempo que não tínhamos uma "reunião" e ok que o Poncho não estava por causa da namorada nova, mas estar com os cinco me deixava ansiosa de uma boa maneira.

Descemos até o saguão e lá estava o Christian, com um celular novo e aparentemente bem tecnológico. Abracei ele por segundos incontáveis e finalmente me senti cômoda em estar ali. Queria ir pro restaurante, queria beber, queria me divertir na ultima noite livre em Madrid.

O olhar dele sob o meu, por segundos, mas que fez meu coracão ir até a boca e pensar em cavar um buraco ali mesmo.
Camiseta vermelha, um blazer bege por cima (descuidado como sempre e impecável da mesma forma), uma calça jeans branca e um tênis qualquer, que se conheço ele acabou escolhendo por combinar com a camiseta.
Todo mundo se cumprimentou, óbvio, a única que estava estranha ali era eu. Um beijo na bochecha e o perfume dele invadindo tudo o que existe dentro de mim. Maite chegou atras, linda como sempre e com aquele sorriso que me faz sentir em casa.

— Dulce não queria vir e o quarto dela, DEUS, vocês iriam rir comigo. - amo o quanto a Anahi é escandalosa e enfática sobre as coisas, me faz sair do meu mundinho pessoal e também dos mil pensamentos que acabo escrevendo mentalmente e algum dia vão precisar virar livro, os rascunhos mórbidos de uma mulher que sentiu demais (ri para mim mesma enquanto pensava nisso e observava todos conversando).

"Carmen" não demorou pra chegar, em quatro taças de vinho ela providenciou shots de tequila pra todo mundo. Christian aceitou e pediu um "caprichado", enquando Christopher olhava os talheres da mesa e mexia tranquilamente neles, como quem não pensa em nada e se sente tranquilo no ambiente.

— MAITE!!!!!! A última pessoa que você beijou OU dois shots - disparou Christian que foi acompanhado pela Anahi ovacionando e dando batidinhas na mesa.

Sorri amarelo, que tédio. Todos olharam fixo para a mesma que apenas virou os dois shots e fez cara feia. Todos riram e eu acompanhei, enquanto notei o olhar dela por segundos sob mim.

— A Dulce tá muito quietinha e eu acho que ela merece um shot grátis, sem razão alguma, como cortesia da banda. - disse Christian invocando o demônio que existe em mim (ele me conhece).

— Gostaria de dizer que eu aceito, mas não fiz nada pra merecer... - disse em tom de vítima e notei um sorriso de canto se formando na boca do Ucker. Não que eu tenha olhado diretamente pra ela, apenas olhei todos na mesa e notei o detalhe.

Bebi o shot e logo bati ele na mesa com a sensação de ter vencido algo que nem existia, apenas Any e Christian querendo me embebedar.
As horas foram passando, as bebidas chegando e indo, indo e chegando, os assuntos se aprofundando e foi parar no Poncho, em como ele andava feliz com a tal namorada e o Christopher? Andava com alguém? Anahi perguntou com a voz de bebê que sempre fazia ele responder tudo.

— É complicado- disse ele rindo e passando a mão no cabelo, que já estava maior e do tamanho que a antiga Dulce costumava gostar.

— Nada é complicado, bebê! Quem é a da vez? - quando Christian terminou de falar isso a minha única vontade era sair correndo pois não me interessa nada desse assunto, muito pelo contrário.

— Não quero nada sério, mas tô vivendo coisas.

Legal. Todos estamos, não? Que resposta patética. Escreveria um texto sobre a falta de coragem dele em falar sobre as coisas. Impulsiva e caprichosa, me senti assim enquanto ouvia ele falar.

Notei uma mão disfarçada na perna da Maite. Um carinho sutil, mas que olhava pros lados e não era confortável. Claramente era ela, eu já sabia e como disse antes: Não tenho o direito de sentir raiva ou algo do tipo.
Nos olhamos, dessa vez foi prolongado e sinto que ele leu minha mente somente com o olhar, como se me enxergasse nua na frente dele, como se visse cada pedaço de mim e conseguisse entender tudo o que eu sinto.

— Vou ao banheiro, se alguém quiser ir junto - disse com dificuldade em levantar e me equilibrar devido as tequilas, mas sem pretenção de que alguém fosse junto.

— PRECISO RETOCAR MEU BATOM!! - Any saiu com ajuda da Maite e com a mesa inteira rindo pela dificuldade dela em andar.

— Vem, se escora em mim, borracha.

Finalmente fiz xixi e parece que 80% do álcool saiu do meu corpo. Fui lavar as mãos e lá estava ela, retocando o batom e vindo me perguntar se o lápis de olho não tava borrado

— Tá tudo certo e você tá perfeita como sempre. - exclamei sendo sincera.

— Você sabe que eu te amo, né?

— Anahi, a gente vai mesmo encarnar as bebadas emotivas? - falei rindo e olhando no fundo dos olhos dela.

— Lembra daquela festa em Porto Rico? - ela disse olhando pra baixo e me deixando corada, vermelha, talvez até roxa.

— O que tem ela? Obvio que lembro.

Foram segundos. Nos olhamos, senti num automático minha mão indo até o pescoço dela e.. aqui estamos de novo.

— Mas... oi? - com a porta entre aberta e com a expressão surpresa foi tudo o que precisou pro meu coração ir até a boca.

Merda.

lo intentare // vondy Onde histórias criam vida. Descubra agora