Capítulo 8| Mathilde

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Surreal.

Surreal é o único adjetivo que se encaixa na noite passada.

Eu não sei o que aconteceu, mas tenho a certeza de que não me arrependo de um único segundo, mesmo depois de reparar na pequena tatuagem estampada no seu corpo. Envolver-me com um membro da máfia francesa por apenas uma noite não é o fim do mundo, até porque nós mantivemos a nossa identidade secreta. De qualquer das formas, duvido que ele ocupe um lugar muito importante na máfia, uma vez que estava presente num evento tão insignificante para a maioria das pessoas.

Ele saiu do meu quarto logo após nos recuperarmos, despedindo-se com um beijo igualmente intenso. Assim que a porta se fechou, fui a correr tomar um banho. Tenho de sair do quarto o mais rápido possível, antes que atentem contra mim. Não posso arriscar que o homem misterioso contacte outros membros da máfia francesa e os informe da minha localização.

Depois de tomar banho e vestir uma roupa confortável, preparada para uma possível fuga, comecei a fazer a mala, enquanto ligava para Gustavo. Não sei para onde ele foi depois de eu sair da catedral, mas não tentou contactar-me, o que é no mínimo estranho. Ele não me atendeu, mas ligou-me logo a seguir.

- Onde estás? - pergunto, indo direta ao assunto.

- É uma longa história, mas tens de me ajudar. - o desespero na sua voz é evidente. - Eu encontrei a Ivy, Mathilde. E eles levaram-na.

- Como assim? - congelo.

- Raptaram-na. - a sua voz embargada indicava o quão abalado ele estava. - Uma carrinha preta, com três homens. Consegui ver o motorista e tenho metade da matrícula. Espero que isso seja suficiente.

- Anda para o hotel. Vamos diretos para a base. - informo. - Temos de tentar contactar o Ian e investigar o rapto.

- Claro. - a sua voz não foi mais do que um sopro.

- Mantém a calma, Gustavo. Vai correr tudo bem. - asseguro. - Vamos resgatá-la e finalmente vais poder reencontrar-te com o amor da tua vida.

- Espero que tenhas razão. Chego ao hotel em menos de cinco minutos. - ele desligou.

Continuo com a minha tarefa de colocar todos os meus pertencentes dentro da mala e começo a arrumar os de Gustavo também. Quando ouço batidas na porta, pego em ambas as malas e aproximo-me, espreitando pelo olho mágico, vendo o meu primo com uma expressão consternada.

Abro rapidamente a porta e entrego-lhe a mala, puxando-o até o elevador. Gustavo segue-me apressadamente, mas certamente associa a minha pressa à urgência de localizar Ivy e não ao medo de ser atacada pessoalmente pela máfia francesa.

As lembranças do que aconteceu há menos de uma hora atrás preenchem a minha mente e fazem-me corar intensamente, o que não é nada bom. Não quando é suposto ser um caso de uma noite. Não quando eu nem sequer sei com quem passei a noite e a única informação que tenho sobre ele é que pertence a uma máfia rival.

Respiro fundo, afastando esses pensamentos da minha cabeça e concentro-me no plano para investigar o rapto da Ivy. Primeiramente, se Ivy está em território italiano, não pode estar sozinha. Ian deve estar algures, à procura dela, ou então também foi raptado. Sinto um nó formar-se na minha garganta só de pensar que os nossos amigos de infância estão ou podem estar em perigo. Segundamente, não consigo entender o motivo pelo qual raptaram Ivy. Sempre desconhecemos o paradeiro deles, desde que foram embora. Não fazemos a mínima ideia de como continuaram a vida e essa incógnita não auxilia na investigação.

Quando chegámos ao território mafioso já era de manhã. O sol brilhava no céu, contrastando com o nosso estado de espírito. Quanto mais tempo passava, mais preocupados ficávamos com o bem-estar de Ivy. Durante a viagem, contactei alguns dos nossos homens para tentar perceber se tinha surgido alguma ameaça que justificasse o rapto dos filhos de Enrico, como algum tipo de punição ou ataque pessoal à máfia italiana. Lucca informou-nos de que a máfia russa estava cada vez mais perto da nossa comunidade e, muito provavelmente, planeavam invadir-nos.

Após obter essa informação, pedi a Gustavo que tentasse contactar Ian, de alguma forma, afim de perceber se também ele estaria em perigo. É arriscado intrometer-nos, mas não temos outra escolha. Se pudermos ajudar, com certeza salvaremos uma das pessoas mais importantes para nós, independentemente de quanto tempo estivemos separados.

A guerra declarada pela máfia russa já possuiu diversas batalhas e eu não pretendo alimentar esta rivalidade. Temos de destruir completamente o inimigo, mas não posso fazê-lo sozinha. Preciso de reforços. Preciso de me aliar a outras máfias para aniquilar um inimigo em comum.

Don Kyle. Ele com certeza alinharia numa missão conjunta para destruir a máfia russa. Nikolai sempre invejou o império construído em Nova Iorque e não é novidade para ninguém que ele gostaria de se apoderar daquele território. Não seria assim tão fácil convencê-lo para alinhar no meu plano, mas com a motivação certa tudo é possível.

- Mathilde! - a exclamação de Gustavo fez-me voltar ao presente.

A minha atenção foca-se novamente nele e, quando vejo a expressão de surpresa no seu rosto, arranco-lhe o telemóvel das mãos. O meu olhar foca-se na frase escrita no meio do ecrã.

Ian Durand. Novo chefe da máfia francesa. Tomou posse há cerca de dois anos.

- Como encontraste isto? - fito Gustavo.

- Enviaram-me. - indaga.

- Procuramos por eles tanto tempo e nunca descobrimos nada. - penso em voz alta.

- Eles foram para França, refugiaram-se na cidade natal da mãe. - o meu primo reflete.

- É muito estranho obtermos esta informação agora, tão de repente. Tens a certeza que é confiável? - questiono.

- Talvez ele também esteja à nossa procura, à procura de ajuda. - pontua.

O chefe da máfia francesa está em Itália. Eu passei a noite com um membro da máfia francesa. Não, não pode ser.

- Enfim, não importa. Fala com ele, diz-lhe que temos informações importantes sobre a Ivy. Se for possível, marca uma reunião com ele. Dá-me 48 horas para descobrir para onde a levaram. - declaro.

Pego no meu telemóvel e saio do escritório, indo até a biblioteca para eu própria contactar um possível aliado. Ele atendeu-me ao terceiro toque.

- Kyle. - cumprimento com cordialidade.

- O próprio. - responde do outro lado da linha telefónica. - A que se deve o contacto?

Respiro fundo, antes de realmente começar as negociações.

- A máfia italiana gostaria de contar com a tua colaboração. - revelo. - Há uma missão que exige bastantes reforços e que imagino que seja do teu interesse.

- Sou todo ouvidos. - obtenho como resposta.

- A máfia russa tem sido uma pedra no meu sapato. Bastante chata e insistente, se é que me entendes. Já passou dos limites. Estou disposta a cortar o mal pela raíz. - declaro.

- Estou a ver. - a sua voz profunda transparece o seu interesse na minha proposta. - E como seria essa colaboração?

- Poderíamos elaborar um plano, ao agrado de todas as partes envolvidas, que cubra todos os possíveis imprevistos e esteja livre de riscos para ambos os lados. - pontuo. - Para isso, precisamos de nos reunir.

- Quando? - ele vai direto ao ponto.

- Se estiver de acordo com a tua disponibilidade, daqui a dois dias. - afirmo. - Poderemos, eventualmente, contar com mais um aliado.

- Quem? - interroga.

- O chefe da máfia francesa. - um sorriso vitorioso surge no meu rosto. - Também é do interesse deles eliminar o Nikolai.

- Agrada-me. - responde astutamente. - Envia-me todas as informações. Dou-te uma resposta até ao final do dia.

Ouço o som inconfundível da chamada a terminar e fecho os olhos, absorvendo e recapitulando cada pedaço de informação e tudo o que teremos de fazer para tornar esta missão bem-sucedida. Ter mais duas máfias ao lado da nossa deixa-me muito mais tranquila, mas não podemos subestimar o poder dos russos. Tudo tem de ser meticulosamente planeado e revisto, para que não haja espaço para falhas.

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