O dia em que perdi os meus pais naquele ataque foi o ponto de viragem para mim. Era demasiado novo e ingénuo para entender as implicações da tragédia. O meu primeiro instinto foi fugir e proteger a minha irmã.
Eu e Ivy, minha irmã gémea, fomos tomados pelo luto e não estou certo de que tomamos as melhores decisões. Tínhamos dezoito anos. Eu tinha iniciado o treinamento para me juntar à máfia e seguir os passos do meu pai.
Do dia para a noite, perdemos tudo. O amor, a esperança, a alegria. A minha nova vida obrigou-me a ser mais frio, calculista e racional. Fui obrigado a enterrar o passado e focar-me nas minhas prioridades: garantir que Ivy estivesse a salvo e vivesse confortavelmente.
Apenas três anos se passaram e a dor que lateja insistentemente no meu peito não dá sinais de extinção. Quero vingança. Quero honrar os meus pais e as minhas origens.
Quando fugimos da comunidade, não sabíamos para onde ir. Andamos a vaguear por Itália, sobrevivendo com o pouco dinheiro que conseguimos tirar do cofre no meio de toda a confusão.
Chegamos a França no fim daquele ano, cerca de quatro meses após a catástrofe. Estávamos na miséria e o mundo do crime chamou por mim. Inicialmente, participava em pequenos furtos e tráfico de drogas. Era dinheiro fácil e eu precisava desesperadamente de dar melhores condições à minha irmã.
Não me arrependo de nada do que fiz, mas admito que não enveredei por um caminho melhor do que aquele que deixei para trás. Em menos de um ano, juntei-me à máfia francesa.
Eu tenho genes franceses, graças à minha mãe. Os meus avós maternos eram líderes do grande império da máfia francesa, mas ambos ficaram muito doentes e tiveram de renunciar. Para garantir que o legado da família tinha continuidade, arranjaram um acordo com a máfia italiana, que selaria a paz entre as duas organizações.
Christopher já era noivo de Lilian, então a minha mãe acabou por ser entregue ao braço direito do chefe. Sim, o casamento dos meus pais foi arranjado, mas o amor deles não era fictício. Eles viveram um romance verdadeiro e sempre se preocuparam em transmitir esse valor a mim e à Ivy.
Procurem sempre o amor, crianças. Ele é o segredo da vida.
Lembro-me perfeitamente das palavras da minha mãe, mas agora elas não soam com tanta suavidade e doçura. São amargas, como se fossem farpas a cravarem-se fundo na carne.
Como poderei eu procurar o amor, agora que a minha vida se resumia a destruição? Tinha as mãos sujas pelos inúmeros crimes que cometi ao longo destes anos e o meu coração está longe de ser puro. Eu respiro vingança, a raiva corre-me nas veias, alimentando o meu espírito implacável. Quem poderá procurar o amor é Ivy, que não tem o peso da máfia sobre si.
Fui nomeado chefe da máfia francesa há pouco mais de um ano. O chefe morreu com uma paragem cardiorrespiratória, enquanto dormia, deixando todos agitados. Hugo não deixou descendentes, pelo que a única solução seria nomear outra pessoa da sua linhagem. Ninguém se mostrou disponível para assumir o cargo.
A maior parte da família de Hugo eram mulheres, que não se queriam envolver verdadeiramente com a máfia. Os homens eram demasiado jovens ou demasiado debilitados. Ninguém parecia adequado para ser o chefe.
Foi então que a comunidade se voltou para as famílias que assumiram a liderança antes do pai de Hugo. Os meus avós foram os últimos Durand a governar o território mafioso e rapidamente fizeram a conexão com o meu sobrenome.
No acordo nupcial dos meus pais, os meus avós deixaram bem claro que queriam manter o seu sobrenome como principal na família. O meu pai acabou por ceder e adotá-lo, não se opondo a nomear-nos também como 'Os Durand'.
Essa associação resultou na minha nomeação como chefe da máfia francesa, para que o legado deixado pelos meus avós fosse recuperado. Deixei a máfia italiana em ruínas para assumir a máfia francesa. Que tipo de líder seria eu?
Consegui evitar os inimigos com maestria, aumentar o poder da máfia e proteger a comunidade, mas mesmo assim tenho as minhas reservas. Eu simplesmente não me reconheço.
Estou concentrado em analisar as transações do último mês e avaliar o lucro quando ouço batidas na porta.
- Posso entrar? - a voz doce da minha irmã soa do outro lado da madeira.
- Claro. - respondo, fechando o grande caderno com todos os registos.
- Trouxe-te o almoço! Imaginei que estarias demasiado ocupado e esqueces-te sempre de comer. - afirma.
- Obrigado. - abro um pequeno sorriso em sua direção. - Como estás?
- Minimamente bem. - ela responde, com melancolia. - Já tive dias piores.
- Lamento imenso. - suspiro, genuinamente preocupado com Ivy.
- Deixa estar. Estou habituada a isto. - revela.
Levanto-me para a confortar. Contorno a mesa e abraço-a.
- Eu sei que é difícil reviver o passado. - sussurro.
- Não é justo eu descarregar os meus sentimentos em ti. Sentes exatamente o mesmo que eu. - ela funga.
- Não, Ivy. Tu sentes tristeza, eu sinto raiva. - confesso. - Não é a mesma coisa.
- Ainda queres vingança? - Ivy suspira.
- Claro! - exclamo. - Não posso deixar que a morte dos nossos pais caia no esquecimento. O que fizeram foi uma afronta.
- Eu sei, Ian. Contudo, não é saudável nem seguro estares à procura do responsável pelo atentado. - rebate. - A máfia italiana está a recompor-se. Não achas que seria outro golpe descobrir o autor do atentado?
- Não quero saber. A honra da máfia francesa também está em causa. - pontuo. - Não sei quem é o chefe da máfia italiana, mas não me parece que a filha de Christopher tenha aceitado e esquecido o que aconteceu.
- Não falamos com eles há três anos. Fugimos sem sequer nos preocupar-nos com eles. Não vão colaborar conosco. - uma lágrima solitária escorre pela sua face.
- Não foi a melhor opção, estou ciente disso, mas foi necessário. Nunca é tarde para agir e resolver o passado. - declaro. - Nada vai trazê-los de volta, Ivy. Porém, podemos honrar a imagem deles. Mostrar ao mundo do que os Durand são feitos.
- Isso não traria mais visibilidade à máfia? - ela questiona. - Seríamos vítimas de mais ataques.
- Se destruirmos a pessoa certa, ninguém se atreverá a meter-se no nosso caminho. A máfia italiana certamente não desafiaria a francesa. Aliás, podemos unir forças para acabar de uma vez por todas com a tensão que nos rodeia. - confesso.
- Tens algum plano em mente? - ela seca as lágrimas, assumindo uma postura mais assertiva.
- Tenho, só não sei como o pôr em prática. - reflito. - Primeiro tenho de descobrir quem atacar, para depois saber como atacar.
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Os Caminhos da Máfia
RomanceMathilde e Ian são chefes de máfias rivais, à procura de vingança. O ódio que sentem é motivado pelo luto dos seus antecedentes, que foram brutalmente assassinados num conflito interno. Mathilde tem a missão de recuperar a glória da sua máfia, enqu...