Capítulo 10| Mathilde

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Assim que entrei no meu escritório e vi o homem sentado do outro lado da secretária, senti-me congelar por um milésimo de segundo. Por muito que eu quisesse habituar-me à ideia de que os nossos amigos de infância estavam de volta, foi impossível ignorar os arrepios que deslizaram pelo meu corpo sob o olhar atento de Ian.

Ele mudou. Muito. Além de mais alto, com os seus ombros largos e músculos salientes, ele está mais bonito. Na verdade, tornou-se um homem, muito diferente do menino divertido que eu conhecia.

O ar tornou-se denso à nossa volta, então eu decidi retirar-me. Todos precisávamos de tempo para absorver a nossa nova realidade e a verdade é que eu não conseguiria ficar nem mais um minuto exposta ao seu escrutínio.

Pedi a Gustavo que acompanhasse o nosso mais recente visitante aos seus novos aposentos. Disponibilizei a mansão da sua família para que ele pudesse acomodar-se, refletir sobre tudo o que descobriu e afastar-se um pouco de nós. Imagino que seja doloroso voltar a entrar naquele espaço, que outrora esteve repleto de alegria e bons momentos passados em união. Lembro-me perfeitamente dos serões em casa dos Durand, onde eu e Ivy sempre arranjávamos forma de ser as protagonistas da noite, aparecendo demasiado arranjadas e a dançar pela sala. Os rapazes divertiam-se imenso com as nossas apresentações.

Embora tivesse ido para casa com o objetivo de me distrair um pouco da tensão do escritório, não consegui resistir e fiquei parada à frente da janela do meu quarto, onde conseguia ver a parte lateral da casa onde Ian ficará hospedado. Através da janela aberta do quarto que pertenceu a Ivy, conseguia ver todo o corredor, até a casa de banho ao fundo. Todas as portas e janelas da casa estavam abertas, para evitar que a habitação apodrecesse sem ninguém. Uma senhora já de idade um pouco avançada ofereceu-se para limpá-la duas vezes por semana, como forma de pagamento pela generosidade de Élise e Enrico. O estado da casa, limpa e conservada, passou entre os membros da comunidade como uma forma de homenagear os dois falecidos e, ao mesmo tempo, como uma esperança de que os gémeos voltariam.

A sombra de alguém a subir as escadas surge repentinamente e eu escondo-me atrás da cortina. Ian surge no corredor, com um semblante triste e pesado, e olha instantaneamente para a janela do quarto. A sua expressão muda ligeiramente, mostrando alguma confusão e curiosidade. Desisto de espiá-lo, até porque isso seria uma atitude infantil e descabida.

Sento-me na minha cama e respiro fundo, assimilando o furacão que passou pelas nossas vidas nas últimas horas. Tenho tantas dúvidas e perguntas que parece que o meu cérebro irá explodir. Massageio as têmporas, tentando aliviar a dor de cabeça, mas acabo por cair no colchão, derrotada.

O voto de confiança que dei a Ian é demasiado arriscado, eu tenho noção disso. Contudo, não me pareceu restar alguma alternativa nestas circunstâncias. Tenho de ajudar Ivy e só poderei fazê-lo com a colaboração dele. Para além disso, senti no meu coração que era o certo a fazer, ou seja, senti que é da vontade do meu pai que nos reencontremos.

Os acontecimentos recentes foram tão imprevisíveis que nos deixaram completamente atordoados e sem plano de fuga. Foi por isso que pedi a ajuda de Don Kyle, porque sei que não conseguiríamos deixar que o lado emocional não se intrometesse nesta missão.

A empatia que sempre senti pelos gémeos Durand aumentou assim que soube do rapto da Ivy. Ver Ian naquele estado trouxe-me lembranças que eu preferia manter na escuridão do meu cérebro. Ele não é diferente de mim. Sofreu pelas mesmas circunstâncias e agora viu-se separado da única família que ainda lhe resta.

Decidida a tentar extrair mais alguma informação sobre os três anos em que estivemos separados, entro na casa de banho para tomar um duche revitalizante. Se quero enfrentar este desafio, tenho de estar no meu melhor.

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