Capítulo 13| Mathilde

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Eram seis e dez da manhã quando os três jatos levantaram voo. Todos foram pontuais, como têm de ser, e os pilotos iniciaram as manobras de descolagem imediatamente.

O meu jato ia mais cheio do que o normal, com cinco ocupantes, além dos pilotos. À minha frente, Gustavo ia cabisbaixo, sussurrando algo imperceptível. Ao meu lado, Ian estava irrequieto, o que me incomodou profundamente, mas decidi não dizer nada. Atrás, Don Kyle e Marly estavam no mundo deles, ignorando a nossa existência.

O silêncio, apenas interrompido pelos murmúrios de Gustavo e algum movimento nos bancos de trás, era ensurdecedor. Revejo mentalmente todo o plano, procurando por alguma falha, momentos de maior perigo, possíveis imprevistos e saídas de emergência. Tudo foi minuciosamente analisado e revisto inúmeras vezes, é impossível que não sejamos bem-sucedidos.

Ian levanta-se de rompante, sobressaltando-me. Estava demasiado perdida nos meus pensamentos para me aperceber de que o seu telemóvel estava a tocar. Ele atende, de pé, a olhar pela janela. Repito o gesto, vendo as nuvens embaixo de nós. O nascer do sol a surgir é uma bonita imagem, mas não consigo apreciá-la.

Gustavo entra num sono leve e agitado. Desde que viu Ivy ser raptada, ele não tem conseguido dormir em condições e anda completamente exausto. Foi por isso que o deixei mais à margem do nosso plano, para evitar que o seu lado emocional o fizesse cometer algum erro e sacrificar o bom funcionamento da missão. Ele tem motivos para estar com o coração nas mãos e eu entendo-o, mas não posso permitir que faça algo estúpido por amor.

Ian aproxima-se de mim, ainda de pé, e eu desvio o meu olhar imediatamente para o seu rosto. Ele aponta para a casa de banho com o olhar e eu levanto-me, seguindo-o até ao fundo da aeronave.

- Era Joseph. - ele afirma. - Aparentemente alguém está a tentar localizar-nos, temos de mudar de rota. Os pilotos já comunicaram entre si. O meu jato vai passar para a frente para guiar, nós vamos no meio para garantir que não somos atacados e o de Kyle vai na retaguarda. Dei ordem aos meus homens para avançar, mas é necessário que vás falar com os pilotos e que Kyle fale com os seus homens.

- Eu vou à cabine. - declaro. - Serão doze longas horas de viagem.

...

Aterramos no pequeno aeródromo às seis e meia da tarde. O sol já estava na linha do horizonte, perto de desaparecer e dar lugar ao luar. Os três carros já estavam à nossa espera, sem absolutamente ninguém por perto. Antes de sairmos da aeronave, os seguranças de Ian fizeram uma ronda completa ao local abandonado e certificaram-se de que não tínhamos sido descobertos.

Do lado de fora, o frio era tanto que, em menos de cinco minutos, todos tinham os lábios roxos. Não será nada fácil tirar Ivy e Hannah das mãos de Nikolai, mas agora não podemos voltar atrás. Temos de concretizar o plano, independentemente dos riscos que teremos de enfrentar.

Enrico e Joseph ficaram responsáveis por acompanhar toda a missão através das câmaras e dar-nos indicações caso haja movimentações suspeitas por parte dos russos. Erick e Ian garantiram que os dois homens estavam à altura da missão e eles jamais poriam em risco a nossa integridade. Nota-se o desconforto deles por estarmos diretamente envolvidas na missão a quilómetros de distância.

Eu e Marly, por outro lado, permanecemos calmas, embora estejamos cientes do que temos pela frente. Matar Nikolai implica arriscar a nossa vida, mas se morrer a salvar Ivy morrerei feliz. Ela é o motivo pelo qual Gustavo e Ian continuam a lutar, dia após dia, e é a prioridade neste momento.

Gustavo e Matteo entraram num dos carros com Enrico e Joseph. Eles rapidamente instalaram todo o equipamento na parte de trás.

Dirijo-me rapidamente ao porão e abro a mala onde acomodamos as armas que iremos precisar. Retiro as duas bombas da almofada e observo-as, imaginando a explosão catastrófica que irão provocar. Os meus olhos brilham e um sorriso surge no meu rosto. É prazeroso destruir os rivais da mesma maneira que nos destruíram.

- Como te sentes? - ouço a voz de Ian atrás de mim.

Estava tão ocupada em apreciar o arsenal que temos a nosso dispor que não me apercebi da sua presença. Contudo, agora que falou, fico demasiado consciente do seu corpo atrás de mim. Embora não me toque, ele encontra-se demasiado próximo. Sinto o seu calor nas minhas costas e a sua voz grave e baixa foi o suficiente para que a minha nuca se arrepiasse.

Pouso lentamente as duas bombas, que ainda não estão ativas, e viro-me lentamente, encontrando o seu olhar intenso. Ian encara-me com raiva, como se ver-me perto de armas, prestes a correr perigo, lhe tirasse a paz.

- Estou preparada para o que vier. - respondo com suavidade, mas devolvo o seu olhar mortífero.

- Não, Mathilde. - ele cruza os braços à frente do peito. - Estás preparada para instalar a bomba e fugir.

- Não é assim tão linear e tu sabes disso. - pontuo. - Se por algum motivo estiverem a vigiar atentamente o edifício onde elas estão, teremos de provocar mais distrações para os desviar.

- Tenho a certeza de que tanto eu como o Kyle iremos passar despercebidos. - afirma.

- A nossa parte do plano é exatamente o contrário. - sorrio. - Nikolai irá arrepender-se profundamente de ter mexido conosco enquanto derrete nas chamas.

- Gosto dessa maneira de pensar. - ele dá um passo em frente, cercando-me. - Porém, estás a esquecer-te de que o arrependimento de Nikolai só vale a pena se tu saíres de lá sã e salva.

Os nossos rostos estão tão próximos que consigo ver os pequenos riscos verdes quase imperceptíveis nos seus olhos castanhos. É um detalhe que pouquíssima gente sabe sobre ele. Arrisco-me a dizer que só os pais, a irmã, eu e Gustavo alguma vez tivemos a oportunidade de ver.

- Não pretendo sacrificar-me. - indago, mantendo-me firme. - Todavia, o mais importante é salvar a tua irmã. Se ela voltar a casa, a missão será bem-sucedida.

- Ouve bem o que te vou dizer. - Ian segura bruscamente a parte de trás do meu pescoço, puxando-me para ele. - Eu não saio daqui enquanto não tiver a certeza de que estás naquele carro, longe de toda a confusão. Se ficares presa e fores condenada a ser engolida pela explosão, eu vou lá estar a ser consumido pelas chamas. Percebeste?

- Estás assim tão ansioso para conhecer o inferno? - questiono, provocando-o. - A tua sorte é o Gustavo estar demasiado distraído para nos ver. Além disso, só não te ataco porque isso traria complicações intermináveis para o plano. Se não precisasse de ti para concluir esta missão, podes ter a certeza de que já estarias imobilizado.

- Eu e o Gustavo resolvemos isso depois. Espero ter deixado o meu ponto bem claro, alba. - ele sussurra contra os meus lábios.

Quando ele profere novamente o apelido que me deu no dia antes da reunião, parece que a minha mente aclareia e transporta-me para uma noite em específico. A noite do baile de máscaras.

Talvez seja a proximidade dele, inspirar novamente a fragrância do seu perfume ou ouvi-lo proferir o apelido que me deu, não sei o que me faz associar o homem à minha frente ao homem misterioso.

Aquela maldita tatuagem. Na altura, não sabia que Ian fazia parte da máfia francesa e muito menos que ele era o chefe, mas ele já sabia que eu pertenço à máfia italiana e provavelmente deve ter calculado que herdei o cargo do meu pai.

- Ainda bem que chegaste lá. - declara, descendo a mão do meu pescoço até ao fundo das minhas costas.

Ian cola os nossos corpos e eu pressiono as palmas das mãos no seu peito instintivamente. Sinto os seus batimentos cardíacos acelerados e a minha respiração torna-se ofegante.

- Depois de três anos, não quero voltar a perder alguém. - confessa. - Promete-me que te vou voltar a ver.

- Não posso. - suspiro. - Só fiz uma única promessa na minha vida e ainda não a cumpri.

- Qual promessa? - interroga.

- Prometi que ia vingar os meus pais e todos os inocentes que morreram naquele dia. - afirmo.

- Então mantém-te viva para isso. - pontua e recua.

Ian observa-me durante alguns segundos, antes de se virar e sair. Não me permito pensar no que acabou de acontecer, apenas fecho a mala, acomodando as bombas na superfície almofadada. Nas próximas quatro horas teremos a oportunidade de descansar, enquanto Enrico e Joseph se certificam de que não houveram mudanças significativas no território que possam arruinar o nosso plano. Esse tempo terá de ser o suficiente para recarregar energia antes da missão.

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