A última semana foi surpreendentemente calma. Não fomos surpreendidos com mais ataques, mas Gustavo descobriu algo que foi suficiente para nos deixar ainda mais alerta.
Algum dos nossos homens foi subornado para libertar os prisioneiros durante a noite. Ele certificou-se de que todas as câmeras estavam em rotações longínquas e aproveitou uma distração dos seguranças.
Felizmente, não conseguiu abrir os cadeados e deixou para trás provas suficientes para o incriminar. Ainda não sei quem teve a audácia de nos trair assim, mas descobrirei em breve.
Pedi a uma conhecida, que se tornou uma incrível investigadora, para verificar se o impostor havia deixado as impressões digitais. Tenho de agir rapidamente para evitar uma rebelião interna.
As pessoas confinadas naquelas celas não podem ser livres enquanto quiserem derrubar-nos. Os ataques fizeram-me recuar e assumir todos os membros da comunidade como possíveis inimigos.
Levanto-me às duas da manhã, depois de seis horas de sono. Organizei o meu dia para que fosse possível acompanhar o carregamento que será realizado esta madrugada, para averiguar se o traidor aproveitará a oportunidade para agir. Não consigo descansar sabendo que um aliado de Nikolai está no meio de nós.
Gustavo e Lucca vão acompanhar-me nesta missão. Eles concordaram que deveríamos reforçar a vigilância de todas as transações, para evitar surpresas.
Assim que saio de casa, sinto a brisa da madrugada. O bréu é demasiado denso para distinguir as casas ou identificar qualquer presença na rua.
Sigo com cautela até ao ponto de encontro. Consigo ver uma luz ténue nos arbustos, que confirma a presença dos dois homens que me esperam. Caminho apressadamente pelo jardim, juntando-me a eles sem dar nas vistas.
- Está tudo pronto? - questiono.
- Sim, chefe. - Lucca garante.
Assinto e descemos para a base dois, onde seria realizado o carregamento. Fico atrás de um contentor preto, localizado no canto superior direito em relação ao centro de operações, onde os dois camiões já estavam estacionados. Gustavo e Lucca posicionaram-se em pontos estratégicos para vigiar os arredores.
Pego na minha arma e aponto-a para a entrada da base, preparada para disparar ao mínimo sinal de ataque. Por enquanto, não detetamos nada suspeito. Os dois homens encarregues de transferir a mercadoria para levá-la, posteriormente, para o sul, surgiram no meu campo de visão. Eles pareciam tensos, como se quisessem despachar o trabalho o mais rápido possível e voltar para a segurança de suas casas.
À nossa volta, tudo parecia estranhamente calmo. Não era uma noite banhada pela lua e a natureza presenteou-nos com silêncio.
De repente, um indivíduo surgiu, encapuzado, com o rosto coberto. Ele apontou uma glock ao peito de um dos homens e ambos levantaram as mãos em rendição.
O meu rádio emitiu uma vibração fraca, sinal de que Gustavo e Lucca estavam em alerta, esperando uma ordem minha.
- Metade da carga. - o indivíduo exigiu. - Agora.
- Ok. Abaixa a arma. - o carregador pediu.
- Esperem uma distração do inimigo e ataquem por trás. Se ele tentar reagir, têm a minha permissão para disparar.
- Entendido! - obtenho como resposta pelo rádio.
Não havia espaço para falhas. Um passo em vão e os meus homens poderiam ser baleados. Assim que o indivíduo recebeu duas embalagens de droga, Lucca encurralou-o. Com uma arma apontada à cabeça e completamente desarmado, ele não tentou resistir.
Porém, o inimigo não estava sozinho. Uma pequena movimentação nos arbustos ao lado foi o suficiente para uma chuva de tiros ecoar. O homem conseguiu correr, mas não foi capaz de se desviar do meu tiro certeiro, que o fez cair no chão. Vi-o agarrado ao joelho, contorcendo-se de dor. Os seus gritos faziam a minha cabeça doer.
Era a minha obrigação cortar pela raíz qualquer coisa que pudesse ser perigoso para a comunidade, o que incluía matar e torturar para obter mais informações.
Nunca me orgulhei disso. Sempre que alguém perde a vida por minha causa, penso na família dessa pessoa. Eu perdi os meus pais por causa da crueldade e egoísmo de alguém, e ainda assim continuava a matar, quando isso implicava que alguém indefeso passaria pelo mesmo que eu.
O disparo foi a gota de água. Gustavo evacoou-me rapidamente, deixando os outros três homens a lidar com os dois invasores. Dei ordens a Lucca para que os encaminhasse para a sala de tortura e tentasse extrair o máximo de informação.
Apenas meia hora depois de chegarmos à segurança de casa, Gustavo respirou fundo. Sei o quanto lhe custa estas missões, onde inevitavelmente estou exposta ao perigo. Nós sofremos muito com a morte dos nossos familiares, não suportaríamos perder um ao outro.
- Eu estou bem. - asseguro.
- Eu sei, mas não consigo parar de pensar que um dia destes talvez não tenhamos tanta sorte. - suspira. - Se te acontecer alguma coisa, vai ser demasiado devastador para nós.
- Não vai acontecer nada. Nunca estou desprotegida. - reforço, tentando acalmá-lo. - Sabes se conseguiram descobrir alguma coisa sobre a identidade dos invasores?
- Lucca disse que os dois parecem estar adormecidos. - confirma. - Provavelmente estão a fingir, mas estão sob vigilância. Ele voltou para casa. Se a Alessia ouviu os disparos, deve estar com o coração nas mãos.
- Não é para menos. O atentado foi recente o suficiente para ainda nos proporcionar pesadelos. - noto.
- A dor parece não ter fim... - o seu olhar triste faz o meu coração contorcer-se. - Entre os falecidos e os desaparecidos, não sei qual luto me consome mais.
- Ainda tens sonhado com a Ivy? - pergunto com ternura.
Gustavo ainda a ama. Sinto isso sempre que o vejo a admirar fotografias delas ou quando relembramos algum episódio da nossa infância. O carinho que brilha nos seus olhos quando o nome dela é referido e o sorriso triste sempre que se recorda do dia em que a perdeu.
A vida é injusta, inegavelmente. Se eu pudesse mudar qualquer acontecimento no passado, eu escolheria apagar aquela noite para sempre.
- Todas as noites em que efetivamente consigo adormecer. - confessa. - Mas mesmo que permaneça acordado, ela não sai da cabeça.
Aproximo-me dele solidariamente e abraço-o. Não sou capaz de afastar os pensamentos que tanto o atormentam, mas posso garantir-lhe que não está sozinho e não é o único em sofrimento.
Quando o meu primo foi embora, deitei-me na cama e fechei os olhos, exausta, mas ao mesmo tempo intrigada. A nostalgia tomou conta de mim e comecei a reviver várias brincadeiras inocentes que eu, Gustavo, Ian e Ivy gostávamos quando éramos crianças.
Ian. O herdeiro de Enrico Durand no que diz respeito ao estatuto da máfia. O meu pai sempre contou com a presença dele para me auxiliar nos negócios, já que liderar uma máfia nunca esteve somente entregues às mãos de uma mulher. Cresci a ser constantemente relembrada das expectativas que tinham sobre nós. Seríamos uma dupla, com o objetivo de superar a grandeza imposta pelos nossos pais.
Não sei se o meu pai aprova a forma como continuei o seu legado. Antes do atentado, eu fui submetida a muitos testes, como preparação para assumir o cargo de chefe no futuro. Esse futuro veio cedo demais, antes de eu conseguir concluir a preparação.
Ian estava mais adiantado, ao ponto de já participar nas reuniões e viajar para o sul com o pai em missões mais pequenas. Deixamos de o ver tantas vezes e acabamos por nos afastar, até a tragédia separar-nos por completo.
Ivy contou-me uma vez que ouviu as nossas mães segredarem que esperavam que nos cassássemos. Na altura, isso pareceu-me um absurdo. Eu e o Ian nunca fomos próximos e com certeza não nutríamos um sentimento amoroso um pelo outro. Embora ele fosse terrivelmente encantador, simpático e divertido.
Rolo na cama, afastando esses pensamentos para segundo plano. Não há nada de benéfico em questionar o que já passou. Todavia, não consegui evitar que o meu inconsciente me presenteasse com um sonho bem vívido de nós os quatro enquanto dormia.
![](https://img.wattpad.com/cover/356475355-288-k635634.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Caminhos da Máfia
RomanceMathilde e Ian são chefes de máfias rivais, à procura de vingança. O ódio que sentem é motivado pelo luto dos seus antecedentes, que foram brutalmente assassinados num conflito interno. Mathilde tem a missão de recuperar a glória da sua máfia, enqu...