[POV Luiza]
O dia foi exaustivo. A sessão com Valentina foi um teste de paciência e força emocional. Não é fácil ver a mulher que amo lutando contra si mesma, contra a dor e contra o vazio em sua memória.
Dirigindo de volta pra casa, o trânsito de Brasília parece um borrão ao meu redor. Minha cabeça está longe, revivendo o momento que mudou tudo, como tem sido no último mês. Ainda posso sentir o calor do deserto sob minhas botas, o cheiro de poeira e pólvora no ar.
Aquela emboscada foi um inferno inesperado, algo que nenhum treinamento poderia ter nos preparado completamente para enfrentar.
Naquela operação, tudo deu errado. Me lembro claramente da correria, dos gritos, da explosão da granada que me jogou longe quando um último insurgente tentou fugir. A dor terrível no abdômen quando caí sobre alguns escombros e senti o rasgo profundo na carne.
Buzinas altas e desesperadas me despertam.
-Puta que pariu! - desvio de um ônibus no último instante. Paro no acostamento e tento me acalmar.
Embora não tenha ficado em coma ou perdido a memória, perdi tanto sangue naquele dia que se não fosse pela minha experiência como cirurgiã, sei que eu poderia não ter sobrevivido.
Foram semanas no hospital, a maior parte em uma névoa de morfina e pesadelos.
- Levei um mês para poder voltar a andar sem dor... - aperto as mãos no volante, e percebo que os nós dos dedos estão ficando brancos pela ausência de circulação de sangue. - ...tive dois meses para voltar a trabalhar no hospital e cuidar dela, mas tempo nenhum no mundo me prepararia para ver Valentina daquele jeito.
Suspiro e encosto a testa no volante por um segundo, não consigo dirigir nessas condições.
Valentina, a minha Valentina, está viva, mas a que custo?
Pelo que Hope me disse do comportamento dela e de ter perguntado do Eduardo, ela concluiu que Valentina tem amnésia dissociativa, essa foi a forma que o cérebro dela encontrou de protegê-la, nessa condição o cérebro bloqueia memórias relacionadas a traumas extremos, como uma defesa psicológica mesmo.
É como se essas lembranças fossem jogadas para um canto escuro da mente, fora do alcance do consciente, até que o cérebro esteja pronto para processá-las. Mas... quando? E a que preço?
A verdade é que, no fundo, eu sei que não posso forçar Valentina a lembrar contando tudo pra ela, mas desejo fazer isso dia após dia. Coloco o carro novamente na pista e sigo pra casa.
[Lembrança ON]
- Amiga, ela acordou. - Hope, minha amiga de infância e médica de Valentina fala pelo telefone.
- Oi? Sério? Tô indo lá! - abro um largo sorriso.
Finalmente vou vê-la e senti-la de novo.
- Mas Lu, ela não lembra de nada. Nem do cargo dela, nem do que aconteceu com o Eduardo. Provavelmente é amnésia e pelo comportamento dela, dissociativa.
Sento de volta na cadeira da sala de fisioterapia sem reação. Eu precisava contar tudo pra ela, a gente não podia deixar ninguém se livrar.
- Entendi.
- Você pode ir lá falar com ela, mas não a force muito. Se ela se lembrar de tudo antes de o seu cérebro e seu corpo estarem de fato aptos, não sabemos o que poderá acontecer, ela pode entrar em um estado de looping, esquecer e reviver a morte dele constantemente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Você Me Salvou - Valu
FanficEstar no exército é tudo que Valentina sempre aprendeu e sonhou a vida toda, vindo de uma família em que seus dois pais eram soldados altamente condecorados, ser militar era seu caminho mais certo e claro, mais óbvio. Luiza cursou medicina e fisiote...