CAPÍTULO 3

608 115 33
                                    

[POV Luiza]

-Mas pra que se arrumar tanto pra um atendimento? - minha melhor amiga repara em minha tentativa (in)consciente de ficar mais apresentável.

-Quem tá se arrumando mais que o normal, Hope?

-Você, Lulu.

-Primeiro que é impossível ficar "arrumada" de jaleco. Segundo que não tem nada a ver.

-Deixa eu ver.. - ela abre minha lista de pacientes do dia. - Claro que tá se arrumando, vai atender a sua crush hoje!

Hope não sabe que Valentina é muito mais que uma crush, pelo menos que era. Não queríamos que ninguém soubesse do nosso relacionamento até termos retornado da Somália.

Alguns minutos depois e eu já estava aguardando minha paciente na ala de fisioterapia do hospital militar de Brasília. Ouço vozes vindas do corredor, uma me faz sentir frio na barriga, ela chegou. A outra é da sua amiga e advogada, Rafaela.

-Bom dia. - Valentina me olha nos olhos, noto certa perturbação em seu olhar.

-Bom dia, Valentina. Como está? - abro a porta da sala para que Rafaela possa empurrar a cadeira de rodas para dentro próximo à cama.

- Com um mau humor do cão. Como sempre, né amiga? - Rafaela sempre amou provocar a irmã.

- Você não tem uma audiência pra ir? - Valentina praticamente rosna pra ela entre os dentes e sorri pra mim disfarçando.

- Grossa! Eu falei! - ela beija a testa de Valentina. - Até mais tarde, Vavá!

-Que troca de carinho... - brinco.

-Ela é insuportável quando quer, o problema é que quer sempre.

Não consigo conter a risada enquanto ela fala assim.

-Você não me disse como está. - posiciono melhor a cadeira de rodas para conduzir Valentina até a cama.

-Bom, doutora Campos. Além da constante sensação de impotência, tenho sentido um incômodo para respirar profundamente.

-Certo, vamos começar a resolver isso. - falo calmamente e com tranquilidade a pego no colo e coloco na cama.


[POV Valentina]

Estou sentada na borda da cama, não importa quanto eu me mexa de fato, meu corpo todo dói e minha mente parece envolta em névoas de lembranças incompletas, principalmente pelo pesadelo bizarro que tive.

Olho para a minha perna enfaixada com uma mistura de raiva e frustração, simplesmente não consigo me lembrar de como cheguei à esse ponto. A dor persistente nas costelas me faz hesitar a cada movimento, isso vai ser tudo, menos fácil.

De alguma forma, fico aliviada que seja a Luiza a pessoa responsável pela minha recuperação, há algo familiar na presença dessa mulher, mas não consigo lembrar o que é.

Mesmo com um sorriso suave no rosto, os olhos de Luiza revelam uma determinação fora do comum pra me ajudar nesse processo que com certeza será difícil emocional e fisicamente.

- Valentina, - ela para na minha frente e busca meu olhar. - olha, eu sei que deve estar se sentindo sobrecarregada agora, mas estou aqui para te ajudar a atravessar esse processo. Hoje será nossa primeira sessão de fisioterapia, e quero te explicar como tudo vai funcionar. Tudo bem?

De forma quase automática, olho para sua boca, seus lábios carnudos prendem minha atenção por um longo segundo, assim que me dou conta do que estou fazendo, volto a olhar em seus olhos. 

-Pode falar. Só quero acabar com isso logo. - meu tom sai mais seco do que eu gostaria.

-Entendo sua frustração. Mas a primeira coisa que você precisa saber é que vamos avançar devagar. Seu corpo passou por um trauma enorme, então nosso foco inicial será restaurar sua mobilidade e reduzir as dores.

-Certo.

-Vamos trabalhar em etapas. Começaremos com exercícios suaves para as pernas, focando em recuperar a força da sua tíbia. Além disso, vou te ensinar técnicas de respiração para aliviar as dores nas costelas e evitar que você force demais. Conforme progredirmos, incluiremos exercícios mais intensos e trabalharemos seu equilíbrio e postura.

-E quanto tempo isso vai durar? Quero voltar para o meu trabalho logo. - olho fixamente para minha perna machucada.

-Isso depende de como seu corpo responde, mas estamos falando de semanas, talvez meses. A chave aqui é paciência. Vamos trabalhar juntas, e eu vou te apoiar em cada passo. - Luiza busca meu olhar de novo. - Prometo.


[POV Luiza]

Me posiciono ao lado de Valentina e a ajudo a deitar-se de volta na cama. Em seguida, ajusto as almofadas para que ela fique mais confortável. É hora de começar a guiar Valentina pelos primeiros exercícios.

-Vou tocar na sua perna, vai incomodar um pouco e isso é esperado, mas se começar a doer muito além disso, me avise. Entendeu?

-Sim, entendi. - Valentina respira fundo e aguarda meu contato.

Coloco as mãos o mais suavemente possível na perna machucada de Valentina, como parte do meu processo de atendimento, sempre explico cada movimento antes de realizá-lo.

-Vamos começar com algo simples, apenas tentando mover o tornozelo. Eu vou te ajudar, mas preciso que você tente fazer o movimento por conta própria.

[POV Valentina]

Tento mover o pé como Luiza pediu, mas sinto uma dor aguda irradiando da minha tíbia até o joelho.

Cerro os dentes, tentando me concentrar, mas a frustração começa a borbulhar dentro de mim a cada segundo que a dor se intensifica.

-Isso é inútil... Eu não consigo! -esbravejo.

-Você está indo bem, Valentina. Não precisa forçar. - sua voz se mantém calma. - A dor faz parte do processo, e eu estou aqui para garantir que você faça tudo de maneira segura.

Respiro fundo, tentando focar na voz da fisioterapeuta, mas a dor continua a me provocar.

-Eu não sou fraca! Eu devia conseguir fazer isso! - acabo empurrando a mão de Luiza para longe de forma brusca, sem querer deixei transparecer toda minha raiva e frustração. Olho para o lado oposto do dela com vergonha.

Luiza, para minha surpresa, se aproxima mais de mim, sem se intimidar pela minha reação. Ela coloca uma mão gentilmente no meu rosto, me fazendo virar e a olhar nos olhos.

-Eu nunca pensei que você fosse fraca, Valentina. - ela sorri ternamente. -Na verdade, sempre te achei uma das pessoas mais fortes que já conheci... tanto física quanto emocionalmente.

Algo em mim desperta, acende, sei lá. Ela falar dessa forma não me causa nada ruim, pelo contrário. Um calor se faz presente, mas como todo o resto, não consigo explicar. Só sei que tem algo na maneira como Luiza me olha e me toca, como se houvesse mais do que simples profissionalismo ali. Mas ela me conhece há o quê? 2 dias?

-Você fala como se me conhecesse bem. - meu tom sai menos irritado, mas agora sai mais curioso do que qualquer outra coisa.

-Talvez eu conheça. - ela pisca com um dos olhos e sustenta um olhar fixo nos meus.

Seguro o olhar por um momento mais longo do que o necessário, antes de desviar os olhos, desconfortável, mas intrigada.

Ok, é oficial, algo nesses olhos castanhos mexe comigo, algo que foi capaz de me fazer ficar calma sem que sequer me desse conta.

Cerca de 1 hora depois a sessão termina e para variar estou exausta.

Há muito mais nessa mulher do que posso entender nesse momento, mas de alguma forma sei que na Luiza posso confiar.

-Descanse um pouco. Amanhã voltamos para mais uma sessão. E, Valentina... estou aqui para te ajudar, a cada passo do caminho. Não se esqueça disso.

-Obrigada, doutora Luiza.


Você Me Salvou - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora