CAPÍTULO 5

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ezekiel. presente.

Eu avançava em passos lentos, como se o próprio breu devorasse o ar ao meu redor. A escuridão era minha única companhia, exceto por uma solitária faixa de luz que escapava por uma porta no fundo do corredor, como uma chama dançante na tempestade. Uma melodia suave flutuava pelo ar, uma canção infantil, sutil e etérea, que parecia acariciar minha alma com uma delicadeza melancólica. A voz... Ah, a voz! Era de uma pureza intocada, ressoando como o vento brincando nas folhas caídas de um outono esquecido, carregando consigo o peso de uma inocência que há muito eu perdera. Cada nota era uma flecha cravada em meu peito, uma dor que se infiltrava na carne, rasgando a alma. Era como se um manto de tristeza incontrolável me enlaçasse, sugando minhas forças.

O som do piso de madeira rangendo sob meus pés era o único testemunho de minha existência naquele espaço sombrio. A cada passo, a canção diminuía, como se fugisse de mim, temerosa do que eu poderia fazer. Quanto mais eu me aproximava, mais a voz se distanciava, se esvaindo até que restasse apenas o silêncio opressor. Quando finalmente alcancei a porta, um clarão de luz me cegou, e o vazio me envolveu. Mas então, algo surgiu atrás de mim.

"Zekel."

O sussurro rasgou o silêncio, suave e penetrante, ecoando tanto na distância quanto na proximidade, como se viesse de um passado esquecido. Ao me virar, meus olhos se depararam com uma criança de madeixas negras como o abismo ao nosso redor. Seu rosto, indistinto, oculto pela penumbra, irradiava um sorriso que eu não via, mas sentia como uma lâmina afiada em meu âmago. Estendi a mão, em um ímpeto de desespero, ansiando por tocá-la, por sentir algo real em meio ao tormento. Mas, antes que meus dedos a alcançassem, ela desapareceu, dissolvendo-se no vazio como um sonho desfeito.

Despertei com um sobressalto, minha cabeça erguendo-se bruscamente, pesada pelo sono intruso. Meus olhos foram invadidos pelo branco ofuscante, enquanto eu balançava a cabeça de um lado para o outro, tentando dissipar as névoas do pesadelo que se agarravam à minha mente. Apenas um sonho. Nada além de um sonho.

Eu não tinha intenção de adormecer. Minhas pálpebras ainda pesadas procuravam um relógio no ambiente, mas o vazio me recebeu. Ergui meu corpo, sentindo o peso doloroso das feridas que pulsavam em cada músculo, vestígios da briga anterior.

Quanto tempo eu havia dormido? Esfreguei os olhos com força, afastando as últimas sombras do sono. Abrindo uma das cortinas, vi a escuridão implacável do lado de fora. A floresta além das árvores estava imersa em um manto negro, a vastidão quase oculta sob a luz fraca da lua, por trás das nuvens densas.

O piso acima de mim rangeu, um som agudo que fez meus olhos se voltarem imediatamente para o teto, onde as tábuas do chão gemiam sob o peso de alguém. Um suspiro longo e pesado escapou dos meus lábios. Onde diabos estávamos? Pense. Pense. As folhagens lá fora, as árvores, o musgo nas rochas, pesado com a umidade que permeava o ar... Não poderíamos estar tão isolados assim. Observando os detalhes ao meu redor — a madeira trabalhada, as portas ornamentadas, os lustres que pendiam do teto —, uma coisa era certa: Blackchurch não fora concebido como uma prisão. Havia algo mais ali, uma intenção mais sinistra oculta sob sua fachada.

Meu estômago roncou de fome, uma dor aguda que me trouxe de volta à realidade. Olhei para o prato de comida deixado no fim da cama por Ryker. A refeição estava lá, fria e intocada. O cheiro era tentador, uma combinação de temperos que prometia saciar minha fome, mas... Eu hesitei. A ideia de ser drogado era uma preocupação legítima, e naquele lugar, confiar em alguém seria uma tolice perigosa.

Este era o quarto de Ryker, ele havia dito. Ele voltaria para dormir se a noite avançasse demais. Mas onde ele estava?

Larguei a cortina e me dirigi ao espelho no meio do cômodo. Encarei meu próprio reflexo, uma sombra de mim mesmo, e inclinei a cabeça para o lado, revelando uma cicatriz que serpenteava pela minha pele, aproximadamente quatro centímetros de extensão, uma marca que se erguia como uma crista de marfim em meio à minha carne. Passei os dedos sobre o relevo, sentindo a textura áspera e irregular, uma cicatriz que pulsava com a memória de algo que não conseguia recordar. Esse vazio me atormentava. Eu precisava sair dali.

SINS OF RECKLESS ( DARK ROMANCE ) Onde histórias criam vida. Descubra agora