15 - Índole

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Eren Yaeger
22:15

Vê-la tão tranquila sentada em uma cadeira cara como aquela me fazia ter tiques nervosos. Porra, eu abro a merda dos pontos por causa de erros vindo dela, e não ganho nenhum “Minha nossa, parabéns pela sua bondade, eu realmente fui muito desatenta”? Esses jovens de hoje em dia não têm o mínimo de respeito.

Consertei a postura, resistindo a tentação de deitar logo na maca e atrapalhar o trabalho da enfermeira em meu encalço. Acompanhada de uma agulha, diversos fiapos de linha e uma pequena tigelinha de alumínio extremamente irritante, a mulher loira refazia todos os pontos, com um mau humor tão exorbitante que me fez ter medo de acabar me tornando quem ela iria descontar a raiva.

De forma leve e quase imperceptível, eu balançava as pernas impacientemente, voltando o olhar para o chão do quarto em um ato de tédio, notando a altura exorbitante que a maca estava.

Levantei meus olhos, procurando os de Mikasa, vendo-a em minha frente concentrada novamente naquele tablet, fazendo uma leve curiosidade surgir na minha mente. — O que você tá lendo aí? —  Estiquei o pescoço, como se pudesse enxergar algo pela distância entre nós.

—  Um livro. — Respondeu simplista e mansa, sem tirar os olhos do dispositivo.

— Isso eu sei, quero saber qual é.

—  Você diz como se entendesse de livros. —  Levantou o rosto, me encarando com a face neutra. —  Qualquer coisa que eu falar você vai fingir que conhece.

— Isso é mentira. — Protestei. Franzindo o cenho pela dor da agulha enquanto lançava um olhar a enfermeira que se desculpou em um sussurro.

— Então me fale um autor. —  Sorriu descaradamente, cruzando as pernas à medida que colocava as mãos sobre o joelho.

—  Fácil. J.K. Rowling.  — Arqueei as sobrancelhas em um tom desafiador.

— Matt Haig. —  A Lenz desligou o aparelho, levantando as sobrancelhas no mesmo tom que o meu.

— Sarah J. Maas.

—  Jeffery Deaver.

— Parou. Você está inventando nome! — Franzi o cenho, encarando a cínica que ria com minha fala.

—  Eu apenas disse o escritor de A biblioteca da meia-noite e de O colecionador de ossos. Você que não tem o mínimo de cultura. — Conforme falava, ela aparentava procurar o celular pelo corpo, finalmente achando-o no bolso.

— Não sabia que inventar nome virou cultura. — Foi então que notei o barulho baixo do celular dela, percebendo a ligação brilhar na tela do objeto. Quando a morena se levantou atendendo a chamada, resmunguei baixo pela decepção em não conseguir começar outra discussão.

Não sou nenhum pouco fofoqueiro, mas confesso que o rosto que ela ficou quando viu a ligação foi no mínimo intrigante. Sem contar no tom de voz que Mikasa fez no instante que atendeu. Está bem, sou um pouco fofoqueiro.

22:21

Saí pela porta, pondo uma das mãos sobre o ombro pelo medo dos pontos romperem novamente. E ali estava a Lenz, apoiada na parede com sua clássica cara medonha e os braços cruzados. Acabei de me livrar de uma mau humorada para conviver com outra no caminho de casa, perfeito.

No trajeto de volta, um silêncio mórbido e extremamente pesado instaurou no carro, me dando um espaço para saciar a curiosidade em saber quem era no celular que a garota havia atendido minutos atrás. — Qual é a da cara fechada? —  Pergunto, encarando as casas chiques passando pelo lado de fora, mas percebi meu erro quando senti a amargurada me olhar de canto de olho.

— Moleque, vai se fuder. —  Respondeu rápido, e antes que eu conseguisse retrucar, já disparou mais palavras. — Desde as 8 da manhã eu não tive paz com você, puta merda!

— E o que caralhos…

— Agora cala a boca também, eu não aguento mais você. —  Esbravejava ao volante. —  Primeiro foi o estresse do carro, fazendo birra pra não fazer a porcaria que eu tava mandando. Depois foi os burburinhos por causa do tiro, sendo que foi por causa dele que você não tá mais em perigo, perigo esse que você se colocou! E por último a porra de idéia de ir na casa dos Reiss, abrindo a desgraça dos pontos que fechou mais cedo — senti que seria melhor não interferir no surto da diaba, permanecendo no meu assento encarando os carros passarem por nós —, que merda, Eren! Você não consegue ficar um mísero segundo sem fazer ou falar merda?!

Não tenho culpa se esse pau murcho aí não tá te comendo direito. —  Sussurrei após poucos segundos dela acabar o discurso, pondo a mão sobre o queixo, tampando a boca de forma disfarçada. Ri sabendo da fúria de Mikasa, me divertindo com a situação.

— O que você disse? — Dirigi meus olhos até a morena, percebendo-a virar o rosto ruborizado, com uma tonalidade detestável na voz.

— Que eu também não aguento mais esse dia. — Segurei a risada, voltando a encarar o bairro chique, notando que já estávamos na rua de casa, deduzindo pelas grandes palmeiras ao longe.

— Imagine eu, Eren.  — Aparentou um tom decepcionado e ofegante, provavelmente frustrada pela briga fracassada. — Imagine eu.

Narrador
23:10

Os olhos do Yaeger encaravam o teto de um modo mórbido, remoído e detestável. Apenas no banho o garoto entendeu o que realmente havia acontecido no carro: Tanto na ida quanto na volta, Mikasa tinha o usado como depósito de mágoas. O que definitivamente alimentou ainda mais seu arrependimento de ter tido o mínimo de empatia com a Lenz na casa dos Reiss.

Sabia que no andar abaixo seu pai conversava com a garota, provavelmente se desculpando ou oferecendo dinheiro extra pelo trabalho que o acastanhado tinha dado. Enquanto isso, Eren que se encontrava debaixo das cobertas viajava pelos próprios pensamentos, lembrando e relembrando cada palavra que foi dita a ele, se remoendo principalmente por não ter retrucado nenhuma delas a altura.

A expectativa de uma talvez convivência comum pela parte do garoto já havia ido por água abaixo, já que pela sua visão, as coisas poderiam facilmente se tornarem comuns se caso houvesse um simples pedido de desculpas por parte dela.

Ele pôde jurar que choraria de ódio apenas por pensar que iria conviver com Mikasa por mais dois meses, em casa e fora de casa, sendo que a única sorte era que ela ficaria na porta da casa apenas durante as noites, compensando esse tempo na organização do casamento.

Levou ambas mãos ao rosto, soltando um longo gemido de frustração enquanto franzia o cenho.

— Que karma é esse que eu tô pagando, meu Deus?






Notas : Mais um para a conta! Espero que tenham gostado desse, não esqueça da estrelinha e nem do comentário, eles incentivam postar frequentemente!

Até que as balas nos separe - Eremika.Onde histórias criam vida. Descubra agora