Capítulo IX - 🏖️☀️

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Simone Tebet

Na manhã seguinte, Soraya usou a faca para aparar as extremidades de dois grandes galhos, deixando-os
com as pontas afiadas.

— Pronta para caçar alguns peixes com um arpão? — perguntou ela

— Com certeza.

Quando chegamos à beira da água, ela se ajoelhou e pegou algo.

— Isso deve ser seu — disse ela, me entregando uma sapatilha azul-escura.

— É, sim. — Olhei para a água. — Talvez a outra apareça.

Entramos na água, com a profundidade até os quadris. O calor não estava tão insuportável de manhã, por isso, usei a blusa tamanho grande que a Soraya me deu em vez de ficar só de calcinha e sutiã. A barra da blusa encharcou de água como uma esponja e grudou nas minhas coxas.

Durante mais de uma hora tentamos sem sucesso caçar um peixe com o arpão improvisado. Pequenos e rápidos, eles se dispersaram assim que fazíamos qualquer tipo de movimento.

— Você acha que teríamos mais sorte se fôssemos mais para o fundo? — perguntei.

— Não sei. Os peixes provavelmente são maiores, mas deve ser mais difícil usar o arpão – Foi então que notei alguma coisa boiando.

— O que é aquilo, Sol? — Protegi os olhos com as mãos.

— Onde?

— Bem à frente. Você está vendo algo que afunda e vem à tona? — Apontei.

Soraya semicerrou os olhos por causa da distância — Ai, merda. Não olhe, Simone!

Tarde demais.

Logo depois de ela me dizer para não olhar, entendi. Larguei meu arpão e vomitei na água.

— Ele vai ser carregado pelo mar até aqui, então vamos voltar para a praia — disse ela.

Eu a segui para fora da água. Quando chegamos à areia, vomitei novamente.

— Ele já está aqui? — perguntei, enxugando a boca com as costas da mão.

— Quase.

— O que vamos fazer? – A voz dela soava trêmula e incerta.

— Vamos ter que enterrar o corpo em algum lugar. Poderíamos usar um dos nossos cobertores, a não ser que você se oponha.

Por mais que eu odiasse abrir mão de uma das nossas posses, enrolá-lo em um cobertor parecia o mais respeitoso a fazer. E se eu fosse honesta comigo mesma, sabia que não conseguiria tocar o corpo
dele sem alguma proteção.

— Vou pegar — falei, agradecida por ter uma desculpa para não estar lá quando o cadáver chegasse.

Quando retornei com o cobertor, entreguei-o a Soraya,empurrando com os pés, rolamos o corpo para cima do cobertor. O cheiro de decomposição, de carne saturada de água, invadiu meu nariz, e enterrei meu rosto na parte interna do braço.

— Não podemos enterrar na praia — falei.

Soraya negou com um gesto de cabeça— Não.

Escolhemos um lugar embaixo de uma árvore, bem longe da cabana, e começamos a cavar na terra macia com nossas mãos.

— Está grande o suficiente? — perguntou ela olhando para o buraco.

— Acho que sim.

Soraya esperou passar as ânsias de vômito que me acometeram, depois, agarrei uma ponta do cobertor e a ajudei a arrastar Rodolfo para a cova e colocá-lo no buraco. Nós o cobrimos com terra e
ficamos de pé. Lágrimas silenciosas rolavam pelo meu rosto.

— Ele já estava morto quando atingimos a água — falei, com firmeza, como uma declaração.

— Estava — concordou ela.

E então começou a chover. Voltamos para o bote e nos arrastamos para dentro. A cobertura nos deixava secas, mas eu tremia. Puxei o cobertor — que agora dividimos — para nos cobrir e dormimos.

Quando acordamos, Soraya e eu pegamos fruta-pão e cocos. Nenhuma de nós falou muito.

— Toma. — Ela me entregou um pedaço de coco – Afastei sua mão.

— Não, não consigo. Coma você!

Meu estômago revirava. Eu nunca tiraria a imagem de Rodolfo da cabeça.

— Seu estômago ainda não está legal?

— Não.

— Tente tomar um pouco de água de coco — sugeriu ela, passando para mim. Levantei o recipiente de plástico e tomei um gole.

— Desceu bem? – Fiz que sim com a cabeça.

— Talvez eu fique com isso por pouco tempo.

— Vou pegar lenha.

— Tudo bem. Ela só havia se afastado por alguns minutos quando senti o gotejar.

Ah, meu Deus, não.

Esperando ser um alarme falso, andei na direção oposta de onde Soraya foi e baixei minha calça.

Lá estava, no fundo da minha calcinha branca de algodão, a prova de que eu havia acabado de ficar menstruada. Corri para a nossa cabana tosca e peguei minha camiseta de manga comprida. De volta à floresta, rasguei uma tira, enrolei e coloquei na minha calcinha.

Preciso que esse dia horroroso acabe.

Quando o sol se pôs, os mosquitos fizeram um banquete nos meus braços.

— Você deve ter decidido que ficar fresca era melhor do que levar algumas mordidas — disse ela quando notou que eu estava batendo nos mosquitos.

Soraya havia colocado o casaco e o jeans assim que os insetos apareceram. Pensei na minha camiseta de manga comprida, escondida embaixo de um arbusto que eu esperava conseguir encontrar novamente.

— É, tipo isso.

Simoraya - Na Ilha Onde histórias criam vida. Descubra agora