Meses se passaram desde minha morte, e meus pais continuavam a tentar lucrar com meu talento. Vendiam minhas composições nunca tocadas, as partituras que um dia foram meu refúgio. Cada venda era um insulto à minha memória, uma tentativa desesperada de extrair valor de uma vida que eles mesmos destruíram. Eles não visitaram meu túmulo nem uma vez sequer. Para eles, eu havia sido apenas um meio para um fim, uma ferramenta que, uma vez quebrada, era descartada sem remorso.
Mas eu tinha prometido voltar para buscar vingança, e essa promessa não era um mero capricho. Na noite de Natal, o ar estava carregado de uma quietude incomum. A casa, decorada festivamente, estava mergulhada no silêncio. Meus pais estavam na sala de estar, complacentes, talvez acreditando que haviam escapado de qualquer retribuição. Foi então que meu violino, guardado em um canto, começou a tocar sozinho.
A melodia que ecoou pela casa era belíssima e assombrosa, cada nota carregada de uma emoção que transcendia a compreensão mortal. Meus pais se levantaram, perplexos e aterrorizados. Era como se a própria essência de minha alma estivesse ali, manifestando-se através do instrumento que um dia fora minha voz. A música, carregada de uma beleza trágica, foi se intensificando, preenchendo cada canto da casa.
Quando a última nota soou, um silêncio pesado envolveu o ambiente. Meus pais sentiram uma presença, uma energia que não poderia ser ignorada. Viraram-se, e lá estava eu, flutuando majestosamente diante deles. Minhas vestes claras, quase prateadas, e meus cabelos pairavam no ar como se fossem parte de uma entidade etérea. Minhas pupilas, brancas como a íris, fixavam-se neles com uma intensidade que só um espírito vingativo poderia ter.
"Eu voltei para buscar vingança," disse, minha voz ecoando como um sussurro gelado. O terror nos olhos deles era evidente, mas não me trouxe satisfação. A vingança que planejei precisava ser cumprida, e eu estava determinada a fazer com que sofressem tanto quanto eu havia sofrido.
Comecei a cantar, e meu canto era letal. Cada nota era uma lâmina cortante, cada acorde um golpe mortal. Meus pais tentaram fugir, mas seus corpos foram paralisados pelo terror e pelo poder de minha voz. A morte veio de forma vagarosa e dolorosa, cada segundo um tormento que refletia o sofrimento que eles haviam causado. Quando finalmente tombaram, sem vida, meu espírito sentiu uma paz sombria, uma resolução que só a vingança poderia trazer.
Anos se passaram desde aquela noite fatídica, e meu violino, agora imbuído de minha presença vingativa, foi posto à venda. Cada pessoa que tentava tocar o instrumento encontrava um destino trágico. A melodia que emergia das cordas era irresistível, mas letal. Nenhum mortal poderia compreendê-la, muito menos sobreviver a ela.
A polícia, perplexa com os misteriosos assassinatos, nunca conseguiu descobrir o autor dos crimes. O violino, carregado de minha alma vingativa, continuava sua sinfonia mortal, um eco perpétuo de minha dor e minha vingança. E assim, minha promessa foi cumprida. Meu espírito, agora livre, vagava pelo mundo, mas o violino, minha última conexão com a vida, permanecia como um lembrete eterno de que algumas melodias são feitas para nunca serem esquecidas.
A vingança tinha sido cumprida, e a melodia da minha vida, embora trágica, encontrou sua resolução final.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lótus da meia noite
Короткий рассказNoemī, uma jovem prodígio do violino, vive sob a opressão de pais tirânicos que veem seu talento apenas como uma fonte de prestígio e lucro. Suas melodias, carregadas de dor e desespero, são um grito silencioso por ajuda que ninguém parece ouvir. Ap...