02. bala perdida.
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.ROBERTO NASCIMENTO.
Chegar em uma favela nunca é simples. Cada passo é pensado, cada movimento calculado. O perigo é constante, invisível, mas sempre presente. Quando nosso carro blindado virou a última esquina da subida, a visão da comunidade se abrindo diante de nós só reforçou o que eu já sabia: aquele lugar era uma panela de pressão, pronta para explodir a qualquer momento.Eu, Mathias, Neto e o novato entramos na comunidade em silêncio. O ar ali era denso, carregado com uma tensão que os outros talvez não percebessem, mas que pra mim era quase palpável. A favela estava diferente do que eu lembrava, mais movimentada, mais viva. E no meio desse caos organizado, uma clínica recém-reformada brilhava como um farol, atraindo moradores e curiosos como moscas para a luz.
A inauguração era uma isca perfeita para o prefeito. Um show para as câmeras, uma chance de mostrar que as coisas estavam mudando, que o poder público estava presente. Mas eu sabia que bastava um segundo de distração para que tudo desmoronasse.
Enquanto dirigíamos lentamente pela viela, observando as pessoas que se aglomeravam ao redor da clínica, meus pensamentos se voltaram para o que havia acontecido no dia anterior.
Carolina.
Ver ela novamente, depois de tanto tempo, mexeu comigo de um jeito que eu não esperava. Eu sou um homem acostumado a situações extremas, a decisões que custam vidas. Mas Carolina...Ela era uma variável que eu não conseguia controlar.
Enquanto subia o morro, minha mente voltava pro momento em que puxei Carolina pra dentro daquele consultório. A intenção era clara: protegê-la, botar na cabeça dela que aquele lugar era perigoso demais pra alguém como ela. Mas quando me aproximei, quando senti o cheiro doce do cabelo dela, toda a frieza que eu tento manter desmoronou por um segundo. Um segundo longo demais.
A forma como ela me desafiou, a maneira como riu quando eu mencionei o salto dela. Uma risada que, mesmo tentando esconder, continha uma raiva contida, um ressentimento que eu conhecia bem. Eu tinha motivos para me afastar, razões que faziam sentido no mundo em que eu vivo. Mas, porra, não era tão simples assim. Ela ainda estava ali, sob a minha pele, como uma ferida mal curada.
— Senhor, vamos ter que descer aqui — a voz de Mathias me tirou dos meus pensamentos.
Assenti, ajustando o colete. Olhei para os homens no carro, acenei para que se preparassem. Mathias, sempre o mais atento, já tinha os olhos varrendo o ambiente, enquanto Neto brincava com o coldre, sempre inquieto.
— Mantenham a calma. A prioridade é garantir a segurança do evento e do prefeito. Nada de herói hoje — disse, com a voz firme, mais para o novato do que para os outros. Ele era bom, mas ainda tinha muito o que aprender.
Descemos do carro e o som da comunidade nos envolveu: vozes, risos, conversas, o barulho distante de crianças brincando. O sol estava forte, e eu já podia sentir o suor escorrendo pelas costas. Enquanto caminhávamos para a clínica, passando pelas barracas de comida e os curiosos que se amontoavam, meus olhos varriam cada rosto, cada movimento suspeito.
Quando finalmente chegamos à entrada da clínica, a cena era o caos organizado que eu esperava. Moradores empurravam para conseguir um lugar melhor, repórteres lutavam para se posicionar na frente das câmeras, e os assessores do prefeito tentavam manter uma ordem que não existia.
E então, no meio de toda aquela confusão, eu a vi novamente. Carolina estava na entrada, com um sorriso ensaiado para a ocasião, mas seus olhos me encontraram de longe. Houve um instante, um segundo de hesitação, e eu soube que ela também estava sentindo o peso do nosso reencontro. Algo dentro de mim se remexeu, como se todas aquelas emoções que eu havia tentado enterrar estivessem voltando à tona.
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HAUNTED || capitão nascimento
Hayran Kurgu──── ❛❛Carolina Vieira, uma médica dedicada e conhecida por sua personalidade gentil, inicia um trabalho em uma clínica comunitária situada em uma das comunidades mais perigosas do Rio de Janeiro. Determinada a fazer a diferença, Carolina se vê dian...