A livraria ainda estava fechada quando Freen chegou. Irin estava terminando de varrer e colocar as coisas aqui e ali, enquanto Freen mordia o interior da bochecha, nervosa.
- Você chegou cedo, - disse Irin, observando como Freen caminhava entre as montanhas de livros, balançando os braços para frente e para trás.
- Eu não tinha nada para fazer em casa, sério.
- Pronto, - disse a jovem de cabelos castanhos.
Irin não acreditou nessa desculpa. Ela passou dezenas de horas com Freen naquela livraria. Bem, Freen estava lá, sentada lendo ou escrevendo em uma das mesas ou cadeiras que tinham para seus clientes, enquanto Irin trabalhava e a observava com curiosidade. Porque Freen nunca fez nenhuma tentativa de iniciar uma conversa, e Irin sabia que ela havia chegado recentemente à cidade e que não conhecia ninguém. Às vezes, ela era vista com um garoto alto, mas Irin não conseguia descobrir que tipo de relacionamento eles mantinham. Se havia uma coisa certa, é que eles não eram um casal, mas também não pareciam apenas amigos. Trabalhar numa livraria envolvia muitas horas de silêncio e solidão, e é verdade que Irin prestava atenção a muitos detalhes das pessoas que por ali passavam. Mas Freen era realmente um mistério. Aquela garota devia ter cerca de trinta anos; seu cabelo castanho escuro caía pelas costas como se ela não tivesse problemas para parecer perfeita trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Ela às vezes usava óculos de armação transparente que tendiam a escorregar pelo nariz minúsculo quando ela passava muito tempo com a cabeça inclinada sobre o computador. Irin suspeitava que ela os usava menos do que precisava, o que explicava por que, depois de várias horas lendo sem eles na maioria dos dias, seus olhos estavam vermelhos quando ela passou pelo balcão para se despedir. Seus olhos. Essa é a coisa mais cativante sobre Freen. Eram como duas janelas gigantes, marrons como grãos de café e, segundo Irin, parecia que estavam prestes a contar tudo o que lhes fazia mal para viver. Os olhos de Freen sempre faziam você querer olhar para eles.
A apresentação do livro aconteceria lá. Nam tinha ido comprar uma garrafa de champanhe para comemorar depois, e elas combinaram de se encontrar na livraria mais tarde. Foi incrível a independência que o aplicativo de mapas poderia proporcionar a alguém, e Freen ficou grata por ter aqueles momentos de solidão antes do evento.
Ela não esperava que muitas pessoas viessem, mas, conforme a hora se aproximava e a livraria começava a encher, uma pontada de excitação percorreu seu estômago. Ali havia muitos clientes habituais, que ao longo desses dois anos conheceram Freen, que aos poucos foi se envolvendo nas atividades. Nas noites de leitura, em concursos de contos, chegou a aceitar algumas noites de amostras de poesia em que se escondia atrás da taça de vinho, tentando aliviar a incômoda sensação de vulnerabilidade dos artistas.
Desde que saiu do centro, Freen se dedicou a escrever alguns artigos, até tirar fotos, e passava muito tempo na floricultura de Patty, que por acaso tinha um negócio naquela cidade e ainda se lembrava de Freen do clube do livro há vários anos. Foi lá que ela se sentiu maravilhosamente inspirada a escrever, até que a mulher decidiu se aposentar e fechar – mas não antes de fazer Freen prometer que lhe daria um exemplar autografado de sua primeira publicação. Então, ela aceitou o emprego na livraria, como era lógico. E lá estava ela, finalmente apresentando seu livro, afinal. Cinco livros com cinco dedicatórias especiais a quem de alguma forma salvou sua vida foram os primeiros a passar por suas mãos, embora ela soubesse que de lá apenas quatro sairiam naquela noite.
I
Para Heng,
por ter me descoberto na escuridão
e fingiu me ver brilhar
para que eu acreditasse que fiz isso.
II
Para Nam,
que nunca parou de bater na minha porta
nem no meu coração.
III
Para Irin,
que me deu um lar
quando eu tinha esquecido
como chegar em casa.
IV
Para Patty,
que suas tulipas sempre retornem
como sempre a água retorna.
V
Para você,
eu não me lembro de você,
nem do seu rosto, nem da sua voz,
mas eu levo você comigo.
Espero que você volte.