Freen saiu do chuveiro e sentou-se, com a toalha ainda enrolada no corpo, no banquinho ao pé da cama. Ela convenceu Heng e Nam a saírem juntos naquela noite. Ela contou qual era seu plano e ambos foram bastante receptivos à proposta de passarem algum tempo juntos.
— Aqueles dois… — Freen pensou. Mas ela estava bem com isso. Na verdade, estava tudo bem, ela disse a si mesma mentalmente, enquanto seu gato Sam se enrolava nas roupas que ela havia deixado na cama. — Estava muito pior, muito pior. Agora ela simplesmente percebeu como aquela sombra andava pelo seu quarto, olhando suas coisas, como um velho amigo que estava ausente há vários meses e agora, de repente, voltou e queria fazer uma festa do pijama. Mas ela estava bem. Ela aprendeu a não lutar com a sombra. Ela tinha entendido que, uma vez que você cria esse vínculo com ela, é muito difícil expulsá-la da sua vida, e que, às vezes, por mais que você acenda as lâmpadas de casa, ela sempre aparece. Então Freen aprendeu que a sombra agora fazia parte dela tanto quanto a luz poderia ser.
Ela se sentou e olhou para o celular. Ela ainda tinha tempo. Ela vestiu uma calça preta larga, uma blusa branca que mostrava parte do umbigo e uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos. Seu cabelo, antes perfeito, caía nas laterais do rosto. Ela se olhou no espelho e lá estava ela, com sua sombra ao fundo, esperando que elas saíssem de casa juntas.
Vamos, vamos.
Ela entrou naquele quarto familiar e, ao mesmo tempo, estranho, com o mesmo sentimento que sempre a acompanhou — Que diabos estou fazendo aqui? — E pensar que isso sempre foi um sinal inequívoco de que ela precisava estar ali.
Era uma sala bastante grande, com diversas mesas encostadas nas paredes, com pratos e copos, algumas garrafas térmicas, alguns pratos de comida e uma quantidade um tanto exagerada de biscoitos. Imaginou que Charlotte estaria lá. Ela fazia quilos desses biscoitos toda vez que uma reunião era marcada.
As cadeiras estavam dispostas como sempre, em círculo, bem no meio da sala. Havia várias pessoas próximas a seus lugares, outras caminhavam e outras se mantinham afastadas, presas às paredes. Primeira vez, Freen presumiu.
Aos poucos, todas as pessoas foram ocupando suas cadeiras, deixando espaços entre elas. Era o que as terapias de grupo tinham: você nunca se sente completamente confortável quando alguém chora ao seu lado. Então Freen sentou-se, deixando um lugar à sua direita, e um garoto ruivo, que aparecia a cada poucos meses, sentou-se à sua esquerda, deixando um lugar no meio. Era algum tipo de ritual estranho, como um costume ou uma regra não escrita.
— Boa noite a todos — disse Charlotte. — Estou feliz que vocês estejam aqui hoje. Não importa o motivo que fez vocês cruzarem aquela porta. O que importa é que você veio, independentemente de ter pensado que era uma boa ou má ideia. Hoje… — O som da porta se fechando interrompeu a apresentação de Charlotte e Freen instintivamente olhou para cima e sua boca se abriu involuntariamente.
— Sinto muito, sinto muito pelo atraso. É que não conheço muito bem a cidade e me perdi um pouco — disse a garota, que claramente parecia apressada. — Me desculpe por interromper, sério.
— Não se preocupe — Charlotte disse, sorrindo. — Você é…
— Rebecca — ela disse. — Bem, Becky.
— Bem, Becky, seja bem-vinda. Não tem problema, estamos apenas começando. Por favor, sente-se e fique confortável.
— Obrigada — disse a garota, olhando ao redor do círculo de cadeiras até encontrar Freen. Ela sorriu fracamente para ela por causa de seu nervosismo, enquanto Becky fazia aquela coisa de novo, inclinando a cabeça adoravelmente e estreitando os olhos ligeiramente.
Por um momento, Freen teve medo de que Becky se sentasse ao lado dela. Não por nada em particular, porque ela não iria chorar naquela noite e Becky também não parecia querer começar a fazer um drama em breve. Na verdade, Freen não conseguia entender o que Becky estava fazendo numa reunião como aquela. Ela juraria que, se ela mesma fosse a sombra, Becky seria o sol. E isso a intimidou terrivelmente.
Becky deve ter percebido o olhar de pânico de Freen e escolheu outro lugar para se sentar. Ela não sabia se tinha sido uma ideia pior, porque estava quase de frente para ela, e seus olhos se encontravam quase uma vez por minuto. E absolutamente todas as vezes, Freen sentiu como se uma pedra caísse em seu estômago.
— Bem — Charlotte recomeçou —, como todos concordamos aqui em algum momento, gostaria de perguntar a Becky se ela gostaria de compartilhar algo com o grupo para que possamos conhecê-la melhor.
Becky sabia que isso iria acontecer, mas não se sentia nervosa. Ela tinha feito isso um milhão de vezes. É claro que nem todas essas vezes Freen esteve presente. E desta vez, sim. O destino era uma coisa curiosa.
— Bem, sim… ok, vamos ver — disse Becky, levantando-se da cadeira e apertando as mãos contra a calça jeans. — Meu nome é Rebecca, e cheguei há relativamente pouco tempo na cidade. Queria uma mudança de cenário e surgiu a oportunidade de fazer um trabalho que gosto muito, por isso não posso reclamar. — Freen estava cada vez mais certa de que Becky tinha ido para o lugar errado. Mas a garota continuou falando.
— Já estive em várias cidades e, bom, imagino que vocês saibam que contar sempre a mesma história é um tanto entediante, então vou dar a versão resumida para que todos possam participar conforme necessário. — Becky fez uma pausa, olhando para o grupo. Ela olhou para Freen, mas desviou os olhos para outro lugar antes de continuar. — Como eu já falei, meu nome é Rebecca, mas todo mundo me chama de Becky. Tenho vinte e quatro anos e já faz algum tempo que gosto de frequentar grupos de apoio porque acho bom não deixar as coisas ficarem dentro de você por muito tempo. E, bem, a razão pela qual comecei a comparecer é porque, há seis anos, tentei suicídio.
Freen percebeu como todo o seu sistema nervoso emitiu um choque. O destino era uma coisa curiosa. Definitivamente.