Rebecca sempre foi uma criança um pouco instável. Ou era assim que os conselheiros das escolas por onde ela passava preferiam chamá-la, e os psicólogos que ela consultou. Até seus pais murmuravam essa palavra às vezes, quando pensavam que Becky estava dormindo e ela — e sua instabilidade — sairia da cama no meio da noite.
Mas Becky não era instável. Becky era apenas Becky.
Aos seis anos, Becky subia em árvores, atravessava rios chegando em casa cheia de lama e coletava todo tipo de animal que encontrava na rua. Ela tinha que salvá-los; era a sua missão. A missão da mãe, por outro lado, era expulsar todos eles e repreender Becky durante horas, tentando convencê-la de que ela acabaria pegando raiva ao pegar furões vadios e colocá-los debaixo da cama.
Mas Becky não se importava com a raiva, porque Becky era uma garota feliz e tinha uma missão. Uma missão que aparentemente nenhum adulto entendia, então aquela garota de enormes olhos castanhos presumiu que guardar segredos talvez não fosse uma má ideia, afinal. Assim, não precisaria explicar para ninguém. Se ninguém soubesse, ninguém poderia impedi-la de fazer nada.
E aquela garota instável cresceu. E aquele personagem cheio de luz foi assumindo outras nuances típicas da adolescência. Seu relacionamento com sua mãe era bastante complicado e, quando Becky tinha dezesseis anos, era praticamente inexistente.
Passava a maior parte do tempo com a avó, naquela casa perto do rio, na periferia da cidade. Ela sempre gostou de passar o tempo naquela casa; poder sair e, em poucos minutos, estar na margem daquele riacho interminável de água que corre incessante e incansavelmente. Ela sempre foi fascinada pela água.
Quando criança, ela se ajoelhava — para o azar da mãe — em busca de salamandras e peixes, e, embora aquele rio fosse frio como um iceberg, ela sempre suportava aquela dor momentânea até que suas extremidades inferiores acabassem adormecendo e parassem de doer. E era sobre isso que Becky vinha ruminando há vários meses. Pode parecer clichê, talvez: uma mãe pouco amorosa e muito rígida, um pai relativamente ausente que acabou se distanciando de uma filha que nunca se esforçou para conhecer, uma adolescente atormentada porque talvez — e apenas talvez — estivesse sentindo coisas um pouco estranhas por uma de suas amigas. Nada realmente importante, nada claramente irreversível, nada definitivamente trágico. Mas, ainda assim, lá estava Becky, observando a água do rio fluir, pensando como seria submergir completamente, sentir todo aquele frio e toda aquela dor até parar de sentir e simplesmente flutuar e ir embora.
Flutuar e não sentir.
Mas então ela se lembrou da avó. Ela não merecia isso. Ela virava a cabeça em direção à casa e, às vezes, a via caminhando no jardim. Em algumas ocasiões, com Patty, aquela amiga de longa data com quem todas as quintas-feiras ela ia àquele estranho clube do livro que frequentavam de uniforme e camisa xadrez vermelha que Becky nunca entendeu. Quem usa uniforme para ler? E então Patty contava a Becky histórias sobre outros mundos e como o tempo realmente não existia. Que tudo era uma enorme espiral sem começo nem fim. Patty disse a ela como poderíamos existir aqui e ali, em algum lugar. Como as nossas decisões determinavam involuntariamente o nosso futuro e como, por vezes, houve um ponto de viragem que mudou tudo.
Becky se perguntou seriamente onde aquela senhora — que tinha uma pequena floricultura — conseguiu todas aquelas teorias sobre realidades paralelas e decisões transcendentais. Ela até pensou que Patty plantava coisas ilegais naquele negócio. Coisas que poderiam ser consumidas, o que certamente explicaria esses pensamentos. Ou talvez fossem os livros sobre universos paralelos que leram naquele clube literário. Mesmo assim, e sob suspeita de uso regular de drogas, ela gostava de Patty. Aquela mulher acompanhou a avó e aliviou a solidão daquela casa que crescia a cada ano que o avô estava ausente e cada vez que o pai demorava mais um mês para visitá-la porque não estava na sua lista de prioridades. Ela estava ficando menor e aquelas paredes estavam ficando mais altas. E Becky teria dado qualquer coisa para erguer aquela mulher até o teto com as próprias mãos. Não, ela nunca abandonaria sua avó.
Mas Becky não contava que sua avó fosse abandoná-la.
Dois anos depois, à medida que o inverno chegava ao fim, ela ficou ainda menor do que já era. E aquelas paredes tornaram-se tão altas que as janelas se perdiam ao longe, deixando aqueles quartos que sempre estiveram banhados de luz numa escuridão pesada e triste. Becky queria quebrar as paredes; percorrer os tijolos com as próprias mãos e tapar de buracos a sala onde se deitava no carpete para ver televisão, a cozinha onde via a avó tomar café todas as tardes naquele copinho de vidro mesmo tendo vinte jogos diferentes de xícaras, o quarto onde ela dormia com ela todas as noites quando não aguentava ficar em casa e acabava exausta ao lado dela depois de chorar. Queria destruir as paredes e deixar a luz entrar. Ela queria que o sol caísse sobre a avó e a fizesse crescer novamente, como se ela fosse uma flor que ansiava por receber o calor do exterior depois de muito tempo. Ela precisava que sua avó não fosse embora, não murchasse. Mas, mesmo que ela tivesse destruído aquela casa com uma escavadora, a sua avó teria desaparecido de qualquer maneira. Nem mesmo o sol teria impedido isso. E agora ela se foi.
Becky se desconectou de toda a realidade. Nem mesmo sua mãe a afetava. Ela estava com raiva, triste e perdida. Mas, acima de tudo, com raiva. Zangada com a mãe porque não conseguia buscar conforto nela. Zangada com o pai por não valorizar a avó o suficiente para não fazê-la se sentir abandonada e por fazê-la se sentir abandonada como filha. Ela estava com raiva da avó por deixá-la sozinha. Ela estava com raiva de Patty porque, depois do funeral, ela iria para outra cidade e a deixaria também. Ela estava zangada com o universo, com a realidade que teve de enfrentar, com a vida, com a morte. Com ela mesma. Ela não conseguia se suportar. Ela não conseguia segurar tantos sentimentos ruins no peito. E a vergonha… Por Deus, a dor era como um verme que comia lentamente seus órgãos, fazendo com que cada dia sentisse mais partes dela vazias como uma casca de noz, a ponto de ouvir o eco dos batimentos cardíacos no peito e na cabeça, como se estivessem saltando contra o nada mais absoluto.
O sol brilhava insultuosamente no céu enquanto o caixão de sua avó acabava de caber naquela enorme parede branca. Becky estava começando a odiar os muros altos. Ela estava realmente começando a odiar tudo. Até aquele sol que ela tanto precisava para ajudar a avó agora parecia uma zombaria acompanhando-a na despedida. Ela estava carrancuda. Seu olhar estava no chão e seus braços estavam cruzados sobre o peito. Ela não queria falar com ninguém, nem olhar para ninguém. Ela estava tão chateada com tudo que até o choro das pessoas ao seu redor era uma tortura. - Você não tem o direito de chorar por ela. Só eu tenho o direito de chorar por ela. Eu a amava mais do que ninguém. Fui eu que fiquei sem ela, você entende? - E, mesmo assim, nenhuma lágrima escorreu pelo rosto de Becky desde que sua avó foi embora. E isso também a incomodava muito. Não foi suficiente nem para chorar por ela.
Patty assistiu de longe, com o coração batendo forte nas costelas. Ninguém deveria passar por aquela dor assim, e, ainda assim, ela iria embora também. Ela olhou mais uma vez para a pequena sacola de pano que carregava na mão e reuniu coragem para se aproximar da garota que mantinha distância de todos naquele cemitério.
Ela sabia que Becky estava com raiva dela e esperava que, um dia, entendesse que ela também havia sido deixada sozinha e que nada a impedia naquela cidade enorme que comia almas. Que queria regressar ao lugar onde nasceu, àquele pequeno sítio do sul, onde poderia reabrir a antiga floricultura dos seus pais durante os anos que lhe faltavam até à reforma. Ela queria que Becky entendesse que ela estava indo embora, mas isso não significava que ela a estava abandonando. Isso nunca aconteceria.
Ela se aproximou devagar; não houve necessidade de falar, porque já haviam contado tudo para ela. Patty deu aquela sacola para Becky, quebrada e perdida, que a pegou e tirou a peça de roupa de dentro: a camisa do clube do livro da sua avó. Aquela camisa xadrez vermelha que não poderia passar por roupa de velhinhas fãs de romances de ficção científica. A velha deu a Becky como sinal de que ambas permaneceriam sempre unidas pela memória da avó. E então Patty foi embora, deixando Becky ali com a camisa na mão, pensando novamente em como seria flutuar no frio e parar de sentir.
Talvez agora ela pudesse dar uma olhada.