PRIMEIRO ATO - CENA I

18 2 2
                                    

(Seus figurinos estão de acordo com os mandamentos da doutrina, mas as roupas de Juliete não condizem com sua juventude [como é de praxe]. Tanto uma como a outra carrega uma Bíblia, e a mais velha sempre se expressa a gestos intensos, acompanhados do livro santo)

**************************************

Findo o culto noturno. JULIETE e LUCIVÂNIA conversam em separado, na frente da igreja.

Juliete (mansa)
É aquela coisa, irmã: Não vêm pelo amor, vêm pela dor.

Lucivânia (enfática)
Olhe, eu acho que devia dar o testemunho também. Eu acho.

Juliete
Devia. Mas não pode ser um dever, a pessoa tem que querer.

Lucivânia
Tem mesmo, senão não adianta nada.

Juliete
Vai falar, falar...

Lucivânia (sofrida)
As palavras chegam aos homens, ao Espírito Santo, não. (ardente) Quando você deu o seu, irmã, lembra? Aí eu senti a presença do Espírito; eu senti!

Juliete (estranha de repente)
Pensei nisso agora.

Lucivânia
O Espírito a usou em milagre, irmã. Chega me arrepio, olha, quando lembro de suas palavras.

Juliete
Eu também, acredita?

Lucivânia
Nunca se esqueça do que lhe aconteceu. Vinicius disse que a mensagem era pra você, diretamente pra você. Do Alto para você.

Juliete
Ah irmã! Aquilo, até hoje... Nem sei explicar. O Espírito me levou ao púlpito.

Lucivânia (em tom professador e rijo)
Pois você O havia aceitado antes: Era de sua própria vontade ser o instrumento da Obra. Sabe, irmã, podemos até sofrer em silêncio, só Deus com a gente, mas, fosse assim, ELE não tinha designado a Igreja. A Comunidade é pra dar apoio a quem precisar. ELE (leva a mão ao peito) sabe do que falo. "O que encobre as suas transgressões, nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia."

Juliete
Amém.

Lucivânia
Eu sei que ela tem vergonha da vida antiga. Mas (olha em redor; diminui a voz), se escolheu a Igreja, deve Ser da Igreja, não só Estar na Igreja.

Juliete
É o que eu penso. (cumprimentam um que passa) Não vou mentir pra senhora: Até a hora que eu subi ao palanque e falei línguas, não era da igreja. Embora achasse que fosse. Não era.

Lucivânia
É, é. A gente mesma se engana, minha filha. Aí outra importância da Congregação: a Orientação. Principalmente a vocês, tão jovens ainda. Pros velhos o mundo é velho já. Mas, pros novos, meu Deus!

Juliete (no encalço dos pensamentos da outra)
É tudo novidade.

Lucivânia (ares indignados)
É tudo bonito demais!

Juliete (soa reticente)
Foi a morte do irmão.

Lucivânia (como se esperasse tocarem no assunto)
Depois da morte dele. É como você disse. Deus, algumas vezes, tem que empregar a dor para cumprir grandes realizações. Mesmo no seu papel de pai. Ninguém aceita isso, óbvio, mas o querer de Deus não precisa de nossa aceitação ou compreensão. Só da nossa Fé.

Juliete (algo ardilosa)
Sinceramente, não sei.

Lucivânia (surpresa)
O quê?

Juliete
Se esse foi o único motivo.

Lucivânia (confusão questionável)
Como assim?

Juliete (moderação artificial)
Não sei. Não parece ter sido o único.

Lucivânia
Diz por causa do vestido?

Juliete (indiferente)
Pode ser.

Lucivânia (fala com pausas pontuais)
Bom, só Deus sabe, mas aquele tipo de roupa... Já está conosco ao quê, uma semana? Não teve tempo ou como comprar um novo? (encosta a mão no braço da jovem) Tudo bem. Mas, ah! Não sei, não sei! Só Deus sabe! A Igreja não é boate. E a morte do irmão?

Juliete (com satisfação)
Isso o que eu digo. Quem quer ficar bonito pra sofrer?

Lucivânia (quase sorri)
Ninguém quer.

Juliete
Exatamente. Quem sofre (ênfase sombria no sofre) não quer.

Eu Vou pro Inferno, e a Culpa É de Isadora LoredoOnde histórias criam vida. Descubra agora