Zaid está morto. A princípio, aquilo pareceu ser só um sonho ruim. Era de madrugada, e eu tinha bebido bastante em uma saída com alguns amigos. Quando o celular tocou às três da manhã, meu coração começou a pulsar na minha cabeça, e ouvir aquelas palavras de supetão quase fez com que ele parasse de vez.
— Mãe? Ela soluçava chorando.
— Zaid morreu, Maca. Ele teve um infarto. Estou no Hospital Lá Paz. Eles não puderam salva-lo.
— Mãe, respire. Por favor. Minha mãe estava chorando incontrolavelmente, me fazendo sentir impotente porque não havia nada que eu pudesse fazer do meu apartamento em Nova York. O casamento de Zaid e minha mãe permanecera intacto no decorrer dos anos, embora nos últimos meses tivessem passado por momentos difíceis. Zaid nunca tratou minha mãe com o mesmo desrespeito com que tratava Zulema, mas ele tinha um temperamento imprevisível, com altos e baixos complicados.
A verdade era que minha mãe perdeu sua alma gêmea quando meu pai morreu. Seu casamento com Zaid foi por amor, mas também, por conveniência e estabilidade. Mesmo com sua renda modesta, ele nos sustentava bem. Minha mãe não era do tipo que ficava bem sozinha. Zaid foi a primeira pessoa que surgiu na vida dela anos após o falecimento do meu pai.
Eu sempre tive a impressão de que Zaid era mais apaixonado por ela do que ela por ele. Ainda assim, perdê-lo ia virar sua vida de cabeça para baixo. Depois que vim morar longe, ele se tornou seu mundo inteiro, sem contar que esse era o segundo marido que ela perdia prematuramente. Eu não sabia como ela ia lidar com isso. Comecei a tremer.
— Oh, meu Deus. — Respirei fundo para tentar me recompor. — Eu sinto muito. Eu sinto muito, mãe.
— Ele já estava morto antes mesmo de chegarmos ao hospital. Me levantei imediatamente e tirei minha pequena mala do closet.
— Olha, eu vou ver como consigo uma passagem a essa hora. Tentarei chegar aí o mais rápido possível. Mantenha contato por telefone e me avise quando chegar em casa. Tem alguém com você? Ela fungou.
— Castilho e Miranda. Aquilo me fez sentir melhor. Castilho era um dos amigos mais antigos de Zaid, que se mudou com sua esposa para Madrid há alguns anos antes após ser transferido no trabalho. Quando consegui comprar uma passagem de volta a Madrid, meu vôo durou 8 horas exaustivas, durante a viagem minha mente girou, pensando sobre o que a morte de Zaid implicaria.
Será que eu teria que pedir demissão do meu trabalho em Nova York e voltar a morar em Madrid com minha mãe? Ela teria que voltar a trabalhar para poder se sustentar? Quanto tempo eu precisaria me afastar do trabalho? E, então, percebi mais uma coisa. Zulema. Zulema!!!. Ai, meu Deus. Zulema. Ela sabia sobre Zaid? Ela iria para Madrid para o funeral? Eu teria que ficar frente a frente com ela? Minha mão agarrou o acento do banco com mais força, enquanto a outra mão mudava ajeitava o cabelo várias vezes, incapaz de encontrar alguma coisa que pudesse abafar o barulho dentro da minha cabeça.
Mesmo depois de sete anos e um noivado fracassado com um cara, meu coração partido permanecera com ela. Agora, meu coração doía por ela de uma maneira diferente, porque, além da minha mãe ter perdido o marido, Zulema tinha acabado de perder o pai. Zaid era muito jovem para morrer. Eu reconhecia que seu relacionamento com Zulema era horrível, mas o fato de que eles nunca fizeram as pazes me deixou triste. Nada mexia mais com as minhas emoções do que pensar em Zulema. Nem mesmo ir embora da casa da minha mãe e do Zaid mudou isso.
Dois anos após me formar na faculdade em Boston, me transferi para outra faculdade pequena perto de Manhattan, onde me formei. Assim que terminei, consegui um emprego em um cargo administrativo na cidade. Eu morava em Nova York há três anos, e foi lá que conheci Randy. Ficamos juntos por dois anos. Randy trabalhava com desenvolvimento de softwares e viajava bastante. Nós moramos juntos durante o último ano do nosso relacionamento, até seu emprego lhe oferecer um cargo na Alemanha.
Ele aceitou sem falar comigo, e quando recusei a me mudar com ele, acabamos terminando. Essa mudança tinha me incentivado a tomar uma decisão que, em algum momento, eu acabaria tomando de qualquer forma. Ele era um cara legal, mas, de maneira geral, a paixão pela qual eu ansiava não existia. Mesmo no começo do nosso relacionamento, nunca senti a adrenalina e o frio na barriga que vivenciei durante meu curto tempo com Zulema. Quando aceitei o pedido de casamento de Randy, esperava que as coisas mudassem e que eu aprendesse a amá-lo como ele merecia. Isso nunca aconteceu.
Namorei mais duas pessoas antes de Randy, e as situações foram as mesmas. Eu comparava meus sentimentos por eles com a minha atração insana por Zulema. Mesmo que eu soubesse que Zulema havia ido embora de vez da minha vida, eu não conseguia evitar compará-la a todo mundo, tanto sexual quanto intelectualmente. Embora talvez isso não ficasse aparente por fora, Zulema era profunda. Ela tinha várias camadas, e sua escrita demonstrava isso. Tinha tanta coisa que eu nunca tive a oportunidade de saber ou desvendar.
Mas eu sabia que queria encontrar alguém com aquelas mesmas qualidades. Uma coisa que meu tempo com Zulema me ensinou foi que desejo e satisfação sexual eram tão importantes para mim quanto uma conexão emocional. Meus outros namorados e namoradas eram legais, mas medianos. E isso era triste, mas eu preferia estar sozinha a me entregar a alguém com quem não sentia nem ao menos uma faísca. Esperava algum dia ter química de verdade com alguém de novo.
Enfim... Eu não tinha a menor ideia de como seriam os dias seguintes. Teria que ajudar a minha mãe a fazer os arranjos para o funeral, e isso com certeza ativaria gatilhos com lembranças do tempo horrível em que tivemos que fazer a mesma coisa pelo meu pai. Quando estacionei em frente a nossa casa, o carro de Zaid estava à esquerda, e a visão me fez estremecer. Usei minha chave para entrar e encontrei minha mãe encarando uma xícara de chá com o olhar vazio na cozinha, com as luzes apagadas. Ela nem ao menos percebeu quando entrei no cômodo.
— Mãe? Ela ergueu o olhar para mim, seus olhos vermelhos e inchados. Corri até ela e a abracei. Os pratos sujos do jantar da mamãe com Zaid na noite anterior ainda estavam na pia, deixando claro o golpe repentino e inesperado que era aquela situação, como a vida podia mudar em um instante. — Estou aqui agora. Estou aqui. Me diga o que precisa que eu faça. Vai ficar tudo bem. Vou te ajudar a passar por isso. Você vai ficar bem. Ela falou contra a xícara de café:
— Ele simplesmente acordou no meio da noite reclamando de dores e perdeu a consciência antes dos paramédicos chegarem. Afaguei suas costas.
— Eu sinto muito.
— Graças a Deus você está aqui, Maca, minha filha. Ela me abraçou.
— Onde... err... onde ele está agora?
— Ele foi levado para a funerária. Miranda está cuidando de todos os arranjos para mim. Ela e Castilho têm sido maravilhosos. Eu não ia suportar fazer isso... de novo, não. Abracei-a com mais força.
— Eu sei. Naquela noite, dormi ao lado da minha mãe para que ela não ficasse sozinha. Parecia surreal dormir onde Zaid tinha dormido na noite anterior e, agora, ele não estava mais entre nós. O dia seguinte passou como um borrão: pessoas vindo deixar comida e flores, minha mãe se retirando para ir chorar em seu quarto, Helena vindo oferecer suas condolências. Nós nos distanciamos no decorrer dos anos desde que me mudei, mas sempre dávamos um jeito de nos vermos quando eu vinha a Madrid, mesmo que fosse apenas para tomar um café. Então, enquanto minha mãe tirava uma soneca naquela tarde, Helena e eu fomos a uma cafeteria que ficava depois da esquina. Era uma pequena coisa normal no meio de uma situação surreal.
— Por quanto tempo você pode ficar afastada do trabalho? — ela perguntou.
— Eu liguei para lá hoje de manhã. Eles me deram um dia para o luto e tirei o resto da semana de férias. Talvez eu leve minha mãe comigo para Nova York até ela conseguir decidir o que vai fazer daqui em diante.
— Alguém falou com a Zulema? Somente a menção de seu nome me causou um nó no estômago.
— Castilho e Miranda estão cuidando dessa parte de contatar as pessoas. Tenho certeza de que ligaram para ela. Ela e Zaid não se falavam, de acordo com a minha mãe, e nem sei se ela concordaria em vir.
— O que você vai fazer se ela vier? Nervosa, dei uma mordida no meu donut de baunilha.
— O que eu posso fazer? Helena sabia sobre minha história com Zulema. Eu havia contado a ela algumas partes, mas mantive a maioria dos detalhes para mim. Algumas coisas eram íntimas demais para compartilhar, e eu não queria desvalorizar o que aquela experiência significara. Embora tivesse sido apenas por pouco tempo, aquilo me moldou de várias maneiras e estabeleceu o meu padrão para expectativas futuras. Ela deu um gole em seu café gelado.
— Então, acho que teremos que esperar para ver...
— Minha mãe é a minha prioridade. Não posso perder o sono pensando se Zulema virá ou não. Isso era tudo em que eu conseguia pensar. Naquela noite, Castilho e Miranda convidaram minha mãe e eu para o jantar. Eles insistiram que eu a tirasse de casa, já que havia lhes contado que ela passou a maior parte do dia chorando no quarto, enquanto pessoas aleatórias iam deixar comida.
Durante o jantar, minha mãe ficou quieta e mal encostou em seu frango e bolinhos. Ao invés disso, ela bebeu muito, muito vinho. O enterro estava marcado para dali a dois dias. O buraco em meu estômago estava ficando cada vez maior. Eu precisava saber.
— Vocês contaram a Zulema? — perguntei finalmente. Engoli o caroço em minha garganta, ansiosa pela resposta de Miranda.
— Sim. Eu falei com ela hoje. Ela ficou desanimada quando contei, e não deixou claro se virá ou não. Só de saber que ela tinha falado com Zulema meu coração bateu ainda mais rápido.
— Onde ela está? — Ela ainda mora no RJ com sua mãe?. — Você tinha o número do celular dela?Ela olhou para o marido e, hesitante, respondeu:
— Hã... Castilho vinha mantendo contato com ela. Nós sabíamos que Zaid e ela tinham um péssimo relacionamento. Castilho tentou intervir há alguns anos. Zulema e ele meio que ficaram próximos por isso, mas Zaid nunca soube. Olhei para Castilho, como se ele estivesse segurando todas as informações do mundo que mais importavam para mim.
— O que ela faz agora? — Minha voz estava trêmula.
— Ela se formou na faculdade de Literatura, fez algumas especialização em linguística e trabalha como redatora em uma revista local. A última vez que nos falamos foi provavelmente há seis meses.
— É mesmo? Uau. Foi mais informação do que tive em anos. Aquilo me deixou feliz por saber que ela estava bem, mas triste porque eu não estava mais em sua vida e nem ao menos tinha conhecido a mulher que ela havia se tornado. Limpei a garganta. — Então, vocês não sabem se ela virá?
— Não. Ela não falou — Miranda disse. — Acho que ela ficou em choque. Dei a ela todos os detalhes, para que soubesse caso decida vir. Meu coração apertou em agonia ao pensar no que podia estar passando pela cabeça de Zulema, onde quer que ela estivesse naquele momento.
O cheiro de lírios me deixou enjoada. Me ofereci para levar de carro até a funerária um monte de arranjos que haviam sido enviados para a nossa casa. O velório começaria às quatro, mas, antes disso, iríamos para a casa de Castilho e Miranda novamente para almoçar. Minha mãe me acompanhou ao colocarmos as flores nos cantos do salão que rodeavam o local onde o caixão ficaria. Também colocamos fotos nossas com Zaid tiradas no decorrer dos anos. Fiquei triste por não ter nenhuma de Zaid com Zulema.
O salão funerário tinha um cheiro misto de madeira mofada e purificador de ar. Eu não estava nem um pouco ansiosa para voltar mais tarde e ter que ver o corpo de Zaid e a reação da minha mãe. No caminho até a casa de Castilho e Miranda, segurei sua mão. Ela estava melhor do que eu esperava, embora eu tivesse quase certeza de que ela tinha tomado um remédio para se acalmar.
Quando chegamos, fiquei aliviada por ver que não havia nenhum carro que eu não reconhecesse do lado de fora. Isso significava que seríamos apenas nós quatro no almoço. Meu alívio se transformou em pânico quase imediatamente quando entrei na casa e avistei uma mala preta ao lado do armário da antessala. Miranda abraçou minha mãe enquanto eu olhava em volta, apreensiva. Nervosa demais para fazer a pergunta que queria fazer, fiquei em silêncio enquanto meu peito se comprimia. Então, finalmente, respirei fundo e perguntei:
— De quem é essa mala?
— Zulema está aqui, Maca. Está lá em cima. Meu coração começou a martelar furiosamente, e senti como se não conseguisse respirar. De repente, eu precisava de ar.
— Com licença — pedi, saindo pela porta dos fundos para o quintal. Despreparada para enfrentá-la, fiquei encarando as tulipas vermelhas no jardim. Parte de mim realmente não achou que ela viria por causa de seu relacionamento volátil com Zaid, embora o temor que eu vinha carregando durante os últimos dias fosse prova de que outra parte de mim estava se preparando para isso.
Eu não sabia o que ia dizer a ela. O ar frio da primavera soprou meu cabelo, e ergui o olhar para o céu, como se fosse uma tentativa de evitar que o universo jogasse essa bomba em mim. Talvez eu tenha recebido minha resposta, porque um trovão retumbou ao longe. Não sei se foi intuição ou instinto, mas algo me fez virar e olhar para as portas francesas da varanda do segundo andar, que ficavam de frente para o jardim onde eu estava.
Através do vidro, eu a vi. Ela estava ali, de pé, olhando para mim com uma toalha branca. Sempre tentei imaginar como ela estaria depois de sete anos, mas nem meus sonhos mais loucos poderiam ter concebido o que vi naquele momento. Seus cabelos negros bagunçados tinham sido substituídos por um cabelo mais arrumado e um pouco mais comprido. Ela tinha agora uma tatuagem no rosto, como um risco abaixo dos olhos.
Ela ficava ainda mais sexy com essa tatuagem. Até mesmo dali eu conseguia ver o negro esverdeado perfurante de seus olhos. Seu corpo estava maior, ainda mais sarado que antes. Ela ergueu um cigarro até a boca, e mesmo em meio ao choque de vê-la, fiquei desapontada por ela ter voltado a fumar.
Zulema soprou a fumaça enquanto seus olhos se mantinham fixos nos meus. Ela não estava sorrindo. Somente me olhava atentamente. Só seu olhar poderoso já me deixou com todos os sentidos em alerta e meu corpo completamente descontrolado. Minha cabeça latejava, meus olhos marejaram, minha boca encheu d'água, meus mamilos endureceram, minhas mãos tremeram, meus joelhos vacilaram e o meu coração... Eu nem conseguia descrever o que estava acontecendo dentro do meu peito. Antes que eu pudesse processar alguma coisa, uma mulher de cabelos loiros aproximou-se por trás dela e a envolveu pela cintura com os braços.Não me matem pf, amo vocês :)
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Minha Meia-irmã Zulema Zahir 🦂
FanfictionQuando a filha do meu padrasto, Zulema, veio morar conosco no último ano do ensino médio, eu não sabia que ela seria tão babaca. Odiei ter sido o alvo de sua frustração por não querer estar aqui. Odiei vê-la levando garotas da escola para seu quarto...