Cap 17 🦂

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— "Eu não sabia que Zaid tinha uma filha."

Perdi as contas de quantas vezes ouvi isso de alguém no velório. Aquilo me fez sentir muito mal por Zulema, apesar da maneira como ela me arrasou mais cedo.

O cheiro de flores misturado com o perfume de uma dúzia de mulheres desconhecidas era sufocante. A maioria das pessoas que apareceram para o velório eram amigos que trabalhavam com ele ou vizinhos. A fila estava bem comprida, e foi um pouco perturbador ver as pessoas conversando facilmente, às vezes rindo, enquanto esperavam para visitar o caixão. Era como uma festa com coquetéis sem o álcool, e aquilo estava me irritando.

Fiquei ao lado da minha mãe, que desmoronou completamente depois de ver o corpo sem vida de seu marido pela primeira vez desde o infarto. Afaguei suas costas, entreguei lenços e fiz o que pude para ajudá-la a ficar firme o suficiente para aguentar até o fim.

Laura tinha convencido Zulema a ficar junto com a família, apesar de sua resistência inicial. Acho que ela estava cansada demais para lutar contra. A maquiagem que colocaram no rosto de Zaid o deixou rígido e quase irreconhecível.

Foi devastador vê-lo deitado ali, o que invocou vários flashbacks de quando meu pai morreu. Zulema não quis se aproximar do caixão, nem ao menos olhar naquela direção. Ela ficou apenas parada dando apertos de mão roboticamente, enquanto Laura respondia em nome dela conforme as pessoas repetiam a mesma frase:

"Sinto muito pela sua perda." "Sinto muito pela sua perda." "Sinto muito pela sua perda."

Zulema parecia estar prestes a desabar, e senti que eu era a única que percebia isso. Tive que ir ao banheiro, em determinado momento, então avisei à minha mãe que voltaria logo. Não consegui encontrá-la, e acabei descendo escadas que davam para uma área de estar vazia.

O cheiro de mofo era pertinente, mas foi um alívio fugir do barulho das pessoas. Ao entrar ali, finalmente vi a placa indicando o banheiro na outra extremidade do local. Quando saí, me arrepiei quando vi Zulema sozinha em um dos sofás.

Ela estava curvada para frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as palmas segurando a cabeça. Ao abaixar as mãos, continuou olhando para baixo. Suas orelhas estavam vermelhas, e suas costas subiam e desciam com o peso de sua respiração. Era um momento privado, e eu estava atrapalhando.

Talvez fosse o colapso que vi se formar mais cedo, dada sua expressão. Mesmo assim, eu não queria que ela me visse. O problema era que eu teria que passar por ela para chegar às escadas. Apesar dela ter me chateado mais cedo, a necessidade de confortá-la era sufocante, mas eu sabia que, depois do que ela me disse, esse não era meu papel.

Então, passei lentamente por ela. Quando cheguei ao corredor onde ficavam as escadas, o som de sua voz me assustou:

— Espera. Parei de repente e me virei.

— Preciso voltar lá para cima para ficar com a minha mãe.

— Me dê alguns minutos. Limpei os fiapos brancos do tecido preto do meu vestido e me aproximei dela, me sentando ao seu lado no sofá. O calor de seu corpo, com sua perna pressionada contra a minha, não me passou despercebido.

— Você está bem? — perguntei. Ela olhou para mim e balançou a cabeça negativamente.

Contendo a vontade de abraçá-la, pousei as mãos com firmeza em meu colo. Não é seu papel. Mas então, cada pedaço do meu ser sentiu quando ela colocou a mão em meu joelho. Aquele único toque desfez todo e qualquer progresso que eu tinha feito nas horas que se passaram após nosso confronto no jardim.

— Sobre o que eu te disse mais cedo... me desculpe — ela pediu.

— Qual parte? — Tudo. Não sei como lidar com isso... Zaid... você... nada disso. Tudo parece surreal. No voo até aqui, até rezei para que, por algum milagre, você não viesse.

— Por quê?

— Porque essa situação já é difícil o suficiente e te ver também tá sendo difícil.

— Eu achava que nunca mais veria você. Com certeza, não esperava que fosse ser tão difícil me sentir assim depois de sete anos, Zulema.

— Assim como?

— Como se o tempo não tivesse passado. Eu me mantive agarrada a tudo. Nunca te superei, e isso afetou meus relacionamentos e a minha vida. Mas eu estava conseguindo lidar com isso antes... antes disso. De qualquer forma, eu não deveria estar tocando nesse assunto. Isso não importa mais. Você ama a Laura.

— Eu amo — ela disse com convicção. Ouvi-la confirmar aquilo com tanta veemência fez meus olhos marejarem inesperadamente.

— Ela é uma boa pessoa. Mas ver você com outra pessoa, depois da maneira como as coisas ficaram entre nós, ainda é muito difícil para mim. E ver você sofrendo é mais difícil ainda.

Eu tinha vomitado minhas palavras e dito exatamente o que estava na minha cabeça, porque, mais uma vez, não sabia se essa seria a última vez que estaríamos a sós juntas. Era importante ela saber como eu me sentia. Sacudi a cabeça repetidamente.

— Me desculpe. Eu não deveria ter dito tudo isso. As pessoas lá em cima pareciam estar a milhões de quilômetros de distância. Daria para ouvir um alfinete caindo no chão onde estávamos, completamente sozinhas. Eu estava olhando para baixo quando sua mão me sobressaltou ao pousar em minha bochecha. Lentamente, ela a deslizou para baixo e envolveu meu pescoço.

— Maca... — ela suspirou com um nível de emoção que eu só tinha visto nela uma vez antes: sete anos atrás. Fechei os olhos e percebi que, por um momento, voltamos no tempo. Eu estava com a antiga Zulema.

Isso era algo que nunca pensei que fosse sentir novamente. Ela manteve a mão em volta da minha garganta e apertou levemente. Era um gesto inocente, mas havia uma linha fina que ficava cada vez mais frágil a cada segundo que passava.
Seu polegar afagou meu pescoço devagar. A sensação de seus dedos ásperos em minha pele aqueceu meu corpo inteiro. Eu não entendia o que estava acontecendo, e também não tinha certeza se ela entendia.

Rezei para que ninguém aparecesse ali, porque, no instante em que ela despertasse daquele momento, aquela Zulema desapareceria.

— Eu te magoei Maca, eu juro que não queria dizer aquilo — ela falou, seus dedos ainda em volta do meu pescoço.

— Tudo bem — sussurrei, meus olhos ainda fechados. Zulema tirou a mão de mim rapidamente quando ouvimos passos.

— Aí estão vocês — Laura disse ao se aproximar do sofá onde estávamos. — Não as culpo por quererem respirar um pouco. Essa noite foi cansativa.

De imediato, me levantei e abri o que provavelmente era o sorriso mais falso que já consegui forçar na vida. Meu coração ainda estava acelerado devido ao que tinha acabado de acontecer.

— O padre está se preparando para fazer uma oração. Eu não queria que você perdesse — ela avisou a Zulema. — Está se sentindo bem para voltar lá para cima?.

— Sim... hã... estou bem — ela respondeu.

— Vamos. Ela me lançou um olhar rápido que foi difícil de interpretar antes de subir as escadas com Laura. Fui logo atrás delas e vi quando Zulema pousou a mão na parte baixa das costas de Laura, a mesma mão que minutos antes esteve em volta do meu pescoço.

Após o velório, Castilho e Miranda convidaram algumas pessoas para a casa deles, para tomarem chá da tarde. Minha mãe se sentiu obrigada a ir, o que significava que eu precisava ir com ela e levá-la para casa depois.

Minha mãe e eu, fomos as últimas a sairmos da funerária, então, quando chegamos na casa deles, a mesa de jantar estava cheia de pessoas. A casa tinha cheiro de café fresco e cookies que Miranda tinha acabado de tirar do forno.

No entanto, eu queria ter ido para casa dormir. Amanhã seria mais um longo dia, com o enterro. Eu nem ao menos sabia quando Zulema ia voltar para sua casa e presumi que ela não ficaria muito tempo depois do funeral.

Zulema e Laura não estavam em lugar algum. Mesmo que não fosse da minha conta, não pude evitar me perguntar onde elas estavam e o que estavam fazendo. Assim que tive esse pensamento, Laura apareceu na sala de estar, carregando um Cookie em um prato descartável. Ela tinha trocado seu vestido preto por uma camiseta e um short casual. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo frouxo, e ela parecia mais jovem sem maquiagem.

— Oi, Maca. Posso me juntar a você? — Ela sentou ao meu lado antes que eu respondesse.

— Claro. — Abri espaço no pequeno sofá de dois lugares.

— Fico feliz que você tenha vindo. A casa de Castilho e Miranda muito bonita, não é? Estou tão feliz por estarmos aqui, em vez de num hotel.

— É, sim.

Minha Meia-irmã Zulema Zahir 🦂Onde histórias criam vida. Descubra agora