O chamado de Áries

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Eu desperto ao ouvir passos pelo chão do meu quarto, e sem conseguir mover um músculo, vejo de forma cristalina a silhueta de uma sombra, lentamente vindo até mim. Com as mãos apoiadas uma sobre a outra, como se guardasse algo em seu interior, a estranha figura se aproxima, e um pavor sem par toma meu corpo.

Percebo em suas feições estáticas os traços do escárnio, percebo que ela havia deixado escapar algo pequeno e escuro por entre os dedos, que pula para de baixo do meu cobertor. Eu me contorço ao sentir a coisa correr pelas minhas pernas, e as puxando para cima, acordo de súbito, enfiando as unhas contra minha pele, tentando me livrar da coisa.

Ainda respirando com dificuldade, sento cama quando a racionalidade voltou a comandar minha mente, e me pus a pensar. Embora eu não saiba se é verdade, já ouvi dizer que quando nos lembramos do que sonhamos imediatamente após acordarmos, significa que não foi um simples sonho, mas uma mensagem.

Seria uma mensagem do subconsciente? que incomodada com algum problema há muito ignorado, tenta se comunicar conosco enquanto dormimos? Talvez uma mensagem de Deus? que inconformado pelo contingenciamento dentro de nossa cabeça, nos alerta para retirarmos o entulho que corta o fluxo das ideias?

Bom, eu não vou continuar listando as possibilidades, já que, mesmo acreditando na existência de um Deus, não tinha dúvidas de que aquela mensagem fora fabricada por mim mesmo.

Sim, eu li em algum lugar que a vida — quem sabe o universo — costuma pôr testes em nosso caminho. Testes esses que temos de nos forçar a completar; pois, se deixarmos tais provações passarem em branco, dificilmente teremos outra chance de sermos avaliados. O que significa, é claro, deixarmos de aprender lições importantes; ensinamentos valiosos sobre nós mesmos.

A maioria das pessoas opta por deixar tais provações de lado e, consequentemente, jamais descobrem até onde vai o seu potencial. E o que acontece com elas? Passam pela vida com fissuras ao longo de sua estrutura; instáveis como um muro repleto de buracos.

Sim, eu vejo bem o teste que o universo põe no meu caminho.

Com os pés sobre o chão frio pelo qual aquele homem andou em meu sonho, sequei as ralas gotas de suor sobre minha testa. Eu pensei sobre o que recebi — a mensagem da mente —, refleti sobre o rato que correu pelo meu corpo; e como um intérprete amador, concluí que ele, o rato, devia ser o entulho que eu precisava destruir. Minha mente, meu subconsciente, como queira, resolveu me apresentar esse problema; para que, de uma vez por todas, eu entendesse que o tempo estava acabando.

Pois o pântano começava a ganhar forma, e se eu não eliminasse o maldito rato de uma vez por todas, ele iria se alojar dentro da minha cabeça, e eu passaria o resto da vida com ele roendo os pilares da minha consciência.

Olhei para a porta por onde a sombra entrou com o rato, e eu sabia o seu nome.

Bruno.

Eu serei o mais breve possível. Trabalhava em uma lanchonete badalada durante o período noturno, e naquele ambiente, os apelidos e ofensas brincalhonas eram muito comuns entre meus colegas. Todos eles gracejavam idiotices, como suas respectivas orientações sexuais; pôr em xeque a virilidade alheia; e, principalmente, questionavam com prazer a honra das mães uns dos outros. Todos riam em meio àquele bufão ridículo.

Eu nunca reclamei. Nem mesmo quando, assim como eles, recebi alguns apelidos "engraçados", segundo eles próprios. — É só brincadeira... todo mundo aqui é assim — eles diziam. Até cheguei a acreditar nessas palavras; pois sendo aquele um trabalho ruim, com um calor sufocante e clientes soberbos nos estressando, era compreensível que buscassem suavizar a tudo com risadas.

Mentes em SobrecargaOnde histórias criam vida. Descubra agora