Fantasia da fruta

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Meus braços e pernas se mantém cruzados nesse assento de metrô, mas meus olhos seguem em compasso.

É um caso de empatia, nada mais. A mesma empatia que sinto ao ver uma idosa puxando um carrinho de feira, ou ao ver um menino vendendo balas na pista. O que elas tem em comum é a fragilidade, e o fato de estarem em situações difíceis. A idosa deveria assistir a novela, e o menino deveria brincar. Então, o que explica a empatia que tenho por esse homem? Homem, pois não convém chamá-lo de senhor, embora esteja mais próximo da morte que de seu nascimento. Talvez uns cinquenta anos.

Calça jeans azul-claro e sapatos de mola. Camisa polo e um cordão dourado. Bigodes grossos, como os de uma personagem de desenho animado; sem contar os cabelos grisalhos e o olhar triste. Triste e cansado sobre a fruta que tem em mãos. Seu nome eu não sei. Sei apenas que ela é verde, e que seu formato é parecido com o da fruta do conde. Sim, é basicamente uma fruta do conde, só que verde-claro em vez de musgo.

E ele gira a fruta nas mãos. Vira ela pra um lado e a observa; vira para o outro, e lhe tira alguma sujeira com as unhas. A aperta como que para testar algo, e chegando a sabe-se lá que conclusão, por um momento deixa escapar um movimento de cabeça, como se concordasse com algo que ela lhe tenha dito.

Por que, afinal, eu estou olhando para esse homem? Por que eu guardei meu livro na mochila, e tirei os fones dos ouvidos? Claro, em parte deve ser por imaginar o seguinte: quando criança, ou lá para a adolescência, esse homem deve ter apanhado frutas como essa na árvore do quintal. Talvez fosse o quintal de sua avó, ou quem sabe do vizinho, que reclamava e ameaçava soltar os cachorros sobre o "ladrãozinho" que invadia sua propriedade para roubar-lhe as frutas. Percebo que posso estar a um mundo inteiro da verdade, e me chateio. Será que não tem nada por trás disso? Será que ele apenas está com os olhos sobre essa fruta por não ter nada melhor para fazer? Pode ser que ele simplesmente a tenha comprado antes de entrar no metrô, e que, após finalmente comê-la, não venha a sentir nada de especial. Comerá a fruta como se come um simples biscoito, de forma corriqueira e fazendo valer a tristeza de seus olhos. Nada de importante?

Eu me inclino para a frente, e reconheço em meu estresse a rejeição por tal ideia. Afinal, se realmente fosse uma fruta aleatória, sem importância, seria de supor um saco com diversas outras frutas. Ele passou na feira, comprou suas frutas, e agora está com as mãos sobre uma delas, pensando se as que escolhera estão maduras o bastante. Seria fim de papo; mas não é esse o caso, pois só há uma fruta com ele: a que está em suas mãos!

Um nordestino no Rio de Janeiro, que encontrasse aqui uma carne típica de sua terra, poderia apresentá-la para um carioca com o mesmo interesse que vejo no olhar desse homem. Ele cortaria a carne ao meio e exibiria seu interior; a fatiaria em cubinhos e diria diversas curiosidades a respeito de seu preparo. Quais temperos usar e quais não usar; quais temperos melhor valorizam a carne, e quais a estragam, o que seria um desperdício imperdoável.

- Passa na minha casa mais tarde - diria o nordestino - É hoje que você vai comer carne de ******!

Eu sorrio ao olhar para a expressão triste do homem. Talvez seu nome seja Sérgio, ou, quem sabe, Luiz. Qualquer nome assim, de homem simples e trabalhador. Homem que se estressa no trabalho, pois tem um chefe ruim; homem que sai de casa tarde da noite para procurar pelo filho, que andando com más companhias, não tem paciência para ouvir os sermões demorados do pai; esse homem que não é levado a sério agora, mas que será a razão de muita tristeza depois de morrer.

Eu fecho os olhos e consigo vê-lo enfiar o dedão na fruta, puxando sua casca para baixo com uma brutalidade delicada, pois sabem os pais que tal contraste é possível.

O sumo amarelo-esverdeado escorre por seus dedos, e ele a abre, contando curiosidades sobre a fruta. Onde ela cresce e quanto tempo leva para maturar; se é boa para comer com sal quando está verde, e se combina com o açúcar quando madura. Ele fala da origem do seu nome, e conta como ela foi comercializada na Europa pelos portugueses. Eu pergunto, e ele me diz, com um sorriso no rosto, que havia um pé daquela fruta na praça de sua antiga cidade. Ele conta como as pessoas respeitavam aquela árvore, colhendo e distribuindo suas frutas apenas quando elas estavam maduras.

Seu olhar se torna triste nesse momento. Parece que, certo dia, ela fora cortada por alguns homens que estavam de passagem, recolhendo madeira ilegal de cidade em cidade.

O silêncio entre nós parece agonizar com o solavanco do metrô, e eu choro. Quero que ele se sinta bem, e por isso não escondo minhas lágrimas. Quero que ele as veja, e que perceba nos meus olhos não apenas o brilho da admiração, mas também o do respeito e reverência por tudo o que ele tem a dizer, como coisas valiosas e que merecem ser ouvidas.

Abro meus olhos

Havia decidido perguntar para o homem o nome daquela fruta, mas já não posso. Ele deve ter descido na estação passada, ou talvez na anterior a essa. Não sei.

De qualquer forma, espero que aproveite a fruta. Parecia mesmo ser deliciosa.

Fim

Mentes em SobrecargaOnde histórias criam vida. Descubra agora