Capítulo 1: O sorriso da morte

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Ano atual 2024


Marcus Crowe


Sento-me na poltrona de couro, com o controle remoto em mãos, enquanto a luz fria da televisão ilumina o cômodo escuro. Pela milésima vez, vejo a reportagem que marcou o início de tudo. O som é familiar, quase reconfortante. Um eco do meu passado que sempre faço questão de revisitar. As imagens borradas de 1995, a casa envolta em fitas amarelas, os repórteres histéricos ao lado da polícia local. No meio de tudo aquilo, lá estava eu: o garoto que sobreviveu.

— "O pequeno Marcus Crowe foi encontrado em estado de choque, escondido em um armário. Ele alega ter visto o invasor matar brutalmente seus pais. A polícia acredita que o autor do crime seja um conhecido da família..." — a voz da repórter ressoa, a cada palavra carregada de sensacionalismo.

Eu era o órfão inocente, a criança traumatizada. Eles me abraçaram, me consolaram, sem nunca suspeitar que o verdadeiro monstro estava ali, entre eles, sorrindo enquanto os corpos ainda esfriavam. A câmera mostra meu rosto na época, coberto de sujeira e lágrimas falsas, olhos arregalados de pavor ensaiado.

A perfeição de minha mentira. O truque de mestre.

Desligo a televisão, mas o som da reportagem continua ecoando na minha cabeça. O corpo de meu pai, estirado no chão da sala, o sangue ainda fresco quando a polícia chegou. E eu, de mãos lavadas, abraçando os policiais como se eles fossem meus heróis. Eles nunca souberam. E, de certa forma, isso me diverte até hoje.

Afinal, eu os enganei a todos. E esse foi apenas o começo.

Narradora


O vento frio da manhã sopra com força, agitando o cabelo de Daphne Hale enquanto ela olha fixamente para o corpo à sua frente. A estrada deserta está bloqueada por viaturas, as luzes piscando em um ritmo constante, criando sombras grotescas na cena do crime. A vítima está jogada ao lado da estrada, como uma boneca descartada. Daphne já havia visto aquilo antes, muitas vezes. O padrão era sempre o mesmo.

Samantha Quinn, ao lado de Daphne, se ajoelha próximo ao corpo. Seu cabelo cacheado é preso em um rabo de cavalo, o queixo firme enquanto examina a vítima. Jacob Riley circula o perímetro, dando ordens aos policiais que estão garantindo a área.

— Mesma assinatura — Samantha murmura, sem olhar para Daphne. — Um corte profundo no abdômen e o sorriso.

O "sorriso". Daphne conhecia bem aquela marca. Um corte longo que ia de orelha a orelha, grotescamente abrindo o rosto das vítimas como se o assassino estivesse brincando de esculpir uma obra de arte macabra. Ela estremece, mesmo estando acostumada a lidar com cenas de crime.

— Ele fez questão de ser meticuloso desta vez — Samantha continua, agora levantando o braço da vítima com delicadeza. — Os cortes são precisos, quase cirúrgicos.

— Marcus Crowe — Jacob fala ao se aproximar, a voz séria. — Não há dúvida. Ele gosta de exibir seu trabalho. Como se estivesse nos desafiando.

Daphne franze o cenho, apertando os lábios enquanto observa o rosto retorcido da vítima. Ela ainda não havia conhecido Marcus pessoalmente, mas estava familiarizada com a assinatura dele, com a maneira como ele tratava cada assassinato como uma exibição, uma peça cuidadosamente preparada para ser descoberta.

— Ele quer ser encontrado — Daphne finalmente fala, olhando ao redor. — Ou talvez ele queira que saibamos que estamos atrasados, mais uma vez.

Jacob assente, cruzando os braços enquanto observa o corpo com um olhar duro.

— Sempre estamos um passo atrás dele.

Samantha se levanta, limpando as mãos com cuidado.

— É uma provocação. Ele quer que a gente sinta o peso da nossa ineficiência. Como se dissesse: ‘vocês nunca vão me pegar’.

Daphne respira fundo, seu olhar fixo na vítima. Outra alma perdida, outro jogo doentio de um homem que se deleitava em torturar, matar e desaparecer como um fantasma. Mas ela sabia, no fundo, que isso não era um jogo para Marcus. Para ele, era uma arte.

Ela se agacha ao lado da vítima, observando de perto o "sorriso" que fora esculpido no rosto da mulher.

— Não podemos continuar jogando pelas regras dele — murmura para si mesma, embora Samantha e Jacob estivessem perto o suficiente para ouvir. — Precisamos mudar o jogo.

Jacob olha para ela, surpreso.

— E como vamos fazer isso?

Daphne não responde imediatamente. Seu olhar permanece fixo na vítima, e em sua mente, a imagem de Marcus Crowe, o assassino que ela nunca conhecera, mas cujo trabalho ela conhecia intimamente, começa a se formar.

Ela sentia que estava cada vez mais próxima dele.

Sussurros de um AssassinoOnde histórias criam vida. Descubra agora