Capítulo 1 - Quanto você quer por ela?

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"Nunca, em toda a minha vida, imaginei que seria submetida a tamanha tortura."

Essas palavras martelavam na mente de Miranda Priestly enquanto seus olhos encaravam, pela milésima vez, a estrada interminável de terra à frente. O cenário ao redor parecia uma pintura pálida e monótona: campos a perder de vista, pontilhados por celeiros desmoronando e árvores secas. O som dos grilos era a única trilha sonora dessa viagem infernal, enquanto Caroline e Cassidy, suas gêmeas, pulavam no banco de trás com a energia que só crianças têm.

— Já tá chegando? — Caroline perguntou, de novo, pela quinta vez em menos de meia hora. Os olhos dela brilhavam com uma empolgação que Miranda não conseguia entender.

Cassidy, sem perder tempo, apontou para o lado, onde algumas vacas ruminavam preguiçosamente.

— Olha, mamãe, vacas! — disse ela, como se fosse a visão mais impressionante de toda a viagem.

Miranda não moveu um músculo. Vacas. Claro. Era a cereja no topo desse bolo de desespero.

— Que maravilha, — murmurou, a voz cheia de sarcasmo, enquanto ajeitava a bolsa Hermès em seu colo. O couro impecável destoava brutalmente do interior empoeirado do carro.

James, ao volante, lançou um sorriso torto, já sabendo que qualquer tentativa de tornar a situação mais leve seria inútil. Mesmo assim, tentou.

— As meninas só querem um pouco de ar fresco, Mir. Vai ser bom pra elas.

Miranda o olhou por um segundo, um olhar que poderia congelar Nova York inteira em pleno verão.

— Bom pra elas? — repetiu, lentamente, como quem saboreia o absurdo da ideia. — A gente devia ter mandado elas para um campo de sobrevivência, se a intenção era expô-las a essa... selvageria.

Cassidy soltou uma risadinha do banco de trás, enquanto Caroline tentava tirar fotos das plantações com o celular. Miranda, por outro lado, encarava a estrada com um crescente desespero. O horizonte continuava o mesmo: interminável, vazio e incompreensível para alguém que jamais escolheria estar ali por vontade própria.

Finalmente, depois do que parecia uma eternidade, uma placa envelhecida apareceu, com letras tortas e desbotadas: "Bem-vindos a Willow Creek". Miranda suspirou, sem emoção.

— Me tirem daqui.

Willow Creek parecia ter saído diretamente de um filme ruim. Uma praça central desolada, com meia dúzia de prédios antigos, uma igreja que desmoronava em silêncio, e algumas lojas com vitrines empoeiradas. O restaurante onde pararam, o Willow Creek Diner, era, aparentemente, o ponto alto da cidade. A fachada de neon prometia "O Melhor Café da Região", mas Miranda sabia que estava prestes a tomar o pior café da sua vida.

James estacionou o carro, e as meninas saíram correndo, entusiasmadas com a ideia de explorar aquele lugar perdido no tempo. Miranda, porém, saiu lentamente do carro, cada movimento calculado, como se o ar campestre pudesse comprometer sua integridade.

Entrou no restaurante atrás de James, o som de seus saltos ecoando pelo chão de linóleo gasto. O ambiente cheirava a óleo de fritura e café queimado, e a decoração era um espetáculo dos anos 50, com cores vibrantes e luminárias de cromo que gritavam "vintage" de uma maneira que fazia Miranda se sentir deslocada.

E foi nesse instante que ela a viu.

Sentada do outro lado do salão, no balcão, estava a personificação de tudo o que Miranda desprezava. Uma mulher — se é que aquele ser podia ser chamado de mulher — usando botas de cowboy, uma camisa xadrez desleixada e jeans que claramente haviam passado por inúmeras liquidações. O cabelo preso num rabo de cavalo frouxo, e ela falava alto. Alto o suficiente para que todos soubessem sua opinião sobre o tempo, o time de futebol local e qualquer outra trivialidade que lhe viesse à mente.

Miranda apertou a bolsa em seu colo. Era oficial: estava presa no purgatório rural.

Andrea Sachs. Miranda não precisava saber seu nome para entender o tipo. Ela conhecia bem aquela figura: barulhenta, desajeitada, sem o menor senso de estilo, e, o pior de tudo, sem classe alguma.

— James, por favor, peça qualquer coisa rápido, — Miranda sibilou, sem disfarçar o desdém. — Não pretendo passar mais tempo do que o estritamente necessário aqui.

James, sempre o pacificador, pegou o cardápio e começou a folheá-lo, com o olhar nervoso, enquanto as gêmeas riam e discutiam o que iriam pedir, alheias ao martírio de Miranda.

Sentando-se com toda a elegância que o ambiente lhe permitia, Miranda cruzou as pernas e abriu o cardápio, mas sua concentração logo foi interrompida. O irritante vozerio de Andrea ecoava pelo restaurante, como uma rádio mal sintonizada. Miranda sentiu a tensão subindo, a paciência se esgotando.

Ela estava prestes a fazer um comentário mordaz, mas foi interrompida por algo ainda mais desconcertante.

— Com licença, — uma voz forte e decidida soou ao lado da mesa. Ela.

Miranda ergueu os olhos, lentamente, como se calcular cada segundo ajudasse a controlar a irritação. Andrea estava ali, parada com uma confiança quase insultante, ignorando completamente a presença de Miranda e focando-se diretamente em James, como se ele fosse o único que importava.

— Essa aí é sua esposa? — Andrea perguntou, sem rodeios, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

James piscou, surpreso, o desconforto evidente em cada movimento.

— Sim, ela é... minha esposa. Por quê? — respondeu, com cautela.

Andrea se inclinou ligeiramente para frente, os olhos brilhando com uma mistura estranha de seriedade e irreverência, como quem está prestes a fazer uma proposta inusitada.

— Quanto você quer por ela?

— Como é que é? 

Miranda congelou. Por um momento, o mundo pareceu parar. Ela piscou, convencida de que havia entendido errado. Mas não, Andrea realmente tinha acabado de dizer aquilo. E antes que qualquer um pudesse reagir, ela repetiu:

— Vou perguntar de novo. Quanto você quer por ela? — O tom era direto, quase casual, como se estivesse negociando a compra de uma geladeira usada em um leilão. O restaurante inteiro se calou, a tensão no ar ficando palpável.

James gaguejou, o rosto agora totalmente vermelho, enquanto os olhares de todos os presentes se voltavam para a mesa deles, aguardando o desfecho daquela cena surreal.

Mas Miranda, sendo Miranda, recuperou-se em um piscar de olhos. Ela olhou Andrea de cima a baixo com um olhar clínico, o desprezo transbordando em cada palavra que saiu de sua boca:

— Você só pode estar delirando. Ou talvez presa em algum episódio perdido dos anos 50, o que, honestamente, seria um alívio. Porque isso significaria que você está prestes a desaparecer para sempre.

O restaurante inteiro prendeu a respiração. Mas Andrea, em vez de se intimidar, apenas sorriu. Um sorriso largo, desafiador.

— Gosto do seu estilo, moça. — Ela disse, inclinando-se levemente, como se estivesse avaliando Miranda de outra forma. — Mas estou falando sério. Se você mudar de ideia, me avise. Posso pagar bem.

Miranda cruzou os braços, ainda mantendo o contato visual, enquanto pensava consigo mesma: Este, sem dúvida, é o pior dia da minha vida.

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Serão capítulos curtitos em geral. 

Obs.: Não prometo att. as outras com brevidade, mas tentarei

How much?Onde histórias criam vida. Descubra agora