Capítulo 58 - Senhor Morgares

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18 de abril de 1976 – Kaleo Morgares - Passado

"Por favor, se ainda existe alguém do outro lado, cesse tudo isso, eu não suporto mais, eu não quero mais ouvir, arranque meus ouvidos, me deixe surdo, eu não aguento mais ouvi-la gritar"

Já havia perdido o tempo, quantas horas escutava de meu quarto Tessye gritar de dor, o cheiro de sua carne sendo queimada e Abel a obrigando a ter visões atrás de visões, tudo para satisfazer o chamado do Lorde.

Logo chegaria minha hora, deveria ser marcado, por muito tempo Abel pediu paciência ao mesmo, dizendo que isso poderia afetar meu "momento". Até então o máximo que pude ter foi breves visões, todas como borrões de tinta, reconhecendo apenas pela voz, não se comparava a Tessye, um oraculo, aquele capaz de ver qualquer profecia mesmo antes de seu nascimento, o poder de alterar a seu dispor, foram gerações de 'Morgares' para renascer novamente, o que restou aos demais fora simples clarividências, tomados como os ciganos da sociedade bruxa.

Não aguentava mais seus gritos, o quanto me implorava para ajudá-la a fugir com Pietro, mas Abel sempre saberia, marcado em minha pele a lembrança da desobediência, a queimadura do símbolo da família, um olho com relógio ao invés de íris, ganhei quando resolvi ajudar Tessye com comida, mas como poderia ignorar? Uma semana sem alimento ou água, o quão fraco e covarde sou de não proteger minha irmã mais nova?

Após alguns minutos de agonia, seus gritos cessaram, ou desmaiara de dor ou aconteceria o pior, odiava saber o que faziam com ela, eu deveria ajudar... eu vou.

Saindo do quarto de modo tarciuno, esgueirou-se pelas sombras da casa, abrindo com cuidado a porta do quarto de Tessye, a maldita rangia, era algo posto de proposito para evitar qualquer fuga.

Mexendo no baú, encontrou a fita de casamento de ambos. Procurou qualquer lâmina, achando uma velha tesoura, cortou a mesma ao meio – Não demore...

-

Os gritos eram silenciados em segundos, eu sabia que ele estava ali, não estava enlouquecendo, os quadros de meu quarto eram normais, não estavam rindo e nem apontando para mim, o espelho não derretia, era tudo da minha cabeça, nada disso era real, eu o chamei ali, por que então era afetado?

"Piedade, piedade!"

Eram os últimos gritos que ouvia de um velho amigo de Abel, eu escutei sua cabeça sendo cortada, junto com a maldita risada dele – 'hi, hi, hi' – Só a leve embora, tire-a daqui, por você mesmo.

Eu deveria vê-la, uma última vez.

Meus passos eram como o aço no fundo do oceano sem luz, aquela casa sempre fora grande demais para nós três, agora os corredores não tinham fim. O cheiro de ferro em meio a carne queimada embrulhava meu estomago, passo a passo me aproximava da sala que me era proibida.

Aquele era o demônio, por mais que muitas religiões o definisse como um ser de chifres e aparência monstruosa, para mim ele era muito pior, era um homem alto e esguio, de aparência bela e delicada, trajado de roupas que me lembrariam um bobo da corte, de sorriso que se abria de orelha a orelha, usando uma cartola que parecia se derreter e se recompor, tudo em sua volta era banhado a loucura do mundo. Em seus braços minha irmã... minha única irmã.

Seu corpo estava coberto a trapos sujos com seu sangue, sua pele queimada e cravada a runas, seu rosto adormecido nos braços do demônio que viera lhe salvar – Tire-a... leve-a embora... – Não desejava que fosse, mas não desejava que sofresse mais ainda, eu a amava, de alguma forma distorcida eu a amava.

"Um dia Kalel, toda sua culpa vai recair em seu colo, seu algoz irá reluzir ao luar, trará consigo sua última chance de se redimir ao mau que lhe causastes, guarde minha nossa última visão para você, meu odiado eu te amo irmão... adeus"

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⏰ Última atualização: Oct 08 ⏰

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