004| 𝔍𝔲𝔩𝔤𝔞𝔪𝔢𝔫𝔱𝔬𝔰

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BLAIR acordou cedo, como de costume, com os primeiros raios de sol atravessando a janela de seu pequeno quarto no convento. O canto suave das aves do jardim contrastava com a inquietude que crescia dentro dela. Ainda estava se acostumando com a rotina de trabalhos, mas o que realmente a incomodava eram os olhares constantes e os murmúrios que a seguiam por onde passava. Desde o dia anterior, quando o padre Nicholas lhe havia dado aquele uniforme específico para realizar as tarefas de limpeza, algo parecia diferente na maneira como as outras freiras a tratavam.

Ela vestiu o uniforme novamente, tentando se convencer de que tudo não passava de sua imaginação. Era simples, sim, mas havia algo nele que a deixava desconfortável. O tecido leve e o corte justo faziam com que ela se sentisse exposta, de uma maneira que não era apropriada para a vida dentro de um convento. Blair sabia que não podia reclamar. O padre Nicholas tinha sido muito claro quando a entregou o uniforme junto aos materiais de limpeza. Ele era uma figura respeitada ali, alguém cuja autoridade ninguém questionava. E ela, como noviça, não tinha voz para contestar suas decisões.

Caminhando pelos corredores longos e de pedras frias do convento, Blair não demorou a perceber os olhares. As freiras, que antes passavam por ela com sorrisos gentis, agora desviavam os olhos ou a encaravam com expressões de julgamento. Cada passo seu parecia ecoar em um silêncio repleto de tensão. A cabeça de Blair estava abaixada, os olhos fixos no chão de mármore, mas ainda assim, podia sentir a pressão daqueles olhares em suas costas.

À medida que o dia avançava, os cochichos começaram a surgir, mais audíveis do que Blair gostaria. Quando ela passou por um grupo de freiras mais velhas, uma delas fez um comentário que ela não conseguiu deixar de ouvir:

━ Você viu o que ela está vestindo? ━ as irmãs cochichavam enquanto ela limpava.
━ Que tipo de exemplo isso dá para as outras? ━ a voz ecoou pela sala.

Blair se esforçou para não reagir, mantendo o foco na tarefa que o padre lhe havia dado. Mesmo sendo uma jovem determinada, a sensação de estar sendo julgada por algo que não era sua culpa a corroía por dentro. No entanto, o medo de contrariar o padre Nicholas era ainda maior. Ela sabia que, se ousasse reclamar ou questionar o uniforme, poderia enfrentar consequências que não estava disposta a suportar.

A cada sala que entrava para limpar, o padrão se repetia. As conversas que fluíam com naturalidade entre as freiras cessavam assim que ela cruzava a porta, e os olhares desconfiados se voltavam para ela. Era como se o simples fato de estar ali, naquele uniforme, fosse uma ofensa. Blair sentia seu rosto corar, e o peso de sua solidão parecia aumentar a cada minuto.

Enquanto varria o chão da sala de leitura, ouviu um murmúrio vindo de duas novatas sentadas à mesa mais próxima. Fingiram estar distraídas com seus livros, mas as palavras chegaram até ela com clareza:

━ Não entendo por que ela está usando isso. Parece tão... inapropriado.

━ Eu ouvi dizer que foi o padre Nicholas quem deu a ela. Mas mesmo assim, não parece certo, não acha?

Blair tentou ignorar, concentrando-se no movimento da vassoura. A tarefa, embora simples, parecia interminável. Ela sabia que não podia se defender, e mesmo que tentasse explicar que não havia escolhido o uniforme, as freiras não a ouviriam. Elas apenas veriam o que queriam ver: uma jovem noviça, fora do lugar, vestindo algo que não correspondia aos padrões rígidos de modéstia e recato do convento.

Na hora do almoço, Blair se sentou em uma mesa mais afastada, buscando algum alívio da constante pressão. No entanto, até mesmo ali, os olhares seguiam-na. Algumas das freiras mais velhas sussurravam entre si, ocasionalmente lançando olhares furtivos na direção dela. Blair mal conseguia comer, sua garganta parecia fechar a cada novo sussurro que ouvia.

Ela não podia evitar lembrar-se das palavras do padre Nicholas no dia anterior, quando ele lhe entregara o uniforme:

━ Você deverá usá-lo para realizar suas tarefas. E lembre-se, Blair, você deve limpar apenas o meu escritório quando eu pedir. Sem minha permissão, não entre lá, ou será punida.

A ameaça velada nas palavras do padre reverberava em sua mente. Blair sabia que ele estava atento a cada detalhe de sua conduta, e o medo de desobedecer a ele a mantinha em silêncio. Qualquer reclamação sobre o uniforme ou os olhares das outras freiras seria vista como insubordinação, e as consequências poderiam ser severas.

Após o almoço, Blair voltou a seus afazeres, lutando para manter a cabeça erguida, apesar dos olhares de reprovação. Ela passou pela irmã Agnes, que, embora cega, parecia sentir o desconforto de Blair de maneira quase sobrenatural. A freira sorriu para ela e ofereceu algumas palavras gentis:

━ Não se preocupe com o que os outros dizem, irmã Blair. Deus conhece o coração de cada um de nós, e é isso que realmente importa.

As palavras de Agnes trouxeram algum consolo, mas não o suficiente para dissipar o mal-estar que dominava Blair. Ela sabia que, enquanto continuasse usando aquele uniforme, os cochichos não cessariam. Era uma questão de tempo até que as fofocas se espalhassem por todo o convento. E, mesmo que o padre Nicholas a defendesse, havia algo perturbador naquela situação que Blair ainda não conseguia compreender completamente.

O dia passou lentamente, com cada tarefa tornando-se um lembrete constante do julgamento que pairava sobre ela. Ao final da tarde, quando Blair finalmente terminou suas tarefas, caminhou de volta para seu quarto, sentindo-se exausta, tanto física quanto emocionalmente. O peso dos olhares e dos cochichos ainda a acompanhava, mas ela sabia que não havia muito o que pudesse fazer além de aceitar.

𝕲𝖗𝖔𝖙𝖊𝖘𝖖𝖚𝖊𝖗𝖎𝖊, Nicholas Alexander Chavez.Onde histórias criam vida. Descubra agora