006| 𝔠𝔲𝔩𝔱𝔬?

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Nos dois meses seguintes, Blair se adaptou às suas novas tarefas no convento. Seu dia-a-dia era preenchido com a limpeza dos corredores, das salas comuns e dos jardins, onde muitas vezes cruzava com as outras freiras, que ainda lançavam olhares de julgamento. Embora nunca houvesse confrontos diretos, o desconforto era palpável. Cochichos pairavam pelo ar sempre que ela passava, e, por mais que tentasse ignorar, Blair sentia que cada comentário velado sobre sua aparência e uniforme a seguia como uma sombra.

Em várias ocasiões, surgiram situações embaraçosas. Uma vez, enquanto limpava o chão da capela, seu uniforme, que já era desconfortavelmente justo, se prendeu em um dos bancos, rasgando-se ligeiramente. O barulho fez com que todas as freiras presentes na oração olhassem para ela ao mesmo tempo. Blair ficou vermelha, envergonhada, e teve que sair rapidamente para remendar a peça, ouvindo as risadinhas abafadas ao fundo.

Em outro momento, enquanto tentava limpar uma prateleira alta, o balde que equilibrava na escada virou, molhando parte do chão e até um dos livros da biblioteca do convento. As freiras mais velhas franziram o cenho, desaprovando o ocorrido. Ainda assim, Blair tentou se concentrar em suas tarefas, mantendo-se na linha e evitando atritos desnecessários.

Apesar de tudo, nunca entendeu por que o padre Nicholas a considerava "especial". Afinal, seu trabalho era simples — limpar e manter as áreas do convento em ordem. O que havia de extraordinário nisso? E mais curioso ainda: desde o dia em que começou a trabalhar, ele nunca a chamou para limpar sua sala, mesmo tendo mencionado que essa era uma das suas responsabilidades principais.

Porém, hoje foi diferente.

Naquele dia, ao final de suas tarefas regulares, Blair recebeu um recado da freira responsável pela comunicação do convento. O padre Nicholas a havia chamado para limpar sua sala. Depois de dois meses de silêncio em relação àquela área, Blair sentiu um frio na espinha. Havia algo no pedido que parecia mais do que apenas uma simples tarefa de faxina. O recado dizia que o padre estaria fora por dois dias e que ela deveria fazer o trabalho na sua ausência.

Era uma simples ordem, mas, após todo aquele tempo, a sala parecia envolta em mistério, carregada de segredos que ela ainda não conseguia compreender.

Quando Blair entrou na sala do padre Nicholas, a familiar sensação de desconforto voltou a dominá-la. Fazia dois meses desde que estivera ali pela primeira vez, e, agora, o silêncio daquele espaço parecia ainda mais sufocante. O cheiro de madeira antiga misturava-se ao aroma de incenso que o padre costumava queimar, tornando o ambiente quase opressivo.

Ela olhou ao redor, como se tentasse encontrar pistas do que a incomodava. As cortinas pesadas bloqueavam a luz do sol, criando uma penumbra que acentuava o ar de mistério. Havia poucos móveis: uma escrivaninha robusta, uma poltrona de couro desgastada, algumas estantes com livros encadernados em couro e, claro, o crucifixo imponente pendurado na parede, olhando para baixo com uma expressão de sofrimento sereno.

Blair respirou fundo, lembrando-se do dia em que, por acaso, vira o padre Nicholas abrir uma passagem secreta. Por um instante, o medo a dominou. Deveria ela mesmo tentar investigar? E se fosse descoberta? Mas algo em seu peito, uma mistura de curiosidade e inquietação, a impulsionava a agir.

Ela começou a limpar a sala como de costume, arrumando os papéis espalhados pela mesa, espanando as prateleiras e passando um pano úmido nos móveis. Cada movimento era meticuloso, mas seu olhar constantemente se desviava para o canto da sala, onde acreditava ter visto o padre mexer no mecanismo da passagem. Fingindo que estava reorganizando alguns objetos, aproximou-se daquele ponto.

Depois de alguns minutos, suas mãos encontraram algo estranho no painel de madeira: uma pequena elevação quase imperceptível. Seu coração disparou. Com cuidado, pressionou a protuberância, e, para sua surpresa, ouviu um clique suave. Uma porta embutida na parede se abriu lentamente, revelando uma escadaria de pedra que descia para o que parecia ser um porão.

Blair hesitou por um momento, sua respiração pesada. A escuridão que envolvia a passagem era ameaçadora, mas a curiosidade foi mais forte do que o medo. Ela pegou uma das velas que o padre costumava deixar acesas em sua escrivaninha e desceu com cuidado os primeiros degraus. À medida que descia, o ar ficava mais frio, e o som abafado de seus passos ecoava pelas paredes de pedra.

O porão, ou seja lá o que fosse aquele espaço, não era tão pequeno quanto imaginara. Logo no final da escada, Blair encontrou uma sala ampla e mal iluminada. As paredes eram úmidas, cobertas por musgo em alguns pontos. No centro da sala, havia uma mesa longa com diversos objetos, como velas, cordas e papéis amarelados pelo tempo. Ao lado, uma prateleira de madeira abrigava frascos de vidro com substâncias desconhecidas e símbolos que ela não reconhecia. O lugar exalava uma sensação de ocultismo, algo que ia além do trabalho religioso do convento.

Blair caminhou lentamente pela sala, tentando não fazer barulho, mas era impossível não sentir o peso do mistério em cada canto. Foi então que, no fundo da sala, avistou algo que a fez parar de repente: um pequeno altar com imagens que não eram cristãs. As figuras esculpidas, cobertas de poeira, representavam formas sombrias e retorcidas, criaturas cujos rostos eram deformados, olhos vazios e corpos distorcidos.

Ela sentiu um nó no estômago, suas mãos suadas e o coração acelerado. O que era aquele lugar? E o que o padre Nicholas estava fazendo aqui embaixo?

Antes que pudesse pensar em respostas, Blair ouviu um ruído vindo de cima. Assustada, apagou rapidamente a vela e se escondeu atrás de uma das prateleiras, tentando controlar a respiração. Por sorte, o som parecia ser apenas o vento que fez a porta bater levemente, mas isso a alertou para o perigo de ser descoberta.

Respirando fundo, Blair decidiu voltar. Subiu rapidamente as escadas, fechou a porta secreta e, com mãos trêmulas, continuou limpando a sala como se nada tivesse acontecido. Mas sua mente estava a mil. A cada movimento que fazia, seu pensamento retornava àquela sala oculta e à estranha sensação de que o padre Nicholas estava envolvido em algo sombrio. Por que ele tinha uma passagem secreta em seu escritório? E por que havia símbolos e figuras tão perturbadoras escondidas sob o convento?

Enquanto finalizava sua tarefa, Blair decidiu que precisava ser cautelosa. Algo estava muito errado ali, mas ela não sabia com quem poderia falar ou em quem poderia confiar. O mistério ao redor do padre Nicholas se tornava mais denso a cada dia, e agora ela estava profundamente envolvida.

Antes de sair da sala, Blair olhou uma última vez para o local onde encontrara a passagem. O padre Nicholas não a chamava para limpar sua sala durante dois meses, e agora que o fizera, ela descobrira algo que talvez não devesse. Ela sabia que, a partir desse ponto, nada mais seria como antes.

𝕲𝖗𝖔𝖙𝖊𝖘𝖖𝖚𝖊𝖗𝖎𝖊, Nicholas Alexander Chavez.Onde histórias criam vida. Descubra agora