5 - Fome

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Um aroma delicioso me transportou de um sonho confuso para a realidade, e o primeiro movimento do meu corpo foi o roncar do estômago, faminto

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Um aroma delicioso me transportou de um sonho confuso para a realidade, e o primeiro movimento do meu corpo foi o roncar do estômago, faminto. Na verdade, esse foi o segundo movimento; o primeiro foi uma fisgada no meu pau, duro pela ereção matinal e pelo sonho do qual já nem me lembrava direito.

Demorei alguns segundos para me situar. Olhei as paredes cinzentas do espaço relativamente pequeno; uma luz suave se projetava através das persianas fechadas de uma janela; o acabamento das guarnições do teto, bem como o chão de tacos lixados e a luminária cinquentenária indicavam que o imóvel era antigo. Na noite anterior, estava tão cansado que nem me atentei a nenhum detalhe, pois assim que minha cabeça encontrou o travesseiro, apaguei.

Sentei-me no sofá estofado de tecido azul marinho desgastado e inventariei os dados à minha volta. Uma TV fixada na parede, um tapete puído estilo persa, um aparador com tampo de vidro onde uma pilha de papeis competia com pequenos bibelôs, e uma estante repleta de livros, dispostos de maneira desordenada. No canto próximo a um hall por onde se via as portas do banheiro e da cozinha, estavam os últimos móveis do local: uma pequena mesa de fórmica e uma cadeira de escritório.

Identifiquei o aroma que apertava meu estômago como de ovos fritos. Minha boca salivou, então, ignorando a ereção que ainda pulsava dentro dos meus shorts, caminhei até a porta da cozinha, esperando encontrar ali algo para comer.

Assim que parei na porta, minha visão foi preenchida pela imagem de Viki, apenas de cueca boxer branca, frente a um fogão de duas bocas, cantarolando enquanto movia uma espátula na frigideira. A fome do meu estômago competiu com outro tipo de desejo, e me questionei sobre o que eu preferiria "comer", se tivesse escolha.

Constrangido pelos pensamentos inoportunos e pelo fato de isso não ajudar em nada a normalizar as coisas abaixo da minha cintura, esperei que ele percebesse a minha presença e aproveitei o momento para desfrutar da bela visão por mais um tempo.

As pernas eram torneadas, quase sem pelos; levei um tempo maior analisando a bunda, surpreendentemente bem desenvolvida e empinada, o que me levou a crer que ele malhava aqueles músculos específicos com bastante critério. A cintura era fina, ele todo era bem magro, mas tinhas alguns músculos nos braços, comprovando o fato de que praticava algum tipo de esporte.

Mesmo com o porte firme, seu corpo era um conjunto delicado e harmonioso de curvas bem distribuídas, e seria considerado perfeito em tudo se não fossem as marcas espalhadas pelas costas, vergões rosados em relevos alongados e, em alguns pontos, sulcos discretos em linhas esbranquiçadas; as cicatrizes pareciam antigas, e  corrompiam a palidez da pele muito clara. 

A imagem me incomodou profundamente, não por considerar as marcas um sinal de feiura, mas pela feiura por trás das razões de estarem ali. Quando servi o exército, lidei com muitas lesões e cicatrizes, e sabia reconhecer quando não se tratava de algo acidental ou até mesmo provocado num ataque. Aquelas marcas não estavam ali por ele ter caído ou se machucado aleatoriamente. 

Eram claramente marcas de tortura.

Esse rapaz havia sido surrado, talvez por um longo período. Não competia a mim investigar o assunto, mas meus dedos coçaram para pegar meu notebook e começar uma varredura em todos os nomes que cruzaram o caminho dele. De repente, eu queria saber mais sobre tudo o que o cercava, e fiz um grande esforço para suprimir tais anseios, afinal, eu partiria ainda pela manhã, e provavelmente nunca mais nos veríamos outra vez.

— Bom dia — interrompi o cantarolar irritante, fazendo-o sobressaltar.

— Que susto, cara! — Ele voltou-se na minha direção com surpresa no olhar. O sorriso já estava ali, como se fosse uma máscara, acomodado oportunamente num lugar ao qual parecia pertencer. Questionei tal fato ao enxergar algumas cicatrizes na parte frontal do corpo esbelto. 

— Desculpa — limpei o pigarro na garganta quando minha voz soou estranha. Ele desviou os olhos do meu rosto e desceu pelo meu corpo, tornando-me hiperconsciente do que acontecia na minha virilha. Obviamente, ele demorou-se ali, fazendo meu sangue correr mais rápido. 

— Ahh, você não devia mesmo se desculpar — ele murmurou, ainda encarando o volume evidente dentro dos meus shorts. Como se isso não bastasse, ele colocou aquela língua travessa para fora e lambeu o lábio inferior, repetindo o movimento que havia feito na noite anterior, como se estivesse prestes a abocanhar algo muito saboroso.

Senti uma pontada.

— Eu... vou me trocar e ajeitar minhas coisas para deixar você em paz, ok?

— De onde você vem? — a pergunta aleatória me pegou de surpresa, embora a mudança súbita de assunto tenha sido muito bem-vinda.

— Como assim? 

— O seu sotaque... Não é do sul, tampouco do norte ou nordeste. Você é mesmo gringo, só não identifiquei de onde.

— Ah... eu sou meio brasileiro, meio americano.

— Isso. Gringo até a tampa. Não é o meu tipo favorito de gringo, mas dá pro gasto.

— Do que você tá falando? — senti meu coração acelerar. Que merda significava isso? Eu parecia um adolescente tendo um beijo roubado no pátio, que porra!

— Nada não — e virou-se para o fogão, despejando os ovos da frigideira num prato —, senta aí, vamos comer.

Sentei-me numa das banquetas frente a um pequeno balcão e esperei enquanto ele colocava os ovos, dois pratos e algumas torradas na superfície. Ele esperou que eu me servisse, depois cobriu as torradas com os ovos e levou à boca.

Demorei um tempo observando-o mastigar o alimento. Cheguei à conclusão de que eu precisava urgentemente resolver essa parada no meu corpo, nem que fosse sozinho, mais tarde. Algo me dizia que, se eu tentasse sexo com ele, ele toparia de boa, mas eu estava amedrontado, não sabia nem interpretar a razão da minha recém descoberta insegurança.

Já fiquei com muitos caras ao longo da vida adulta. Minha sexualidade foi rapidamente descoberta ainda na adolescência, mas ocultei isso por todo o período escolar, visto que o bullying na America é algo bem severo e eu não estava a fim de entrar pro clubinho dos rejeitados. Só quando fui para a universidade que me assumi, e desde então, vivo confortável com isso. 

Nunca fiquei com uma garota; nunca tive vontade, e não me lembro de ter me envolvido emocionalmente com alguém, não de maneira significativa. Cheguei a repetir alguns ficantes, mas nada além disso. Em Tampa, tinha o Chris, com quem eu costumava sair de tempos em tempos, mas era curtição tanto para mim quanto para ele.

Eu não tinha uma libido muito intensa. Ficava de boa sem transar por longos períodos, chegava a pensar que havia algo de errado comigo, principalmente quando meus colegas explanavam sua vida sexual super ativa. Eu sempre fui de falar pouco, reservado e tranquilo e minha vida atrás de uma tela colaborava para que eu quase inexistisse no mundo real.

De fato, eu era muito mais famoso nas profundezas da deep web. Por lá, SweetShadow era mencionado em fóruns como uma garota foda nos códigos, e era lá que eu me sentia confortável. O mundo real era sufocante, irritante e barulhento, então essa conexão emocional, a necessidade do toque, tudo isso passava batido e eu vivia bem sem tais coisas.

Mas o Viki, desde o primeiro olhar, me deixava estranho. No momento, eu suprimia a vontade de pular por cima do balcão, virá-lo de costas sobre a pia e foder aquela bunda redondinha por horas enquanto puxava aqueles cabelos pintados de vermelho.

Mais uma pontada, quase uma dor nos meus testículos.

Definitivamente, eu precisava sair dali o quanto antes.

Indomável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora