4 - Iguaria

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Era óbvio que eu estava prestes a fazer algo indevido

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Era óbvio que eu estava prestes a fazer algo indevido. Uma decisão impulsiva, questionável, mas esse não era o ponto principal, pois eu tomava decisões assim o tempo todo. Sair com estranhos, confraternizar com mentes lascivas, tudo isso era o meu normal e eu não me envergonhava disso.

No entanto, eu não me lembro de ter me sentido tão inseguro, nem de ter tantas dúvidas sobre uma decisão tão pouco importante como a de levar esse estranho para minha casa. Na verdade, eu me lembrava de, no passado, ter sentido medo; aterrorizante, paralisante, há muito tempo, quando eu ainda estava sob o domínio daquele homem...

Buscando espantar as lembranças intrusas, continuei empilhando as cadeiras do salão. Sem que eu percebesse, meu convidado relâmpago passara a me ajudar e com as luzes quase todas apagadas, o serviço estava basicamente completo.

— Vou trancar a cozinha e poderemos ir — avisei. Ele apenas sinalizou com a cabeça, sem me olhar.

Peguei as chaves e tranquei as portas, com o pensamento nele. O tal não havia mais aberto a boca depois de ter perguntado meu nome e nenhuma das minhas tentativas de puxar assunto surtiu efeito. Num dado momento, desisti de tentar e me concentrei nos outros clientes, quase me esquecendo de que ele estava ali, com aquele semblante fechado e olhar soturno.

Quase. Nem se o sol desaparecesse e uma sombra eterna nos cobrisse, apagaria o brilho daquele gringo emburrado aos meus olhos. Tal fascínio foi o primeiro chamariz de que eu estava para cometer um erro.

"Você é meu e de mais ninguém..."

Chacoalhei a cabeça, espantando as palavras que, como algemas, mantinham-me preso àquele quarto, naquela residência de alto padrão, no bairro mais nobre da cidade. Era como se nunca tivesse me libertado, mas eu me recusava a aceitar o fato.

Dependência me apavorava. Qualquer tipo de dependência. Jamais seria subjugado novamente e essa premissa guiava minhas escolhas e decisões. Longe de amarras e entraves, eu levava a vida à minha maneira, repudiando qualquer ameaça à minha natureza. Vinha fazendo um bom trabalho, até dar um passo oscilante rumo ao desconhecido.

O desconhecido me olhava agora, esperando para ver o que eu ia fazer. Optando por manter o silêncio que ele tão eficazmente cultivava, sinalizei que me seguisse para fora do bar. A chuva enregelou meus braços enquanto eu trancava o estabelecimento, mas não me encolhi. Percebi que ele tampouco pareceu se abalar pela água que molhava suas vestes e sua bagagem, convenientemente protegida numa mala de fibra.

Caminhei pela calçada encharcada, calado e introspectivo, sentindo seus olhos em minhas costas e escutando o chapinhar dos passos nas poças formadas pelo temporal. O frio molhado que penetrava minhas vestes tornou-se aconchegante, como uma distração bem-vinda para meu crescente conflito interno. Aquele silêncio todo era extenuante, quase ameaçador, a ponto de eu realmente começar a temer o homem que me acompanhava.

É coisa da sua cabeça — afirmei para mim mesmo. — Desde quando você se preocupa tanto? Suas aulas de jiu jitsu te prepararam para situações assim, então aquieta o facho porque não dá pra simplesmente desconvidar o cara agora que já é quase duas da manhã e você fez o sujeito ficar no bar esperando até agora.

Buscando manter a calma, acelerei os passos e, em menos de cinco minutos, estava diante da portaria do pequeno prédio de três andares onde eu morava. A porta de ferro fundido, cujos vidros canelados escondiam o interior, tinha a pintura desgastada e trincos angulosos cruzavam alguns dos vidros, negligenciados há anos pelos moradores despreocupados que viviam ali. Destranquei, esperei que ele passasse por mim e fechei a porta. Subimos os três lances de escada, ele sempre um passo atrás, até estarmos diante da minha porta. Respirei fundo por um instante, protelando o próximo passo.

— Relaxa, cara — a voz dele, depois de tanto tempo em silêncio e agora livre dos ruídos do bar, pareceu ainda mais marcante —, você está certo em voltar atrás. Eu vou dar uma volta por aí, encontrar um taxi e parar no Íbis mais próximo que encontrar. Sem constrangimento, okay? Obrigado pelo convite.

Ele me deu as costas e ameaçou descer as escadas. Sem pensar, segurei-o pelo braço e meu contato foi interrompido bruscamente quando ele se esquivou, ligeiro. Notei que ele se constrangeu com a própria reação, mas não se retratou. 

Foi uma situação muito esquisita. Mesmo assim, movido por um novo e inexplicável impulso, destranquei a porta e abri passagem.

— Entra logo. Essa roupa molhada tá me deixando resfriado e tenho certeza de que você não está nenhum pouco confortável também.

Ele pareceu indeciso, mas acabou passando por mim. Fechei a porta e o encarei.

Bem. Agora eu tinha que lidar com a situação. Como? Não fazia ideia. Nunca levava ninguém até ali com o intuito de ajudar. Geralmente era entrar, tirar a roupa e partir pro abraço, mas nesse caso específico, eu não achava que ele queria o mesmo que eu.

— O banheiro fica ali. Vou te arrumar uma toalha pra você tomar um banho, assim tira a friagem do corpo. Enquanto isso, vou ajeitar o sofá aqui pra você.

— Eu tenho toalha, não precisa se preocupar. Não quer se banhar primeiro?

— Não, é melhor você ir, eu arrumo aqui e tomo meu banho depois. Tô super cansado e não quero prolongar a noite — sem conseguir evitar, olhei para ele com meu sorriso mais safado — a não ser que você queira...

Ele me deu as costas e entrou com mala e tudo no banheiro, sem uma palavra. 

Bem, eu tentei.

Cinco minutos depois, ele deixava o banheiro. Fiquei surpreso com a rapidez e cheguei a me questionar se ele tinha mesmo tomado banho ou só trocado de roupa, mas o cheiro que chegou às minhas narinas quando ele se aproximou eliminou minhas dúvidas.

Meu gracejo sobre o quão cheiroso ele estava morreu nos lábios quando meus olhos pousaram em suas pernas, musculosas e peludas como as de um jogador de futebol. Subi com o olhar pelas coxas, como um pincel cobrindo a área, lentamente até a virilha, cujo shorts não escondia a promessa de suspiros infames contida ali. Lamentei o fato de ele estar de camisa, pois não pude ver seu abdômen, nem o peitoral, mas os braços eram bem desenvolvidos, bíceps e tríceps avantajados na medida certa, nada truculento, mas suculentos.

Senti a boca secar.

— Seu cabelo ainda está pingando — ele murmurou, olhando firmemente para o meu rosto.

Merda! Ele tinha me pego no pulo, comendo-o com os olhos. Bom, não era segredo que eu estava interessado desde o início, ele sabia disso antes de vir, então seria estupidez se surpreender com minhas encaradas. Era realmente uma pena que ele não estivesse vibrando na mesma sintonia que eu.

— Eu deixei tudo ajeitado. Tem travesseiro, cobertor e uma garrafa de água. Se precisar, a cozinha fica naquela porta e... meu quarto é a terceira porta, no final do corredor — sorri mais uma vez antes de entrar no banheiro — a cama é bem grande, se quiser ficar lá, não vou me opor.

Ele não respondeu, para surpresa de ninguém. Tomei meu banho quase frio, buscando conter o fogo no rabo que me consumia e, quando saí do banheiro, encontrei-o jogado no sofá, de barriga para cima, um braço tombado para fora, outro acima da cabeça. O cobertor cobria parte das pernas e amontoava-se no chão. Sua boca aberta emitia um ruído constante e regular.

Devia estar exausto. Sorri ao notar sua vulnerabilidade. Entregue assim, nem parecia tão marrento. Contive o impulso de ajeitar o cobertor sobre o corpo dele e fui para o meu quarto.

Contrariando meu estado alerta e excitado, rapidamente fui relaxando e o sono me abraçou. De alguma maneira, aquele lindo estirando no meu sofá me deu uma sensação de segurança que há muito não sentia. Ainda com o sorriso acomodado no rosto, entreguei-me ao mundo dos sonhos, onde um moreno de olhos cristalinos lambia meu corpo como se eu fosse a mais preciosa das iguarias.

Indomável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora