VII

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Não sei o que você entende por uma cena peculiar. Mas o caso era esse: Havia um salão grande, com janelas cortinas e um grande tapete no qual estavam em pé um homem e uma moça de frente para um outro homem que apontava para eles uma pistola, suando, e com um olhar de sede por morte.

Havia, ainda no tapete, um púlpito com uma cruz, atrás do qual escondia-se um padre com um grande chapéu cerimonial, e uma expressão de terror. Ao redor da sala haviam dois outros homens que haviam sido baleados e estavam caídos ao chão, já sem vida. Estes eram, assim como os outros, e com exceção do padre, conhecidos por Victor.

— Sei que você fez isso! — gritou o homem que apontava a arma, a quem Victor logo reconheceu como Frederico, seu aio.

— Abaixe de uma vez esta arma homem! Houve algum equívoco. Conversemos civilizadamente! — pedia o homem que se colocava em frente a moça assustada, e deixava uma de suas em recuo. Victor os reconheceu facilmente como Augusto e Daiana.

Quando Victor transpôs as portas juntamente com Franco e suas pequenas feras, mais incógnitas se espalharam.

— Rico?! — exclamou o jovem, aturdido.

Frederico que estava prestes a disparar, perdeu de vez seu olhar vidrado e vingativo quando viu Victor. Aqueles cabelos loiros, aqueles traços finos, aquela voz. Ele estava vivo! Eram esses os pensamentos que invadiam sua mente. Sua mão afrouxou-se quando fitou o jovem, incrédulo.

Porém, nenhum deles contava que Augusto puxaria de sua cintura um revólver e dispararia uma bala que invadiria a cabeça do seu tão querido aio. Não se contava com sua lenta queda de joelhos, e seu encontro com o chão empoeirado, e nem mesmo com a poça de sangue que se desenharia no chão, como uma nuvem invadindo e cobrindo cada vez mais o céu. Mas foi isso mesmo que aconteceu.

Daiana assistia com as mãos em frente a boca, com olhos arregalados de tamanho espanto. Augusto agora apontou a arma para Victor que não estava menos assustado. O jovem olhou o cano do revólver apontando para si, e então percebeu como nunca esteve preparado para aquilo. A sensação era como ouvir as batidas finais de um relógio, como o voar de uma pomba, e a saudade de um ente querido.

Augusto, que agora podia perceber o que se passava, encarou Franco com olhos ferozes.

— Você... O que faz aqui?! — esbravejou. — Como ousa entrar em minhas propriedades e ainda trazer seus monstrinhos pulguentos com você?!

O rosto de Franco contorceu-se de raiva. Estava mais colérico do que por uma ira qualquer. Um passado guardado no coração desperta uma mágoa que rutila em um ódio sem igual. E era esse mesmo sentimento que Franco experimentava naquele momento.

— Chegou o dia de nos acertarmos Augusto. — disse Franco.

— Não precisa dizer mais nada. Sei exatamente o que planeja, sei porque trouxe o garoto consigo. — dizia Augusto, enquanto encarava ferozmente tanto Victor quanto Franco.

O hediondo parceiro de Victor precipitou-se em sua direção.

— Chegou o tempo, seu vampiro maldito.

Daiana estava atônita. Vampiro? Augusto? Aquele com quem estava prestes a realizar os mais aguardados desejos do coração? Com quem planejava seguir novos caminhos, trilhar novas histórias? Impossível!

Augusto franzia o cenho. Sua pele era tão lívida que, em raiva, sua veias saltavam e distinguiam-se em cor.

— Não escute-o Daiana. Não podes ver que é em frente a mim que se encontra o verdadeiro monstro?

Daiana não podia olhar para Franco sem terror. Afinal, quem poderia? Mas Victor ao lado dele era algo que lhe despertava mais confusão.

— Não finja-se mais seu miserável. Demônio. — Vociferou Franco. — Antes do relógio tocar, você irá reencontrar-se com o inferno, de onde veio.

Foi apenas quando Franco o disse, que Victor notou, no fundo do salão, um grande relógio de pêndulo. Ele se aproximava mais e mais de Augusto, que ainda lhe apontava a arma, e Victor temeu que logo o atacasse e assim Daiana acabasse ferida. Era claro para ele que Daiana era inocente.

— Daiana, por favor, venha para este lado. — pepediu Victor.

Daiana apenas olhava de um ao outro assustada.

— Não escute-o Daiana. — disse Augusto.

Agora Franco olhava-o ferozmente, mostrando-lhe suas grandes presas, e rosnando contra ele, junto a seus cachorros.

— Queria poder matá-lo eu mesmo. — disse Franco.

— Seu desgraçado. Acha que um dia poderá me matar? Não queira que eu faça contigo o que fiz com teus... — Augusto olhou para os cachorros, cético. — Queridos filhinhos.

Franco bradou de uma raiva absurda, tirou uma de suas luvas, apresentando suas horríveis garras. Ergueu a mão monstruosa, e quando estava prestes a feri-lo, Daiana precipitou-se em frente a Augusto.

— Você não irá feri-lo, sem que antes me machuque! — disse Daiana, que embora parecesse ter coragem, em seu rosto se mostrava a verdade de seu pavor.

— Que seja! — berrou Franco.

Quando estava prestes a rasgar Daiana com suas garras, Victor correu e empurrou Franco ao chão. As correntes soltaram-se, e os cachorros correram para Augusto ferozmente.

— Basta! — bradou Augusto, encarando os cachorros com seus olhos, que brilharam rubros.

Os cachorros pararam e ganiram. Estavam parados, como estátuas. Augusto atirou neles, um por vez.

Victor viu Franco caído, perder suas forças, e entregar-se à morte que já se desenhava em seu semblante, que já lhe chamava há muito. Mas antes, ouviu suas últimas palavras, sonoras ainda que sussurradas, em uma voz gutural.

— Deixo-lhe minhas felicitações. — foi o que disse, num sorriso que ele não conseguia distinguir se era cético, ou verdadeiro.

Victor suava. Viu como Augusto matara aqueles cães ferozes, sem um til de piedade. Tremeu quando viu sua arma novamente apontada para si. Pensou em como a vida é valiosa quando se está prestes á perde-la.

— Não. Por favor. — implorou Daiana, abaixando as mãos de Augusto. — Não mate-o.

Augusto olhou para Daiana. Esta estava tão assustada, que nada podia ser lido em seus olhos se não o próprio medo.

Augusto, ainda raivoso, guardou o revólver em seu coldre, e fitou Victor com um olhar violento. Mas as palavras que lhe saíram foram, na verdade, suaves. Sua voz tornou-se tão caridosa e afável, que não parecia vir do homem que havia ouvido até agora.

— Perdoe-me, cara Daiana. Este momento era para mim tão importante... Não queria que fosse manchado dessa maneira. — disse-lhe com apreço.

Olhou para o relógio no fundo. Agora tornava-se um outro homem. Nervoso, ansioso, com medo. Procurou pelo padre sem sucesso. Este já devia ter fugido há muito, quando as atenções não se voltavam para ele.

— Venha! Você deve conduzir a cerimônia. — disse Augusto dirigindo-se ao jovem, severo.

Victor puxou a pistola de seu coldre, e corajosamente apontou-a para Augusto. Sua mão tremia, e parecia mais pesada que o normal. Deveria apertar o gatilho, ele sabia que deveria.

Daiana olhou-o com apreço.

— Victor. Não. Por favor. — disse-lhe, de maneira que para Victor parecia impossível não ser convencido por aquela voz doce e chorosa. Estava tão assustada, e aquilo lhe cortou o coração de maneira inimaginável.

Abaixou a arma relutante.

— Entregue-me. — disse Augusto encarando-o.

Os olhos de Augusto novamente brilharam escarlates. Ele sentiu-se impulsionado. Sua mãe movia-se sozinha, lhe tirando a pistola do coldre, e entregando-lhe. Aquela voz ecoava em seus ouvidos, como sussurros, e aqueles olhos lhe hipnotizaram de uma maneira irresistível. Aquilo era assustador.

 Com aquele poder, o que não poderia fazer?

O Casamento do Vampiro - ContoWhere stories live. Discover now