Capítulo 84

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A tarde havia se passado num piscar de olhos. Depois de tantas brincadeiras e risadas, eu me perguntava como aquelas crianças conseguiam manter tanta energia enquanto eu já me sentia exausta. Entre corridas, jogos e risadas, a igreja havia se tornado um lugar cheio de vida e alegria, e era difícil não sorrir vendo todos tão felizes.

Agora, com o fim da festa, as crianças já haviam ido embora, e o local estava em silêncio novamente. Eu e Vinnie começamos a arrumar tudo, recolhendo as fantasias, empilhando os bancos e juntando os copinhos de papel espalhados pelo chão. Ele trabalhava ao meu lado, concentrado, e mesmo sem dizer nada, sua presença parecia tornar a tarefa menos cansativa.

Quando terminamos, nos sentamos nos degraus da escada que ficavam na entrada da igreja. O céu estava com um tom alaranjado, e o vento trazia uma brisa suave, anunciando o fim de um longo dia. Eu observei Vinnie por um momento antes de romper o silêncio.

   —Não sabia que gostava de crianças. -comentei, arqueando as sobrancelhas, surpresa.

Ele soltou uma risada curta e se gabou.

   —As crianças me amam, Yas.

   —Afinal, quem você acha que comprou as fantasias? -completou ele, com um sorrisinho orgulhoso, cruzando os braços.

Olhei para ele, surpresa.

   —Você? Sério? -Eu realmente pensei que os pais tivessem alugado aquelas fantasias para entreter as crianças. Saber que Vinnie havia se preocupado com isso me pegou desprevenida.

Ele deu de ombros, como se não fosse nada demais.

   —Elas merecem, né? Dar um dia especial pra elas, deixar que sejam crianças... é o mínimo.

Não consegui evitar um sorriso. Esse era um lado dele que eu raramente via, uma vulnerabilidade escondida atrás do jeito durão. E, por mais que ele tentasse manter aquela postura de "não ligo pra nada", seus atos mostravam o contrário.

   —Acho que você leva jeito com elas. -falei, encostando meu ombro no dele, tentando aliviar o clima.- Mas vou admitir, te ver usando fantasia de homem-aranha foi o ponto alto do dia.

Ele riu e revirou os olhos.

   —É, não espalha. Tenho uma reputação a manter.

Senti um calor no peito, algo que era difícil de descrever. Por trás das paredes que ele construía, havia alguém generoso e cheio de nuances que ele revelava só em momentos como esse. E estar ao seu lado, nessas brechas de ternura, me fazia ver que talvez ele fosse ainda mais complexo do que eu imaginava.

—Ah, mas você ficou tão bonitinho! -falei, provocando e rindo ao lembrar dele com a fantasia do homem-aranha. O contraste entre o Vinnie durão e aquele momento brincalhão era tão cômico que eu não conseguia segurar o riso.

Ele revirou os olhos, dando um sorriso torto, mas não parecia realmente incomodado. Se ele soubesse que eu tinha tirado uma foto dele, completamente distraído enquanto brincava com as crianças, provavelmente teria outra reação. Mal sabia ele que eu planejava guardar aquela foto como uma lembrança rara de um lado mais leve que ele mostrava a poucos.

Então, uma lembrança voltou à minha mente. Durante as brincadeiras com as crianças, ouvi algumas delas falando sobre Deus, comentando sobre as histórias que aprenderam na escola ou com os pais. Sempre que o nome de Deus surgia, Vinnie ficava desconfortável, virava o rosto ou mudava de assunto rapidamente. A reação dele tinha me deixado curiosa, mas também me fazia hesitar. Não sabia se perguntar sobre isso iria cruzar algum limite.

Mas, em um impulso, arrisquei.

—Você acredita em Deus? -perguntei, com a voz baixa, tentando ser o mais cuidadosa possível.

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