003. desprezo

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O ar da noite estava fresco na varanda, carregando o aroma suave das orquídeas roxas que Agatha cultivava com tanto cuidado. As luzes de Westview cintilavam na escuridão, e a cidade parecia respirar de maneira lenta e serena, contrastando com a atmosfera eletrizada entre as duas bruxas.

Agatha estava encostada na grade da varanda, vestindo uma blusa preta e uma saia longa que ondulava levemente ao sabor do vento. Seus cabelos ainda estavam úmidos, caindo em ondas escuras sobre os ombros, e seus olhos fitavam a paisagem distante com uma expressão séria e introspectiva.

Rio se aproximou, mas manteve uma distância segura, como se soubesse que, a qualquer momento, a linha frágil que ainda as conectava pudesse se romper. Ela cruzou os braços, a jaqueta verde destacando a intensidade de seus olhos. Por um momento, Rio apenas observou Agatha, o rosto endurecido com algo que oscilava entre arrependimento e desejo.

— Não vai dizer nada? — Rio quebrou o silêncio, a voz carregada de uma leve provocação, como se a quietude a incomodasse. — Está tão interessada na paisagem, ou está apenas fugindo de mais uma conversa que poderia terminar mal?

Agatha não se deu ao trabalho de olhar para ela. — Por que você ainda está aqui, Rio? — perguntou friamente, os olhos fixos na dança das luzes da cidade. — Veio me provocar, me fazer perguntas para as quais já sabe as respostas, ou tem outra missão a cumprir?

Rio deu um passo à frente, a frustração visível no rosto. — Vim porque o tempo foi cruel para mim. Porque, enquanto você ressurgia e encontrava sua paz, eu estava presa em um inferno onde cada segundo era uma eternidade sem você. — Ela suspirou, o peso de sua própria confissão quase a quebrando. — Você acha que isso não importa, mas, para mim, foi tudo.

Agatha virou-se lentamente, seus olhos analisando Rio com uma intensidade que poderia cortar. — A sua dor não justifica o que você fez, nem as marcas que deixou em mim e em tudo o que eu amava. — Ela se aproximou, a voz baixa e venenosa. — Você fala de tempo como se eu tivesse saído ilesa, como se a minha própria existência não tivesse sido um campo de batalhas. Mas talvez você goste de se sentir uma mártir, não é?

Rio engoliu em seco, mas manteve o olhar fixo no de Agatha. — Mártir? — Ela riu amargamente, o som ecoando no vento. — Se sou uma mártir, então você é a rainha do sofrimento. Sempre tão pronta para lembrar a todos o quanto foi ferida.

Agatha se aproximou ainda mais, até que o espaço entre elas se tornou quase inexistente. — E você? — sussurrou, o hálito quente contra a pele de Rio. — O que você quer agora? Uma trégua? Uma chance de redenção? Ou ainda está se deliciando com o caos que criou?

Por um segundo, Rio pareceu hesitar, o olhar perdido entre o arrependimento e o desejo que nunca se apagava. — Eu... — Ela começou, mas sua voz falhou, e ela abaixou os olhos. — Talvez eu só queira ver se ainda há algo entre nós além de ódio.

O vento soprou, frio e implacável, mas a chama que ardia entre elas permanecia, imortal e imutável. Agatha fechou os olhos por um breve instante, tentando reunir forças, mas, no fundo, sabia que, por mais que tentasse se afastar, Rio sempre teria um poder estranho sobre ela.

— Então olhe bem, Rio. — Agatha sussurrou, a voz firme mas com uma vulnerabilidade escondida. — Porque o que sobrou de nós é apenas cinzas e memórias que se recusam a morrer.

Agatha virou-se de volta para a cidade, o olhar preso na vastidão de Westview, como se buscasse algum consolo entre as luzes que piscavam ao longe. O silêncio que caiu entre as duas era denso, carregado de mágoas antigas e desejos nunca totalmente esquecidos. Rio ficou parada, observando Agatha, tentando decifrar a muralha de emoções que a outra bruxa insistia em manter.

Finalmente, Rio quebrou o silêncio, sua voz mais baixa e cautelosa desta vez. — Eu sei que as palavras não significam muito, mas quero que saiba que nada foi fácil para mim também. — Ela hesitou, buscando nos olhos de Agatha algum sinal de compreensão. — Eu sei que errei, mas por que não podemos, ao menos, tentar entender onde tudo desmoronou?

Agatha soltou uma risada curta, amarga. — Entender? — Ela se virou, e seus olhos estavam brilhantes com uma mistura de raiva e algo mais sombrio. — Você acha que é tão simples? Que podemos apenas conversar e remendar as ruínas que deixamos para trás?

Rio deu um passo mais perto, sua expressão suavizando, mesmo diante da hostilidade de Agatha. — Talvez não seja simples. Mas você ainda está aqui, e eu também. — Sua voz tornou-se um sussurro que parecia ecoar através da brisa fria. — Se não há mais esperança, por que ainda nos importamos tanto com tudo isso?

A pergunta pairou no ar, a tensão entre elas crescendo novamente, mas de uma maneira diferente. Não era mais apenas raiva ou mágoa; havia uma intensidade que beirava o desespero, como se ambas soubessem que estavam em um precipício, incapazes de recuar, mas igualmente temerosas de dar o próximo passo.

Agatha apertou os lábios, suas mãos fechadas em punhos ao lado do corpo. — Talvez... — ela começou, mas sua voz fraquejou. Respirando fundo, ela forçou-se a continuar. — Talvez porque é mais fácil odiar do que aceitar o quanto ainda estamos conectadas. Mas não se engane, Rio. Essa conexão é uma maldição tanto quanto uma lembrança.

Rio ergueu uma sobrancelha, um sorriso triste surgindo. — Uma maldição, é? — Ela suspirou, como se as palavras de Agatha fossem uma sentença que ela já esperava ouvir. — Eu posso viver com isso, se significar que ainda há algo de você que não consegui destruir completamente.

Agatha virou o rosto, tentando esconder a vulnerabilidade que ameaçava aparecer. — Você fala como se essa conexão fosse algo que eu desejasse manter. — Mas a fraqueza em sua voz traiu a dureza de suas palavras. — E, no entanto, você continua voltando. Mesmo depois de tudo.

Rio ficou quieta por um momento, o vento brincando com os fios de seu cabelo. — Volto porque, eu te amo apesar de tudo, nunca consegui te esquecer. E talvez isso seja a maior punição de todas.

Agatha sentiu um arrepio atravessar sua espinha, um frio que não vinha da brisa noturna, mas de uma emoção que ela lutava tanto para sufocar. — Então, talvez seja hora de você aprender a viver sem tentar reparar o irreparável, Rio.

Elas se encararam, a distância entre elas tão cheia de palavras não ditas, ressentimentos mal resolvidos, e um desejo de algo que nunca souberam como manter. E ali, sob o céu estrelado de Westview, as duas bruxas, diferentes mas eternamente ligadas, confrontavam mais do que apenas o passado; confrontavam o medo de que nunca houvesse uma maneira de fugir uma da outra.

𝐒𝐨𝐛 𝐨 𝐯é𝐮 𝐝𝐚 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐞-𝐀𝐠𝐚𝐭𝐡𝐚𝐫𝐢𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora