005. Lembranças...

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O sol ainda estava nascendo, lançando luz suave e dourada sobre Westview. As ruas estavam quietas, e a neblina da manhã se dissipava lentamente, revelando o brilho orvalhado nas folhas das árvores. Agatha deixou sua casa, caminhando em silêncio até a floresta próxima, onde a natureza ainda guardava segredos antigos, imutáveis como as memórias que ela não conseguia apagar.

Ela andou até um lugar escondido, um pequeno refúgio que visitava raramente, onde um círculo de pedras descansava perto de uma cachoeira que jorrava com a serenidade de um coração paciente. O som da água batendo nas rochas a envolvia, preenchendo o silêncio com algo mais suportável. Agatha sentou-se sobre uma das pedras cobertas de musgo, os dedos traçando linhas invisíveis no solo enquanto os pensamentos flutuavam em sua mente.

Ela se lembrava de Nick, seu filho falecido, tão cheio de vida e curiosidade. Como ele adorava essa floresta, especialmente as cachoeiras. Ele corria entre as árvores com um sorriso tão puro, como se a própria natureza sorrisse com ele. "Mamãe, você pode não pode fazer comida?" "usa seu poder púrpura" ele costumava dizer, fascinado por algo que para outros era tão simples. E agora, essa lembrança perfurava o coração de Agatha como uma adaga.

As lágrimas começaram a escorrer por seu rosto, traçando caminhos de dor que o tempo não conseguira apagar. O sentimento de perda era avassalador, uma saudade tão grande que parecia desintegrar o que restava de suas forças. O vento sussurrou entre as árvores, mas o que trouxe não foi apenas o som da floresta, mas a presença de alguém que Agatha sentiu antes mesmo de olhar.

— Você sempre aparece nos momentos errados, — ela murmurou, a voz quebrada, sem olhar para trás.

Rio estava ali, encostada contra uma árvore próxima, observando-a com olhos suaves, tão diferentes das expressões desafiadoras do dia anterior. O cabelo dela balançava ao vento, e o rosto refletia uma compreensão profunda que parecia inquebrável. Ela se aproximou, os passos silenciosos, até que estava ao lado de Agatha.

Sem hesitar, Rio abaixou-se e a envolveu num abraço delicado, os braços firmes, como se quisessem manter todos os pedaços despedaçados de Agatha harkness unidos. O gesto foi sincero, uma expressão de solidariedade que transcendeu todas as brigas e as barreiras que tinham erguido entre si.

— Nick sente falta da mãe dele, Agatha, — Rio disse, a voz carregada de uma ternura rara. Ela a segurou com mais força, como se o próprio mundo pudesse desmoronar ao redor delas e isso ainda fosse a coisa certa a fazer. — Ele amava essa cachoeira, e ele ama você... Ele pediu pra mim cuidar da outra mãe dele, Agatha...

Agatha fechou os olhos, deixando que as lágrimas caíssem livremente. O calor do abraço de Rio, o conforto inesperado, era algo que ela não sabia que precisava, mas que, naquele instante, segurou-a no meio da tempestade de emoções. Elas ficaram assim, por um tempo que parecia infinito, envoltas pela floresta e pela dor compartilhada que as conectava de formas que nenhuma delas poderia explicar.

— Você não sabe o que isso significa para mim, — Agatha sussurrou, finalmente olhando para Rio, os olhos ainda úmidos, mas a expressão suavizando com um pouco de aceitação. E naquele momento, em meio à natureza e à lembrança de Nick, havia algo mais forte que mágoas ou arrependimentos: o simples e inesperado conforto de não estar sozinha.
Agatha permaneceu nos braços de Rio, sentindo-se frágil e exposta de uma maneira que não se permitia há muito tempo. Os momentos de vulnerabilidade haviam se tornado raros, quase esquecidos, enterrados sob camadas de proteção e feitiços que ela construíra para si mesma. Mas ali, naquela clareira da floresta, com o som da cachoeira ao fundo e os braços de Rio em torno dela, os muros começaram a ruir.

Rio, ainda segurando-a, passou a mão suavemente pelo cabelo escuro de Agatha, que balançava levemente com o vento. Seu toque era um paradoxo: firme e, ao mesmo tempo, cheio de uma delicadeza que parecia quase reverente. Era como se, por um instante, o mundo tivesse parado de exigir algo delas. Apenas uma pausa na batalha constante que travavam contra si mesmas e uma com a outra.

— Você acha que ele ainda consegue me ver? — Agatha perguntou, a voz um murmúrio quebrado que parecia um lamento, algo arrancado diretamente de seu peito. — Ou será que ele se foi de vez, perdido para sempre na eternidade? Acha que ele me perdoa? Por tudo que fiz e não fiz...

Rio suspirou, e seus olhos castanhos se encheram de uma tristeza que Agatha não reconhecia facilmente. Talvez porque Rio raramente a mostrasse, ou talvez porque, por tanto tempo, ambas preferiram ignorar o que estava logo abaixo da superfície. — Eu não sei como funciona a eternidade, Agatha, eu só levo as almas até a superfície. Ele escolheu subir, ele não está mais na terra — ela respondeu, a voz tão sincera que parecia atravessar as camadas de poder e orgulho que sempre interpunham entre elas. — Mas eu sei que, se há algo além disso, ele não te culpa. Ele amava você, assim como você o ama. E isso não é algo que se apaga.

Agatha desviou o olhar para a cachoeira, onde as águas continuavam a correr, implacáveis e lindas, como uma lembrança de que a vida sempre segue adiante, mesmo quando se deseja que ela pare. Era quase doloroso pensar em como Nick teria adorado estar ali, correndo por entre as árvores, rindo com a alegria inocente de quem ainda não conhecia a dureza da existência. A dor voltou a perfurar seu coração, mas junto com ela havia um calor, algo que Rio parecia estar tentando compartilhar, um pedaço de esperança entre as ruínas.

— Você é cheia de surpresas, Rio, — Agatha murmurou, finalmente afastando-se, mas sem perder totalmente o contato. Os olhos dela se encontraram, e por um momento, o silêncio entre as duas falou mais do que qualquer feitiço. — Nunca pensei que pudesse falar com tanta... — Agatha hesitou, procurando a palavra certa. — Com tanto entendimento.

Rio deu um sorriso meio torto, meio amargo, como se também estivesse refletindo sobre as próprias complexidades. — Talvez porque você só vê o lado de mim que gosta de lutar, — ela respondeu. — E, acredite, isso ainda está aqui. — Rio esticou os dedos, e uma faísca verde de magia brilhou por um instante, antes de desaparecer. — Mas não é a única parte.

Agatha não conseguiu evitar um pequeno sorriso. — Suponho que, depois de tudo o que passamos, ainda temos algumas coisas para descobrir uma sobre a outra, não é?

— Sempre, — Rio concordou, com um olhar que misturava provocação e uma afeição que Agatha ainda estava aprendendo a aceitar. — Não acho que a gente nunca vá parar de se surpreender.

Elas ficaram em silêncio por um tempo, lado a lado, enquanto o som da água se tornava uma música suave que acalmava o ambiente ao redor. As cores da floresta estavam começando a mudar com o nascer do sol, trazendo uma nova luz e sombras dançantes sobre a terra. Era um momento que parecia impossível de se encontrar em suas vidas complicadas e caóticas, mas, ainda assim, ele estava ali, tão real quanto o calor compartilhado entre elas.

Finalmente, Agatha se levantou, sua postura ainda digna, mas menos rígida. Ela observou a clareira como se estivesse memorizando cada detalhe, cada curva das pedras e cada folha reluzente sob o orvalho. — Acho que é hora de voltar, — ela disse, embora sua voz não carregasse tanta certeza. Talvez parte dela quisesse permanecer ali, onde as lembranças eram dolorosas, mas também vivas, onde ela podia, por um instante, imaginar que Nick ainda brincava ao seu lado.

Rio assentiu, mas antes que Agatha pudesse dar um passo, ela a segurou suavemente pelo pulso. — Espere, — Rio pediu, o tom sério e algo mais, algo que fez o coração de Agatha bater mais forte. — Você não está sozinha nisso. Mesmo que queira me empurrar para longe, eu estou aqui.

Agatha olhou para o toque de Rio, para os dedos envoltos no seu pulso, e sentiu algo mudar dentro de si, algo que não era simples de definir. — Não me empurre, então, — ela respondeu, a voz baixa, mas firme. — Mas não me faça promessas que não pode cumprir, Rio. Eu já acreditei demais em coisas que se desintegraram.

Rio sorriu, mas havia uma compreensão por trás daquele gesto. — Eu não estou aqui para prometer o impossível. Só estou aqui. — E isso, de alguma forma, era mais do que suficiente.

Juntas, elas começaram a sair da floresta, com o peso da dor ainda presente, mas com algo novo: uma sensação de que talvez, só talvez, houvesse um caminho para seguir em frente, mesmo que ainda cheio de pedras e tempestades. E, desta vez, elas tinham uma à outra, mesmo que apenas por enquanto, na imprevisibilidade da vida que compartilhavam.

𝐒𝐨𝐛 𝐨 𝐯é𝐮 𝐝𝐚 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐞-𝐀𝐠𝐚𝐭𝐡𝐚𝐫𝐢𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora