— Capítulo Oito: Aqueronte
A sensação de que havia algo oculto nas entrelinhas das palavras de Ramon me deixava inquieto, mas eu estava determinado a continuar e descobrir o que estava em jogo. A escuridão ao nosso redor era interrompida apenas pela luz das chamas no céu, que lançavam um brilho quimérico sobre a neve. Cada passo que eu dava parecia ecoar como um sussurro no silêncio profundo e frio. Não tinha ideia de quanto tempo havíamos caminhado, tendo noção de que o conceito do tempo era elusivo por aqui.
Talvez Ramon fosse meu amigo, talvez estivesse realmente disposto a me acompanhar nessa busca pela minha verdade, talvez torcesse para que eu conseguisse descobrir o que eu era para ter moldado meu caminho em direção à perdição. Ou talvez não. O que poderia dizer que ele era realmente um ser confiável entre tantos outros que existiam nesse mundo? Como eu saberia que suas intenções não eram as melhores e que tudo que estava fazendo se resumia a me levar mais e mais fundo nesse abismo enigmático? Não havia como saber, por isso me sentia com medo e desesperado por um futuro incerto sobre o qual eu não tinha nenhum controle. E se Ramon mexia com a minha cabeça e me fazia acreditar em suas palavras? E se ele sabia que eu não iria cair na sua enganação meia-boca e tentar enganá-lo primeiro? E se ele estivesse ouvindo tudo isso que eu estava pensando neste momento?
Uma enxurrada de pensamentos conflitantes inundavam minha mente. Talvez Ramon fosse realmente alguém em quem eu pudesse confiar, talvez ele genuinamente desejasse me ajudar a desvendar os mistérios que cercavam minha vinda para cá. Quem sabe o ceticismo e a desconfiança que me assombravam não passassem de só uma mera reação humana de segurança? Aliás, seres humanos tinham medo de tudo, e eu era um deles; era.
Mas questionar se Ramon tinha suas próprias motivações ocultas, se ele poderia estar me conduzindo por um caminho perigoso, moldando minha jornada em direção à perdição, não fazia mal. Os rostos e intenções dos seres do Inferno eram tão complexos quanto o próprio lugar, eu precisava ser cauteloso. O medo me envolvia, e me sentia perdido diante de um futuro tão duvidoso. Cada passo que eu dava pela neve era uma aposta, a um lugar que poderia dar as respostas que eu precisava ou mais perguntas. Como eu poderia saber se as palavras de Ramon eram sinceras ou apenas artimanhas para me manipular? O que me garantia que ele não tinha intenções obscuras e que tudo isso não passava de uma farsa elaborada para me conduzir a um destino indesejável? Era impossível saber com certeza.
Seus gestos gentis, suas palavras cuidadosas e a maneira como ele havia se exposto ao me tirar da cabana naquela noite sugeriam que ele tinha algum interesse genuíno em me ajudar. Talvez estivesse tão perdido e confuso quanto eu nesse limbo arruinado, e encontrar alguém com quem compartilhar suas próprias experiências e angústias poderia ser uma motivação sincera. A ideia de que ele também era uma alma em busca de respostas tornava-o mais humano aos meus olhos, apesar do ambiente infernal em que estávamos. Além disso, eu não tinha muitas opções. O Inferno era um lugar cheio de perigos desconhecidos, e estar sozinho poderia ser ainda mais arriscado. Ramon, até agora, havia me protegido e me guiado com relativa segurança. Ele parecia entender as ameaças desse mundo melhor do que eu, o que me fazia pensar que ele poderia ser uma fonte valiosa de conhecimento e orientação. À medida que esses pensamentos ganhavam força, eu comecei a questionar minha própria desconfiança. Será que minha paranoia estava me impedindo de reconhecer a ajuda genuína quando ela se apresentava? Será que eu estava me fechando para uma possível amizade em meio ao caos?
Conforme continuávamos nossa caminhada ao longo daquele deserto congelante, algo surpreendente aconteceu. O ambiente gélido e árido começou a se transformar diante dos meus olhos. O solo glacial e o clima frio deram lugar a uma paisagem exuberante e verdejante. A vegetação cresceu rapidamente, formando uma floresta densa e exuberante ao nosso redor. Árvores altas se erguiam em direção ao céu, suas folhas vibrantes dançando com a brisa suave. O ar estava impregnado com o aroma fresco da natureza, e o som de pássaros cantando preencheu o ar. Fiquei perplexo com a transformação drástica do bioma ao nosso redor, já Ramon, que parecia tão à vontade naquele ambiente, continuou a liderar o caminho com um sorriso misterioso.
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Ulysses e o Caos Divino
SpirituellesApós uma vida marcada por escolhas erradas e relações caóticas, Ulysses se vê em uma jornada pelo Inferno, onde cada passo revela uma nova camada de seus próprios pecados e arrependimentos. Entre almas condenadas, ele encontra uma figura misteriosa...