Capítulo 1

21 2 0
                                    

Três suculentas tortas de amora cintilavam diante de Draco. Ele enfiou as mãos, protegidas por panos de prato, no forno à lenha e retirou as travessas, ignorando o calor que envolveu os braços e subiu até as bochechas. O recheio de luz do sol das tortas tremeu, como se estivesse feliz por ser libertado da câmara de pedra.

Draco segurou uma travessa com a mesma reverência reservada à coroa do Rei e andou para o outro lado da cozinha.

Recusou-se a tirar os olhos das tortas até a beirada das travessas tocar a mesa com um baque satisfatório. As tortas tremeram por mais um momento antes de assentarem, perfeitas e brilhantes.

Depois de deixar os panos de prato ao lado, ele escolheu algumas amoras frescas que estavam espalhadas sobre um papel e as modelou, feito flores, no centro das tortas ainda quentes. O aroma adocicado do recheio e o do amanteigado da massa crocante chegou ao seu nariz.

Ele deu um passo para trás para admirar seu trabalho.

As tortas ocuparam toda a sua manhã. Cinco horas pesando a manteiga, o açúcar e a farinha, misturando, sovando e enrolando a massa, batendo, fervendo e coando gemas de ovo e preparando geleia de amoras até estarem grossos e cremosos, da cor de vinho. Ele glaçou a massa e modelou as beiradas como se tecesse uma toalha de renda.Os dedos coçavam para polvilhar as beiradas das tortinhas logo, mas ele se conteve. Tinham que esfriar primeiro, senão o açúcar derreteria e formaria poças feias na superfície.
Essas tortas englobavam tudo que ele aprendeu nos livros de receitas da prateleira da cozinha. Não havia um momento apressado, nem um toque descuidado, nem um ingrediente inferior naquelas formas onduladas. Ele foi meticuloso em cada passo. Assou o coração junto com os doces.

Draco prosseguiu com sua inspeção, os olhos avaliando cada centímetro, cada volta da massa, cada superfície brilhante.
Finalmente, se permitiu sorrir.

Diante dele havia três tortas de amoras perfeitas, e todo mundo em Copas - desde os pássaros Dodô ao próprio Rei - teria que reconhecer que ele era o melhor confeiteiro do reino. Até sua mãe seria forçada a admitir que isso era verdade.

A ansiedade passou, ele quicou nas pontas dos pés e gritou nas mãos fechadas.
- Vocês são minha grande alegria! - proclamou ele, abrindo bem os braços acima das tortas, como se oferecesse um reino a elas. - Agora eu convido vocês a irem para o mundo com sua gostosura adocicadas e arrancarem sorrisos de todas as bocas que agraciarem com sua presença.

- Falando com a comida de novo, Lord Malfoy ?

- Hã-hã, não é qualquer comida, Bichento. - Ele levantou o dedo sem olhar para trás. - Apresento a você as tortas de amoras mais maravilhosas já feitas dentro do Reino de Copas!

Um rabo cor de gengibre envolveu seu ombro direito. Uma cabeça peluda e com bigodes apareceu no esquerdo. Bichento ronronou pensativamente, e o som vibrou pela espinha dele.

- Impressionante - disse ele, naquele tom que sempre deixou Draco sem saber se estava debochando dele. - Mas onde está o rato?

Draco lambeu cristais de açúcar das pontas dos dedos e balançou a cabeça.
- Nada de rato.

- Não tem rato? Qual é o sentido?

- O sentido é perfeição. - Seu estômago formigava cada vez que ele pensava nisso.

Bichento sumiu dos ombros dele e reapareceu na mesa da cozinha, uma pata com garras acima das tortas. Draco deu um pulo à frente para afugentá-lo.
- Não ouse! São para a festa do Rei Riddle, seu bobalhão!

Os bigodes de Bichento tremeram.
- O Rei? De novo?

As pernas do banco fizeram ruído quando Draco o arrastou para perto da mesa, sentando-se.

Sem alma | DRARRY Onde histórias criam vida. Descubra agora