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Está frio. Eu estou fria. Tudo está frio.
Abro os olhos mas volto a fechá los. A luz do sol fá los arder.
Volto a tentar, desta vez mais devagar, adapto me à claridade e consigo mantê los abertos. Levanto me e depois reparo que estou com a roupa toda rasgada, suja e ensanguentada. No chão, onde eu tinha a cabeça, está uma mancha de sangue já seco. Meu sangue. Não sei como tenho a certeza que é o meu mas consigo sentir que é. Há mais sangue pela relva seca. Sei onde estou. Estou no prado. Costumava vir para aqui brincar em criança.
Não me lembro do que aconteceu ontem. A Kate convenceu me a vir aqui à noite com ela. Quando eu já cá estava recebo uma mensagem dela a dizer que não pode vir. Fiquei um pouco irritada e comecei a fazer o caminho até casa. Lembro me de uns olhos verdes. Mas não me lembro de chegar a sair do prado.
Vejo muitos arranhões e feridas que parecem profundas marcadas no meu corpo, mas a verdade é que não sinto dor em nenhuma delas e parecem estar a sarar bem. A única dor que sinto é no meu pescoço. Esfrego o local com a mão. Parece me uma ferida também.
Quero muito lembrar me do que aconteceu ontem.
Estou meio perdida pois nunca tinha vindo para tão longe neste prado mas oriento me bem, como se já soubesse o caminho mas nunca o tivesse percorrido.
Avisto o celeiro abandonado o que me indica que estou perto da rua principal. A rua está deserta e silenciosa. Ainda deve ser cedo.
Chego a casa e sinto um cheiro muito intenso. Sangue.
A minha mãe aparece no hall, de pijama e ensonada, e vem abraçar me com ar preocurado.
-Onde é que estiveste, filha? Estava tão preocupada contigo!
A minha cabeça está encostada ao seu pescoço. O cheiro a sangue está ainda mais intenso, ouço o seu coração na perfeição. Olho para o seu pescoço. Parece que de repente as suas veias ficaram mais salientes e brilhantes. Estou com a boca seca.
A minha mãe continua a falar e a abraçar me mas não estou a prestar atenção ao que ela diz. A minha atenção está toda no líquido vermelho que lhe corre nas veias e que parece chamar me.
Ela pára de me abraçar e agarra me nos ombros. Olha para mim e vejo a sua boca a mexer. Está a falar comigo. Mas eu só oiço o som da sua voz abafado pelo barulho do seu sangue a percorrer lhe o corpo até ao coração. Pum pum. Pum pum.
Sinto uma dor aguda no meu maxilar superior. Como se estivesse qualquer coisa a rasgar me a gengiva. Tento aguentar a dor e concentrar me na minha mãe. Mas não consigo, é demasiado forte. A dor é tão insuportável que acho que a ideia de arrancar o maxilar me passou pela cabeça. A dor aumenta. Sinto mesmo alguma coisa a rasgar me a gengiva. Os meus olhos! Arderam e por uns segundos fiquei cega.
Quero gritar, mas antes de o conseguir fazer caio no chão.
Oiço os gritos da minha mãe antes de apagar completamente.

Mordida pelas SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora