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Acordo cedo. Estou meio irrequieta por causa da primeira "lição de caça" se é que se pode chamar assim.
Não combinei nenhuma hora com o Kyle mas secalhar é melhor ir logo de manhã e assim tenho a tarde livre.
Visto umas leggins pretas, uma t shir preta e calço uma botas pretas, um pouco acima do tornozelo com atacadores à frente.
Apanho o cabelo num rabo de cavalo e vou para o prado.
Deito me no chão e fico a olhar para o céu que ainda está branco por ser tão cedo.
A Kate já sabe. A minha avó já sabe. Tenho de evitar que mais gente saiba.
Oiço uns passos e não preciso de olhar para saber que é o Kyle. O cheiro que domina o ar na sua presença é exclusivo dele.
-Vieste cedo. - diz me.
-Sim.
Levanto me e ele fica a olhar para mim.
-Ficas bem de preto.
Hesito antes de responder, pois não quero gaguejar e denunciar o meu nervosismo ao seu elogio, mas acabo por responder firmemente.
-Obrigada. - e mudo de assunto rapidamente - Começamos?
Ele sorri. Não sei se foi por achar piada à rapidez com que mudei de assunto ou por ser simplesmente dele.
Ele estende me a mão para irmos para o meio das árvores de uma floresta que há no fim do prado. Passo por ele em direção ao local ignorando a sua mão estendida. Oiço um riso abafado atrás de mim.
Entramos na floresta e Kyle já vai à minha frente. Pára e eu paro também.
-É aqui?
-Sim. Anda.
Sigo o e depois ele sobe a uma árvore como se fosse uma aranha.
-Kyle, achas mesmo que eu consigo fazer isso?
Ele suspira e volta a descer.
-Põe te às minhas cavalitas.
-Pra quê?
-Faz e pronto!
Saltei para as suas costas e segurei me bem ao seu pescoço.
Ele agarra se ao tronco da árvore e volta a subir daquela maneira.
Agarra me na cintura, pousa me no tronco e senta se bem perto de mim. O seu braço ainda segura a minha cintura e os nossos narizes quase se tocam.
Engulo em seco e olho para os seus lábios tão perto dos meus. Olho depois na direção dos seus olhos e estes estão fixos nos meus lábios.
Aclaro a garganta e digo nervosa.
-A...caça.
Kyle sorri.
-Sim...
A sua mão larga a minha cintura e a sua cara afasta se. Agora tem o olhar fixo lá em baixo.
Ouvimos um barulho de arbustos a agitarem se. Olho para o mesmo que Kyle. Está um daqueles porcos selvagens lá em baixo muito calmo. Não deu pela nossa presença.
-Salta! - ordena Kyle baixinho.
-Para cima dele? - Kyle assente com a cabeça - Não!
-Este faço eu, tu vês e no próximo fazes o mesmo, okay?
-Tenho escolha?
Kyle lança me um olhar obvio.
-Parece que não... - sussurro.
Kyle lança se para o porco que parece guinchar muito, muito alto. Aquilo já está a incomodar me. Depois silêncio. Kyle tem o porco morto na mão e está a sugar lhe o sangue.
Volta a sentar se ao meu lado.
-Tens sangue no lábio. - digo.
-Aonde? - pergunta passando a mão na boca.
-Já limpaste. - por momentos tive um flashback daqueles filmes em que limpar a boca do outro com o polegar se torna num momento romântico e depois...
Pensamento interrompido.
-Mia! Vai!
Vejo o pobre animal lá em baixo. Está tão calmo e tão perto da morte.
Olho para Kyle que já está a perder a paciência e salto.
Caio em cima do animal e agarro o espetando depois os caninos. O porco começa a guinchar cada vez mais alto.
Os guinchos já não são guinchos. São gritos. Gritos de humano. Gritos do homem que eu matei.
Largo o bicho que começa a correr e caio para trás assustada e com as lágrimas a picarem me os olhos.
Kyle salta da árvore e vem ter comigo. Abraça me e afaga me o cabelo com uma mão. A minha cabeça está encostada ao seu peito. Mantenho me imóvel.
-Já passou. Já passou. Está tudo bem.
Não digo nada, não me mexo. Nada. Só choro.
Kyle espera que eu me acalme e depois larga me e ajuda me a levantar.
-Secalhar acabamos por hoje. - diz preocupado.
Eu só aceno que sim com a cabeça.
-Vamos.
Coloca as mãos nos meus ombros e guia me até ao meu carro. Senta se ao volante e eu ao lado.
Levou me a casa e a viagem foi em silêncio. Eu não queria falar. Eu só queria esquecer o que fiz.
Chegámos. Não sei como é que ele sabe onde moro. Nunca lhe disse a minha morada. Tenho coisas mais importantes em que pensar agora.
Eu saio do carro e ele também.
-Obrigada. - digo eu quase num murmúrio.
-Tudo bem. - começo a andar até à porta e ele chama me - Hey! Mia...foi um erro. Não és cruel, não és um monstro. Foi um erro que todos os iniciados cometem.
-O meu erro custou a vida de um homem. E agora a vida dos seus familiares e amigos que vão sofrer com a sua perda.
Dito isto entrei e fechei me no quarto.

Mordida pelas SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora