Round 14: Gustavo

4 1 0
                                    


Este round é no passado, o passado do Gustavo mais especificamente. O garoto perdeu os pais aos 12 anos e isso fez o seu mundo cair. Por mais que sua tia Roberta e prima Helena cuidassem muito bem dele, ainda havia um espaço e buraco que jamais seriam preenchidos, não importando o quanto tentassem.

Ele é grato as duas por tudo que fazem, mas elas não são seus pais, nunca poderão ser e isso é uma dor difícil para uma criança tão nova processar. Desde o falecimento, Gustavo deixou de ser quem era, a criança feliz, animada e forte deu lugar para um jovem apático, robótico e melancólico.

O cabeludo faltava a escola, não se alimentava como deveria, tirava as piores notas possíveis e vegetava na cama por dias inteiros, totalmente alheio ao mundo lá fora e qualquer outra coisa. Roberta morria de preocupação em ver o sobrinho em tal estado, já não sabia mais ao que recorrer, havia tentado psicólogo, o colocar em algum esporte como hobbie e até mesmo o levar para visitar o túmulo de seus pais, mas nada demonstrou qualquer resultado ou efeito. A espiral de declínio do rapaz continuava e piorava a cada dia.

A única coisa que aparentava dar um pequeno sinal de melhora era a visita de seu amigo Daniel, que frequentava a mesma classe e o conhecia há um bom tempo. Este amigo o visitava todo dia após as aulas e o trazia as lições do dia quando faltava, além de ser o motivo de Gustavo ir nos poucos dias que ia para a escola, já que o amigo vinha o buscar na porta de manhã cedo e não se dava por vencido até o cabeludo o acompanhar.

Daniel era um garoto franzino, de cabelos curtos e lisos, usava um grande óculos fundo de garrafa que tinha um tamanho desproporcional em relação ao seu pequeno rosto. Ele adentra o quarto de Gustavo e visualiza um cenário digno de guerra, as roupas estão espalhadas pelo chão e algumas estão sujas, deixando o ambiente com um cheiro desconfortável. A cama está desforrada e há restos de lanche e embalagens por toda parte, no meio de toda essa imundice está Gustavo deitado de bruços e largado, respirando pesadamente imóvel.

— Seu quarto tá parecendo um chiqueiro — Daniel reclama em pé vendo o estado patético do amigo — E você tá fedendo. Seu quarto tá fedendo, tudo aqui tá fedendo. Vamo, é hora de levantar.

— Não enche — Gustavo esbraveja sem se mover, permanecendo naquela pose de derrota.

— Eu encho sim, ô se eu encho! — Ele cruza os braços e se aproxima mais — Você é meu amigo e eu tô preocupado. Você vai levantar, tomar banho, arrumar o quarto e se alimentar. Nem que eu tenha que te segurar a força e dar banho no chuveiro vendo sua bunda pálida, e depois te fazer comer com aviãozinho na boca igual criança e velho caquético.

Gustavo suspira, ele sabe que não é uma piada ou brincadeira, Daniel realmente acabaria fazendo essa situação vergonhosa se fosse o necessário para o ver melhor. O cabeludo então resolve levantar, ele faria de tudo para evitar essa situação desconfortável e bizarra.

— Pronto, tô de pé. Satisfeito?

— Banho, você tá fedendo a morte. Parece que um gambá morreu de baixo do seu braço.

— Entendi, entendi – Gustavo reclama — Não precisa humilhar também, cara.

— Agora — Daniel diz autoritário.

O cabeludo assim acata e anda em direção ao banheiro, ele suspira e entra embaixo do chuveiro. É bom ter um momento sozinho com seus pensamentos, sem toda a preocupação e adulação dos outros ao seu redor, não julgue errado, é bom o cuidado e preocupação, mas nem de longe é o que o rapaz quer nesse momento, ele só quer sentir e processar o que sente, no tempo que precisar.

A água toca seu corpo e a sensação é boa, é como um grande abraço quente e carinhoso, um abraço que desejava de seus pais e que nunca mais vai conseguir ter. Ele passa longos momentos no banho, é onde seus pensamentos não o martelam todo tempo, é onde sua mente não o tortura com um sentir pesado a todo momento. Ele não entende se essas emoções são tão difíceis de lidar porque é novo de mais ou se algum dia esse sentir pesado vai passar, ele não quer entender, ele não quer sentir, apenas quer que passe, se é que é possível passar.

Alanceado - Sangue nas luvas Onde histórias criam vida. Descubra agora