Round 11: O último dos moicanos

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Irei contar algo curioso para vocês, o Mosca já foi um garoto certinho, pois é, eu sei que é chocante, né? Aos 12, ele agia como um bom menino e fazia tudo que seus pais mandavam, e essa era a sua ruína. Vivia oscilando entre as aulas da escola, do violino e etiqueta, sendo exemplar em todas. Até mesmo não tinha seu característico apelido, sendo conhecido apenas como Raul. Nessa época ele não usava seu tradicional moicano, pelo contrário, o garoto chega em sua luxuosa casa, usando cabelo liso para trás, totalmente lambido, bem numa vibe Mauricinho. Trajando um suéter e calça cargo, ele anda até a sala, onde um homem velho o encara com veemência.

Há uma grande e refinada poltrona vermelha de frente a uma larga e adornada lareira, com um tapete de pele no chão do local. O cheiro de fumaça empesteia o ambiente que tem um cheiro forte e extremamente característico, principalmente por causa do homem velho que ali está, usando roupas despojadas, mas que definitivamente são muito caras, um chinelão e roupão de linho, que dão a esta pessoa um ar de poderosa. Raul se aproxima deste idoso que apenas o observa tranquilo enquanto permanece sentado relaxado na poltrona, degustando de um bom charuto cubano e uma taça de um vinho mais velho que eu e você juntos.

Todo o receio na aproximação se dá por conta de que este é um rosto bem conhecido para Raul, trata-se de seu pai, mais conhecido como Alfredo, Freduardo quando quer impressionar desconhecidos e Fred para os poucos que considera íntimos, ele é um desses ricaços metidos a bestas, aqueles que nem parecem de cagam ou suam como todo mundo, aqueles que se sentem os maiorais e acima de todos, por causa do dinheiro que possuem e das famílias que vieram, como se as pessoas fossem cachorros para ter pedigree, ele é o tipo de homem tão pobre que o dinheiro é a única coisa que tem. Depois de alguns segundos da criança o observando trêmula, Alfredo então pigarreia e tosse seco, logo depois olha para o filho com as pernas cruzadas, como quem esperasse explicações, esperasse não, exigisse. Sua voz rouca rasga o silêncio sepulcral do ambiente e invade os ouvidos do garoto, que sente aquela voz como algo desconfortável.

— E então, Raul, onde está seu boletim?

--- Aqui, pai — Ele entrega com hesitação, levando mais tempo que o necessário --- Melhorei em tudo.

Alfredo observa cuidadosamente e aparenta estar satisfeito, já que seu rosto não demonstra nenhuma ruga e sua cabeça apenas balança positivamente, até que arqueia uma sobrancelha e aponta para o papel. Para a pobre criança, apenas esses pequenos gestos já foram o suficiente para fazer seu coração galopar no peito.

--- 8,5 em matemática?

--- É uma boa nota, pai. — Raul prossegue com um pouco de gagueira — E está mais alta que da última vez.

O raciocínio de Raul é cortado quando sua mão esquerda é atingida por uma haste fina de madeira, o golpe faz um pequeno corte que deixa escapar uma fina tira de sangue. Raul fecha os olhos e demonstra dor através das expressões faciais, logo depois se contorce um pouco. O golpe arde e isto faz com que um arrepio viaje por todo o seu corpo, logo em seguida o rapaz usa a outra mão para cobrir a ferida, sujando assim a palma da mão com o sangue. Alfredo vê a cena e aparenta uma estranha satisfação que beira ser doentia, ao mesmo tempo que também demonstra nojo e decepção, que ficam mais que claras para o garoto, que apenas segue encolhido em postura corporal encurvada e com os ombros para dentro.

O homem velho então começa a bater de leve na própria palma da mão usando a haste, com movimentos bem lentos e com intervalo padrão entre esses golpes, fazendo assim um tom ameaçador, que só faz com que a criança se sinta ainda mais em perigo. O pai segue frio como um bloco de gelo, enquanto apenas vê o garoto tentar se manter firme e falhar miseravelmente. Após enjoar do silêncio e de testemunhar a miséria alheia, Alfredo finalmente volta a falar e só o tom e o som da sua voz nojenta já fazem Raul tremer de um misto de raiva, medo e tristeza.

Alanceado - Sangue nas luvas Onde histórias criam vida. Descubra agora