--- Eu preciso desse dinheiro pra pegar o ônibus.O tímido rapaz diz em tom baixo, olhando para o chão, como está acostumado a fazer. Davi é seu nome e é hábito que caminhe como uma sombra, um fantasma por onde quer que vá. O local que estão ainda o incentiva a agir mais dessa forma, um beco atrás da escola, longe de qualquer ajuda.
--- É matemática básica. Todo dia sai de casa um malandro e um otário, se eles se encontram dá negócio. E a gente se encontrou. É o destino, pivete.
Retruca Mosca, um projeto de delinquente e rebelde sem causa. Ambos são totalmente distintos, água e óleo. Enquanto Davi usa roupas neutras, que não chamam atenção e dificilmente é notado, Mosca por outro lado faz questão de exalar problemas e chamar toda atenção para si. Com seu corte moicano feito em casa, desgranhado e com sua jaqueta minimamente surrada, ele continua a se impor e encurralar o outro jovem na parede.
--- E-eu moro muito longe, não dá pra eu ir andando.
O punk nem espera saber mais e já agarra o jovem pelo pulso com força desnecessária, ele o aplica uma leve cabeçada no nariz e sorri ao ver Davi colocar a mão no nariz para esconder o pequeno sangramento. O ferido reage com naturalidade quanto aquilo, não demonstrando intenções de revidar e fica apenas olhando para baixo, acuado.
--- Então é melhor começar a ir andando, pra não chegar depois do jantar, pivete.
Davi tira a mão do nariz e encara sua palma manchada daquele vermelho vergonhoso, é só revidar, ele pensa, mas novamente hesita. Ele sempre detesta como Mosca o faz sentir pressionado e sem vontade, mas também odeia em como ele não consegue impedir nada disso. O mais perto que teve de uma briga foi na época da creche e sabe que não teria muitas chances, então ceder é tudo que resta. No início cedia o lugar na fila, uma cola na prova, mas de uns meses para cá o rebelde sem causa foi se tornando cada vez mais folgado, exigindo "tributos" para que o rapaz possa simplesmente ir e vir com segurança física.
--- Que foi? Vai chorar? Você é uma gracinha, Davirgem - Mosca dá uns tapinhas de leve no rosto. - Essa foi engraçada, né?
Davi deixa um longo suspiro. --- Hilária.
--- Eu sou uma graça, quase um comediante, mas não vou me gabar. Qualquer um consegue fazer boas piadas quando é sobre você, tu é a inspiração perfeita.
Talvez se acertasse de surpresa poderia vencer, um rápido e certeiro de direita, mas e se ele não caísse? Essas ideias martelam sem parar e vem e voltam em uma espiral desesperadora. Seu corpo treme, seu suor esfria e sua respiração pesa, mas no fim tem o mesmo resultado de todas as outras vezes, ele permanece imóvel. Mosca então acende um cigarro e solta a fumaça no rosto do pequeno rapaz.
--- Tu fuma, Davirgem?
--- Não.
--- Boa resposta, fumar faz mal e dá câncer. Fiquem longe do cigarro crianças.
Ele ajeita o moicano e sorri enquanto prossegue seu monólogo desnecessariamente chato.
--- Já que você vai ficar tão sem dinheiro e tal, e vai andar muito. Vai ficar com muita fome, né? Vou te ajudar, pra não dizer que eu sou um desgraçado total.
Ajudar? O rapaz sabia que nem de longe seria isso, e quanto mais o outro falava, mas ele fica apreensivo e temeroso sobre o que virá a seguir.
--- Me ajudar?
--- Te ajudar! Como sou legal, hein pivete? Abre a boca, meu cigarro tá soltando muitas cinzas e você tá com muita fome. Vamos salvar o meio ambiente e te ajudar na mesma hora.
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Alanceado - Sangue nas luvas
Fiksi RemajaDavi é um rapaz retraido e tímido, que vem enfrentando problemas com socialização, bullying e em seu relacionamento com seus pais. Até que encontra no boxe a força o suficiente para mudar sua realidade e lidar com o que o aflige, um round por vez. ...