Round 12: Você é meu amigo

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Após o campeonato de boxe, Mosca se encara no espelho e não gosta do que vê, é apenas uma piada e nem sequer é uma engraçada. Ele ou é bobo ou é cruel, ou se ridiculariza ou se impõe contra quem não consegue se opor, dois modos diferentes de covardia, dois modos diferentes que regem suas ações. Não mais. Chega de usar pessoas ou ocorridos como desculpas, chega, é hora de crescer e seguir em frente, do jeito que conseguir. Não quer mais ser apenas um valentão babaca e nem um palhaço qualquer, é hora de ser alguém melhor, é a hora de mudar. Isso mesmo, é tempo de evoluir e ir além, de ser mais do que um Mosca. Basta de atuar essa persona fingida de garoto problema, basta de ocultar e afogar no peito o que verdadeiramente sente. E se é para renascer, que seja por completo eliminando os símbolos e sinais que o remetam a quem já foi, é uma mudança completa: No interior e exterior. A máquina de cortar cabelo faz um barulho repetitivo e estridente, há o receio, mas a coragem tem que superar. Ele se vê no espelho uma última vez, 17 anos o levaram a ser um revoltado, ignorante academicamente e uma cópia de qualquer produto barato que vendam por aí, ele não usa essas roupas e esse cabelo por ser quem é, ele as usa para romantizar a si mesmo e em algum grau esquecer quem realmente é, quem realmente sempre foi: um garoto que passou por muito.

Perdido entre Raul e Mosca, acabou numa encruzilhada, não quer ser o tímido jovem que era pressionado pelos pais, como também não quer ser o algoz e delinquente que acabara se tornando. Por tanto, esse corte de cabelo será simbólico, uma retratação e união entre quem foi e quem é agora, um saudável e necessário caminho do meio. Nem um garoto assustado e oprimido, como também não é mais um carrasco confuso que desconta nos outros. Ele finalmente raspa completamente o cabelo, dando adeus ao seu moicano que tanto o caracterizou, dando um derradeiro fim e adeus ao Mosca, voltando a ser alguém que nunca deveria ter deixado de ser: Raul, simplesmente Raul.

Nada mais de querer parecer mais do que é, nada mais de descontar nos outros e nada mais de repetir seus erros do passado, sua busca agora é encontrar algo para si que julgue válido e merecedor de seu sangue, algo para fazer e que valha o seu suor e esforço. Ele quer um objetivo palpável e honrado, assim como o de seus colegas boxeadores, ele quer um sentido e propósito. Acima de tudo ele quer autoconhecimento, quer ser capaz de responder a aterrorizante pergunta que sempre fugiu: Por baixo dessas jaquetas e coturnos, quem sou eu de verdade?  
                             

🥊

--- Que cabelo ridículo é esse? --- Helena diz segurando o riso.

--- Eu quis mudar de visual, só isso.

--- Cê tá parecendo o kuririn --- Ela finalmente se rende a gargalhada --- Mó cabeça de bola de sinuca.

Sentado na tradicional mesa da escola, Davi também não aguenta mais manter a postura de rapaz sério e começa a rir freneticamente. Raul fica sem graça e meio bravo pelas piadas, mas tenta se manter inabalável. Ele infla o peito e diz balançando a cabeça em negação, como se tivesse decepcionado.

--- Vocês dois tem que crescer isso sim. --- Raul cruza os braços --- Parece que nunca saíram da quinta série.

--- Cabeça de arromba mãe --- Davi rebate.

--- Gravidez psicológica --- Helena emenda.

O ex punk finalmente se rende e nem tenta retrucar mais, os dois demônios risonhos juntos eram demais para ele competir, e para alguém que já pertubou tanta gente tantas vezes, acho que é meio karmatico ser alvo de umas brincadeiras leves, ainda mais com um corte de cabelo desse.

--- Pra dar sorte --- Helena esfrega a mão na careca de Raul e depois começa a rir.

--- Ai também já é esculacho demais.

Alanceado - Sangue nas luvas Onde histórias criam vida. Descubra agora