67 - A Verdade Escondida (AYRTON SENNA)

369 26 0
                                    

In Memoriam

"É difícil seguir em frente quando o passado continua nos puxando para trás

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

"É difícil seguir em frente quando o passado continua nos puxando para trás."

***

Meu celular vibrava em cima da bancada enquanto eu ajustava os últimos detalhes de um novo projeto. Era Leonardo, o único dos Senna com quem eu ainda conseguia ter algo próximo de uma relação familiar. Apesar disso, sua insistência em me envolver nos assuntos da família sempre fazia meu estômago revirar.

— Oi, Leo.

— Sn, preciso falar com você. É sério.

Eu suspirei. Sempre era sério.

— Fala logo.

Ele hesitou por um momento, o que era incomum. Leonardo era direto, quase incisivo, mas agora parecia procurar as palavras certas.

— Documentos antigos sobre... o acordo do Ayrton podem vir à tona. Estão sendo citados num processo.

Meu coração deu um salto desconfortável. Aquele "acordo" era a base de tudo o que me definia e, ao mesmo tempo, daquilo que eu mais desprezava.

— E o que isso tem a ver comigo? — perguntei, com a voz mais fria do que pretendia.

— Tudo, Sn. Se esses papéis forem parar na imprensa, sua história vai se tornar pública. Você precisa estar preparada.

Por um instante, o peso das palavras dele me deixou sem reação. Preparada? Como alguém se prepara para o mundo descobrir que você só existe porque alguém achou que isso seria uma boa ideia para seu legado?

— Eu não quero nada disso — respondi, tentando conter o tremor na minha voz. — Se a imprensa quiser falar, que falem. Eu não vou me envolver.

— É impossível fugir disso para sempre — Leonardo disse, com um tom quase paternal. — Só estou te avisando.

Desliguei a ligação sem responder.

Aquilo ficou na minha mente o resto do dia. Cada palavra de Leonardo era como uma agulha espetando memórias e frustrações enterradas. Quando cheguei na casa da minha mãe naquela noite, minha paciência estava no limite.

Rose abriu a porta com o mesmo olhar contido de sempre, aquele que nunca revelava muito, como se estivesse sempre se protegendo.

— Oi, filha. Que surpresa.

— Eu preciso falar com você — disse, entrando sem esperar convite.

Ela percebeu que algo estava errado, mas não disse nada. Apenas fechou a porta e me seguiu até a sala.

— Leonardo me ligou — comecei, direto. — Parece que os documentos sobre o "acordo" estão prestes a se tornar públicos.

Rose empalideceu levemente, mas manteve a compostura.

— Eu imaginei que isso pudesse acontecer um dia.

Sua calma me irritou profundamente.

— Você sabia que isso ia acontecer, mas nunca se preocupou em me contar? Em me preparar?

— Eu não queria te expor a mais nada disso.

Eu ri, amarga.

— Expor? Você me jogou nessa situação desde que decidiu me trazer ao mundo!

— Sn...

— Não, mãe! Você sabia o que estava fazendo. Você sabia que me colocar aqui significaria carregar o peso de um homem que o mundo inteiro idolatra. E, ainda assim, você escolheu isso. Por quê?

Rose me encarou, e por um momento, achei que ela não responderia. Mas então, sua voz saiu baixa, quase quebrada:

— Porque eu amava o Ayrton. E porque eu acreditava que você seria a melhor parte dele.

— Amor? Isso não foi sobre amor! — gritei, sentindo a raiva transbordar. — Isso foi sobre você não conseguir deixar ele ir. Foi egoísmo! Você não pensou em mim, no que isso faria comigo.

Rose finalmente perdeu a calma.

— Egoísmo? Você acha que foi fácil pra mim? Eu perdi o amor da minha vida, e sim, eu fiz uma escolha. Mas eu fiz porque eu achava que valia a pena! Você vale a pena, Sn.

Balancei a cabeça, as lágrimas começando a arder nos meus olhos.

— Não era minha escolha pra fazer. E você nunca me perguntou se eu queria carregar esse sobrenome, essa história.

Rose suspirou, cansada.

— Você é minha filha. Eu fiz o que achei que era certo.

Olhei para ela, a dor e a raiva transbordando.

— Você nunca fez isso por amor. Fez por ele. E eu sou quem paga o preço.

A conversa terminou ali, num silêncio sufocante. Saí da casa sem olhar para trás, o peito apertado e a mente em turbilhão.

Alguns dias depois, Viviane me ligou. Eu quase ignorei, mas algo me fez atender.

— Sn, eu sei que você não quer falar comigo, mas... a avó está pedindo para te ver.

Revirei os olhos, já antecipando a irritação.

— Achei que ela não quisesse me reconhecer como parte da família.

— As coisas mudam — Viviane respondeu, com um tom de tristeza. — Ela está doente. Não tem muito tempo.

Dei uma risada seca.

— Que conveniente. Agora que está morrendo, ela quer me ver?

— Não é só por ela. Talvez isso te ajude também.

Algo no tom de Viviane me fez hesitar. Havia um desafio ali, uma provocação sutil. Eu sabia que ela queria mexer comigo, me fazer reagir.

— Eu vou pensar — respondi, desligando antes que ela dissesse mais alguma coisa.

A ideia de enfrentar minha avó me deixou inquieta. Por mais que eu quisesse ignorar, algo dentro de mim dizia que talvez fosse hora de encarar essa parte do meu passado. Talvez fosse curiosidade. Talvez fosse o desejo de provar que eu não precisava dela, nem da aprovação dela.

Naquela noite, fiquei olhando para o teto, pensando em tudo o que Leonardo, Rose e Viviane haviam dito. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que enfrentar essas questões. A visita à minha avó seria apenas o começo.

Amanhã, decidi, eu descobriria o que essa mulher tinha para me dizer. E talvez, só talvez, isso me desse algum tipo de resposta para todas as perguntas que eu sempre carreguei.

***

Continua...

Imagines F1 - LIVRO IOnde histórias criam vida. Descubra agora