A manhã começou antes mesmo de o sol despontar no horizonte. As criadas, já cientes da importância daquela noite, corriam pelo quarto com planos de anotações, amostras de tecido, e bandejas com chá para acalmar os nervos. Eu, por outro lado, estava sentada à escrivaninha, cercada por uma pilha de convites rejeitados, uma lista interminável de preparativos e um diário aberto onde anotava os passos do plano que parecia mais ambicioso do que nunca.
Organizar um baile perfeito era mais do que apenas uma demonstração de status ou um evento social. Era uma declaração. Eu precisava que ele fosse impecável, que todos saíssem dali falando sobre a "nova Seraphyna" ou ao menos começar um barulho sobre isso. Não podia haver erros.
Respirei fundo, sentindo o peso da responsabilidade sobre meus ombros. Levantei-me com determinação e chamei minha dama de companhia temporária, Clarye, para discutir os últimos detalhes.
— Clarye, quero que me traga os registros de quem já confirmou presença. Preciso garantir que todos os que importam estejam lá. — Minha voz saiu cansada, mas o coração batia acelerado. Era crucial que as figuras certas comparecessem para que eu pudesse começar a mudar minha imagem.
— Sim, senhorita — respondeu Clarye, curvando-se rapidamente animada antes de sair.
Enquanto esperava, virei-me para o espelho, observando meu reflexo. Era estranho como as coisas haviam mudado desde que acordei nesse corpo. Seraphyna, antes obcecada em agradar o segundo príncipe, teria planejado esse baile para impressioná-lo e humilhar qualquer um que ousasse desafiá-la. Agora, cada decisão tinha um propósito mais elevado: moldar meu destino e, com sorte, ganhar a atenção de Kaellius, ainda que indiretamente.
Quando Clarye retornou, ela trouxe uma lista completa dos confirmados, incluindo nomes de jovens damas influentes e senhores de posições importantes. Fiquei satisfeita ao ver o resultado. Seria uma boa oportunidade ter Clarye como minha dama de companhia para fortalecermos nossa relação e, talvez, fazê-la brilhar socialmente com um pouco da minha ajuda. Além disso, sua presença ajudaria a reforçar minha imagem como alguém que não fazia distinção por status.
— Preciso de uma atualização sobre a decoração.
Minha atenção voltou-se para uma criada que estava parada com um caderno em mãos.
— Os floristas já entregaram as primeiras amostras, senhorita. Estão aguardando sua aprovação.
Ela fez uma pausa, olhando para mim com hesitação.
— No entanto, a senhorita mencionou algo sobre querer uma decoração "elegante porém que não seja tão extravagante", e os floristas não têm certeza se entenderam corretamente.
Suspirei. É claro que a antiga Seraphyna teria optado por algo absolutamente opulento, provavelmente enchendo o salão com rosas vermelhas e dourados reluzentes. Mas minha abordagem precisava ser diferente.
— Vamos revisar isso. Quero algo elegante, mas discreto. Tons de azul e prata, talvez com detalhes em branco . Não quero que o salão pareça sufocante, mas sim como uma noite estrelada.
A criada assentiu e saiu apressada para transmitir as instruções aos floristas.
Na manhã seguinte , o dia continuou em um frenesi de atividades. Passei horas discutindo com o mestre de cerimônias sobre o cardápio, recusando a ideia de pratos excessivamente elaborados e insistindo em algo mais leve e refinado. Com os músicos, selecionei uma lista de canções que variavam entre animadas e suaves, calculando cuidadosamente o ritmo do evento.
E então, houve o vestido.
Meu estilista pessoal, um homem chamado Laurent, entrou no quarto com um ar dramático, carregando uma série de vestidos cobertos por capas de tecido para protegê-los.
— Minha querida Seraphyna, eu trouxe o que há de mais magnífico para esta noite.
Ele estalou os dedos e duas assistentes começaram a desfilar os vestidos diante de mim.
As opções eram lindíssimas, todas dignas de uma dama da alta sociedade. Mas nenhum deles parecia adequado. Os estilos gritavam arrogância e ostentação, algo que eu não poderia permitir se quisesse reconstruir minha reputação.
— Laurent, preciso de algo diferente. Um vestido que seja gracioso, mas que não domine o ambiente. Algo que evoque a tranquilidade de uma noite estrelada, com detalhes que remetam ao céu.
Minha voz era calma, mas firme. Ele me olhou como se eu fosse uma alienígena.
— Menos opulência? Para Lady Seraphyna? Que conceito curioso...
murmurou ele, mas depois de alguns segundos, sorriu.
— Muito bem, confiarei em seu julgamento. Tenho exatamente o que precisa.
Laurent saiu e voltou com um vestido que tirou o fôlego até das criadas no quarto. Era um azul profundo, com detalhes em dourado que desenhavam constelações sutis ao longo do tecido. O decote era elegante, e a saia fluía como água, dando a impressão de que flutuava.
— Perfeito.
Sorri, e Laurent fez uma pequena reverência.
Com o vestido escolhido e os detalhes finalizados, restava a parte mais complicada: os convidados.
Eu sabia que Kaellius, o príncipe herdeiro, dificilmente apareceria. Ele era um homem reservado, que preferia evitar eventos sociais a menos que fossem indispensáveis. Ainda assim, enviei o convite. Não podia deixar de lado a chance, mesmo que pequena, de sua presença.
Quanto a Hadrien, o segundo príncipe, era um enigma. Ele havia se afastado da sociedade recentemente, e muitos especulavam que estava ocupado com assuntos políticos ou simplesmente cansado da incessante bajulação. Ainda assim, eu sabia que a antiga Seraphyna faria de tudo para tê-lo presente. Por isso, enviei o convite com cautela, sabendo que, se ele aparecesse, eu precisaria manter distância.
— Se Hadrien vier, será apenas para manter as aparências. Não posso dar a ele nenhum motivo para acreditar que ainda sou a mesma de antes.
Murmurei para mim mesma enquanto selava o último convite.
Clarye foi uma das poucas pessoas a receber um convite pessoal. Eu queria que ela se sentisse especial, valorizada. Ela era uma peça importante na reconstrução da minha imagem, e seu apoio seria crucial.
Quando a noite anterior ao baile chegou, eu estava exausta. Cada detalhe havia sido supervisionado por mim, cada decisão cuidadosamente calculada. Clarye insistiu para que eu descansasse, e, pela primeira vez, não discuti. Haveria muito para fazer no dia seguinte.
Deitada na cama, olhando para o teto, não pude deixar de pensar nos passos seguintes. O baile seria apenas o começo. Eu precisava cultivar alianças, impressionar os certos e evitar os errados. A possivel presença de Hadrien, seria um teste importante para meu autocontrole e minha habilidade de navegar pelas dinâmicas sociais.
Mas, acima de tudo, a ausência de Kaellius seria um lembrete de que ganhar sua confiança seria uma tarefa longa e desafiadora.
Enquanto o sono finalmente me vencia, apenas uma coisa permanecia clara: se eu quisesse reescrever minha história, precisaria fazer isso com coragem, paciência e astúcia.
E tudo começaria com aquele baile.
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A vilã que ganhou o coração do império
FantasíaApós sua morte trágica, Hannya reencarna no corpo de Seraphyna de Lys-Montclair, a vilã de uma novel que estava lendo antes de morrer e a filha do Grão-Duque mais poderoso do Império. Seraphyna, na história original, era obcecada pelo segundo prínci...