A luz da manhã penetrava pelas pesadas cortinas do quarto, um lembrete impiedoso do início de mais um dia. Hadrien despertou com um gemido rouco, os músculos doloridos e a cabeça latejando como se alguém houvesse batido incessantemente em um tambor. Ele piscou algumas vezes, ajustando os olhos à claridade incômoda, antes de perceber que não estava em seu quarto habitual.
A suave respiração ao seu lado chamou sua atenção. Ele virou a cabeça lentamente e viu a figura de uma jovem adormecida na cama. Ela tinha cabelos lisos e tão loiros que, sob a luz da manhã, pareciam brancos em certos ângulos. O lençol de linho caro cobria apenas parcialmente o corpo dela, revelando ombros esguios e uma curva delicada na lateral do rosto.
Hadrien suspirou pesadamente, passando uma mão pelo rosto. Ele não se lembrava de como havia terminado ali, mas não era difícil adivinhar. O vinho e a companhia fácil haviam sido mais tentadores do que ele pretendia. Aquele era o quarto de hóspedes da residência do marquês Johannes, um de seus mais leais apoiadores. A jovem, provavelmente, era uma empregada do marquês, escolhida ou enviada para "agradar" o príncipe.
Por mais bela que fosse, Hadrien sabia que ela jamais ousaria falar sobre a noite que haviam compartilhado. Afinal, quem acreditaria em uma empregada comum tentando reivindicar um momento íntimo com o segundo príncipe? E, mesmo que acreditassem, quem ousaria enfrentar a fúria da corte imperial? Ele se levantou, ignorando a pontada de dor de cabeça, e começou a se vestir com movimentos automáticos. A camisa de linho fino, o colete bordado em ouro e o manto com o brasão da família imperial foram colocados de forma prática, embora descuidada. Antes de sair, deu uma última olhada para a jovem ainda adormecida.
Havia algo estranho naquela visão. Um vazio que ele não conseguia identificar. Hadrien balançou a cabeça, afastando qualquer resquício de remorso ou dúvida. Não era algo que merecia sua atenção.
Ele saiu do quarto silenciosamente e, com habilidade, evitou qualquer encontro nos corredores da mansão. Não era incomum que ele visitasse Johannes, mas não seria prudente que sua chegada ou saída fossem percebidas por criados curiosos ou informantes de seus inimigos.
Assim que cruzou os portões da propriedade, montou em seu cavalo e dirigiu-se ao castelo imperial, onde o peso de suas responsabilidades ou pelo menos a expectativa delas aguardava-o.
Ao chegar ao castelo, Hadrien sentiu o impacto do ambiente frio e opressor que sempre emanava dos corredores imperiais. As paredes altas e os lustres cintilantes pareciam absorver qualquer calor humano. Ele caminhava apressado, tentando evitar encontros desnecessários, mas o destino parecia decidido a frustrar seus planos.
Virando um corredor, deu de cara com Kaellius.
O príncipe herdeiro, como sempre, exalava uma presença impecável. Seus cabelos castanhos cor de mel estavam perfeitamente arrumados, e seus olhos rubros brilhavam com uma confiança irritante. Ele andava com passos firmes, sua postura reta e digna, como se o mundo inteiro fosse seu território e ele apenas estivesse verificando seu domínio.
Kaellius parou ao vê-lo, e por um momento os dois irmãos trocaram olhares carregados de tensão.
- Bom dia, Hadrien.
A voz de Kaellius era educada, mas havia uma ponta de ironia sutil que não passou despercebida.
- Vejo que decidiu finalmente retornar ao castelo.
Hadrien fechou a expressão, mas antes que pudesse passar reto, Kaellius continuou
- Você deveria cuidar melhor de sua imagem como segundo príncipe. Chegar bêbado ao castelo no dia seguinte a uma festa não é exatamente digno. O que a senhorita Lys-Montclair pensaria?
A menção a Seraphyna, conhecida por seu grande apoio e obsessão pelo segundo príncipe, e sua ligação política com a casa imperial, foi o suficiente para fazer o sangue de Hadrien ferver. Ele fechou os punhos com força, o olhar escurecendo em puro desprezo.
- Não é da sua conta o que faço ou deixo de fazer, irmão.
Kaellius ergueu uma sobrancelha, aparentemente inabalável, e deu um leve sorriso de canto.
- Claro que não. Mas é minha responsabilidade proteger a dignidade da coroa.
Hadrien sentiu cada palavra como um golpe. A superioridade de Kaellius era insuportável, mas enfrentá-lo ali, naquele momento, seria inútil. Ele apenas lançou um último olhar gélido e passou rapidamente pelo irmão, caminhando em direção a seus aposentos.
Dentro de seu quarto, Hadrien fechou a porta com força e deixou escapar um grunhido de frustração. Kaellius sempre sabia como provocá-lo, como apertar os botões certos para fazê-lo se sentir inferior. E, pior, ele fazia isso com aquele ar de calma e controle absoluto, como se não houvesse um desafio no mundo que pudesse ameaçá-lo.
Hadrien se jogou em uma cadeira perto da janela, olhando para os jardins abaixo. Seus pensamentos rapidamente se voltaram para o futuro e para como ele destronaria Kaellius.
- Eu não preciso do poder de Seraphyna.
A declaração foi feita em voz alta, como se ele precisasse reafirmar a si mesmo. Seraphyna havia sido útil , mas sua obsessão era irritante e desnecessária. Ele não precisava de uma mulher que o seguisse como um cachorro faminto, implorando por migalhas de atenção.
Hadrien fechou os olhos, respirando fundo para controlar a raiva. Ele destronaria Kaellius sozinho. Provaria ao império que o segundo príncipe era mais do que um mero "reserva". E, quando estivesse no trono, teria a mulher mais bela e digna ao seu lado.
"E essa mulher não será Seraphyna."
A imagem da dama que queria piscou em sua mente. Era o tipo de mulher que merecia estar ao lado de um imperador: elegante, respeitada e acima de tudo, alheia às loucuras infantis de alguém como Seraphyna.
Enquanto seus pensamentos vagavam, a lembrança da noite passada voltou, como um fragmento inconveniente. O rosto da jovem de cabelos loiros na cama do marquês Johannes surgiu em sua mente. Aquele olhar vazio, a ausência de qualquer significado real em sua companhia
Hadrien balançou a cabeça, tentando afastar a sensação incômoda.
- Não há espaço para distrações.
Ele se levantou, decidido a deixar as frustrações de lado. Ainda havia muito a fazer para garantir sua ascensão. O apoio do marquês Johannes era apenas uma peça no tabuleiro, e ele precisaria de mais aliados para enfrentar o irmão.
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A vilã que ganhou o coração do império
FantasiaApós sua morte trágica, Hannya reencarna no corpo de Seraphyna de Lys-Montclair, a vilã de uma novel que estava lendo antes de morrer e a filha do Grão-Duque mais poderoso do Império. Seraphyna, na história original, era obcecada pelo segundo prínci...