Parte IV

31 6 1
                                    

Ele ajeitou a gravata borboleta e os cabelos loiros.
Se é para cair, cai com classe, pensou.
Voltou a mexer na gravata borboleta.
Mais cedo, Davi Freitas, agente e grande amigo de Aline, localizou Gregório Goulart e, em seguida, fez mais algumas ligações. Ele fazia tudo por aquela mulher. Aline Moraes permitiu que ele vivesse a felicidade. Devo minha vida a ela. Tudo que puder fazer para ajudá-la, farei. Nesse instante, dentro de um táxi, indo para uma cafeteria no centro-oeste da cidade com o objetivo de encontrar contatos importantes a pedido de Aline, ele se lembrou da noite no camarim. O início do caos.
— Aline, algum problema? — questionara, após o espetáculo.
Chorando, Aline entregara o bilhete a ele. — Leia isso, Davi. Estava indo tudo tão bem. Por que o destino resolveu aprontar comigo agora? Não... Maldição! Mesmo que eu quisesse pagar, não teria todo esse dinheiro. São tolos aqueles que acham que só porque temos uma vida de fama, vivemos cobertos de dinheiro.
— Chantagem? Alguém descobriu sobre o Léo e eu?
— Não. Ainda não. Porém, se meu passado vier a público, chegarão em vocês.
— Tolice, Aline. Esse Gregório nem sabe escrever muito bem — comentara Davi, ao analisar o bilhete. — Vou falar com ele...
— Não. Mesmo velho, ele ainda é perigoso.
Davi, após reler o bilhete, a fitara nos olhos — Espera... Pámela Lopes?
— Alguém que deveria ter morrido, meu amigo. Mas é evidente que, por crueldade do destino, acabou ressuscitando. Fui muito tola, quando jovem...
Davi ficara com o semblante sombrio.
— Na busca por meu sonho de ser uma atriz, acabei me iludindo por promessas de homens maus e eles só me usaram, Davi. Eu precisava escapar e, a trancos e barrancos, escapei. Era inverno, quando emergi da lama e troquei de nome. Vagava sem rumo quando encontrei você naquela praça, chorando, e eu chorava também.
— 1988. 15 de agosto — dissera, nostálgico — Impossível esquecer aquela noite. Um homem revela suas dores para uma completa desconhecida. Ela o acolhe e diz: "há problemas piores, o seu tem solução". Ela estava completamente disposta a carregar o maior de todos os fardos. Naquela noite, já madrugada a dentro, fazem um pacto e, assim, findam as lágrimas para viver a felicidade.
— Pensei que sepultaria tudo isso quando me casasse com Leandro, o amor da sua vida. Antes de fingirmos que éramos uma família, eu já fingia ser outra pessoa, então, não seria difícil fingir ser uma esposa dedicada e fiel. Eu só queria apagar tudo aquilo. Vamos empilhando as mentiras, uma depois da outra, crendo que tudo ficará bem, mas...
— Nos tornamos amigos pela mentira e através dela continuaremos juntos.
— Não entende? Nosso pacto. Não posso sujar a memória do Leandro.
— Não faremos isso. Quem acreditará num homem que nem sabe escrever?
Aline tinha meneado a cabeça, negativamente.
— Mesmo se eu negar, Davi, já será um alvoroço se Gregório contar essa história para a imprensa. Você sabe como são alguns jornalistas deste país... O maldito quer colocar a boca no trombone, quer dizer ao mundo todo que no passado eu era uma vadia. Serei estigmatizada. Minha biografia mentirosa aparecerá nas manchetes ao lado da verdadeira. A lama do passado respingará em tudo, ninguém sairá limpo, nem você e nem mesmo o Leandro. Tudo virá à tona. Desculpe. Eu pensei que esse monstro havia desaparecido, mas ele está de volta para destruir tudo.
— Calma, Aline. Nós podemos...
— As cicatrizes são para sempre, Davi. E agora eu sei disso. Não podemos simplesmente jogar maquiagem e acreditar que tudo ficará bem. É só camuflagem. Querendo ou não, elas representam o que somos. É possível fugir do que sou?
Silêncio.
— De todo modo, você e o Leandro foram presentes que a vida me deu — Aline continuou. — Ao lado de vocês, pude testemunhar coisas boas... infelizmente, aprendi que elas não costumam durar.
— Não, Aline. Eu ainda estou aqui. Podemos marcar um encontro com ele...
Aline ficara gélida.
— Não. Esse monstro maldito não me encontrará.
Aline tirara o bilhete das mãos de Davi, o amassara na forma de uma pequena e horrorosa bolinha e o lançara na lata de lixo do camarim. Ela saíra correndo do camarim, mas antes de atravessar a porta pôde ouvir os gritos do seu agente: "Volte, Aline. Fugir só vai piorar tudo". Aline pegara um táxi e hospedara-se num hotel, ao leste da cidade. Ela pensara que estava segura, mas, mesmo lá, o monstro invadiu seu subconsciente e, só naquele momento, ela compreendera que tentar se esconder não ajudaria em nada. Não é possível fugir do que somos, muito menos fugir dos nossos monstros. Davi estava certo. Há algumas horas, Aline o agradeceu por telefone e corroborou essa informação. Ele estava certo. No entanto, agora, saindo do táxi e encarando os perigosos contatos, Davi já não tinha muita certeza. Será uma jogada arriscada.

O Retorno do MonstroOnde histórias criam vida. Descubra agora