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WychWood, Inglaterra, 1987.

- Lauren! - a garota vasculhou dentro de si o restante de força que era necessário no momento para gritar o nome da mulher a sua frente, tentando a qualquer custo chamar sua atenção, o que era evidentemente em vão. - Essa não é você, olhe para mim. Olhe para mim, Lauren!

- Cale-se, Camila! - a mulher atrapalhou-se, e acabou por ter de abaixar-se para pegar as balas das quais estava colocando dentro de uma pistola.

Sua mão tremia dificultando sua tarefa que antes tão fácil, agora aparentemente quase impossível. Seu ventre congelado fazia seu corpo todo transbordar em um suor frio; mas estava fervendo, borbulhando ira.

- Eu sei o que acontece com você, nós podemos dar um jeito nisso... nela. - Camila pensava em como poderia fazer Lauren largar a arma e escutá-la, ela já havia se acostumado com certas situações aonde necessitava dizer coisas extremas para adquirir a atenção da outra, mas desta vez nada estava funcionando, algo estava diferente. Lauren já não estava mais em si, talvez estivesse chego ao seu limite, estava à beira do precipício. - Eu posso dar um jeito nisso.

Lauren olhou para cima, com a visão turva pelo desespero procurou pelos olhos de sua vítima. Ela estava desesperada, com os cabelos negros grudando em certas partes do rosto onde o suor se fazia presente. Seus olhares se encontraram; azul no verde. Os olhos de Camila estavam contornados por olheiras fundas e escuras, e havia hematomas não apenas pelo rosto, mas também por seu corpo inteiro. Mas mesmo assim ela continuava linda, pensava Lauren, no fundo de sua mente conturbada. Com sua boca entreaberta, gritando por misericórdia.

Como ela seria capaz de matar uma criatura dessas?

Levantou-se do chão já com a arma preparada, após um longo período de dificuldade. Ergueu os braços trêmulos para cima, mesmo segurando o objeto com as duas mãos era difícil permanece-lo parado. Seu coração batia rápido, tão rápido que ela temia que Camila pudesse ouvi-lo, ou ao menos vê-lo, pois era evidente a elevação de seu peito conforme as batidas desesperadas dentro de si. Assim que a pistola ficou na frente do rosto da garota, ela gritou, arfou, repetia mil vezes o nome de sua agressora: Lauren, Lauren, Lauren. Um grito agudo e alto, mas Lauren não ligava, ninguém a ouviria, isso a deixava excitada e fazia seu sangue ferver, seu corpo formigar. Ela tinha prazer em ver seu desespero. Lauren amava quando Camila a temia.

A mulher fechou um olho, em uma tentativa falha de adquirir uma visão melhor de sua mira; a bala pararia no meio da testa de Camila. Já até podia imaginar o corpo gélido e morto da garota caído no chão, com a vida esvaindo-se de seus lindos olhos azuis, dos quais Lauren sempre amara e sabia que sempre amaria, dos quais Lauren sabia que não suportaria viver sem.

Algo lhe atingiu no milésimo em que Camila cessou sua respiração, esperando o seu próximo movimento, esperando o próximo acontecimento, algo lhe atingiu como um soco no estômago e ela chegou a cambalear para trás e perder o equilíbrio sobre seus próprios pés. Camila morreria e então Lauren nunca mais poderia estar com ela. Isso estava errado.

- Lauren, por favor... - o choro atrapalhou sua fala, fazendo-a soluçar seguidamente. - Você não quer fazer isso.

- Ah, Camila, você não faz ideia do quanto eu quero - tentando ao extremo dizer as palavras com convicção, acabou se engasgado com a enorme quantidade de saliva que havia se formado em sua boca.

Mas ela realmente queria sua morte? Era um eterno paradoxo em sua mente, estava tão confusa. Caso Lauren o fizesse, qual seria seu propósito após isso? O que faria nos seus dias longos e solitários a não ser observar sua amada? Ela não queria, não podia, a amava demais para matá-la. E também, a amava demais para continuar a viver.

Ela abaixou a arma, indo até a cama em que Camila estava amarrada, desfez os nós que prendiam sua mão. A menor ficou confusa, mas não gritou e nem se moveu até ter certeza do que estava acontecendo. Assim que seus pés tocaram o chão ela sentiu um alivio ao esticar as pernas, mas seguido pela dor de sustentar seu corpo frágil e cheio de machucados. Já fazia um tempo que estava naquela cama, mas não sabia exatamente quanto.

- O que vai fazer? - ela questionou receosa.

Lauren ergueu a arma novamente, mas desta vez para sua própria cabeça. A ponta fria encostou-se a sua testa.

- Quando tudo acabar... - Ela disse com os olhos fechados, sabendo que não suportaria ver Camila uma última vez. - você foge. Corra para o mais longe daqui e não volte nunca mais. - Lauren estava desesperada, as gotas de suor em suas têmporas e os olhos fechados com tamanha força denunciavam isso.

Camila não sabia o que fazer, estava fraca demais pelos dias que ficara sem se alimentar e pelas dores espalhadas pelo corpo, sentia sua cabeça girar e sua visão escurecer enquanto seu ouvido formigava conforme um barulho agudo tomava conta de si, ela estava demasiadamente fraca. Não possuía forças nem se quer para pensar com clareza. Não tinha certeza se aquilo estava mesmo acontecendo ou se era alguma de suas alucinações. Mas tinha certeza de que não deixaria Lauren morrer.

- Não - Camila deu um passo longo até ela, com dificuldade.

Lauren atreveu-se a abrir os olhos e se deparar com aquela imensidão azul em sua frente. Um arrepio atravessou sua espinha e percorreu por todo seu corpo sujo, cheio de pecados. Neste segundo ela rezou para que pudesse ser inocentada de todos os crimes que cometera, apenas para poder continuar a olhar no fundo do oceano que se encontrava à milímetros de distância de seu rosto, rezou para que nada mais no mundo existisse, rezou para que fosse apenas ela e Camila ali, rezou para que as coisas não tivessem que tomar o rumo que estão tomando. Rezou, mas, para quem? Rezou, mas ninguém a daria ouvidos. Rezou, e nenhuma de suas preces seriam atendidas.

- Se você morrer - Camila pegou a arma da mão da mulher e em um movimento rápido encostou em seu própria cabeça. - Eu morro também.

O corpo de Lauren tremeu e sentiu algo dentro de si explodir em alerta. Desespero, ódio, angústia, tristeza, confusão, estava tão absorta por sensações de uma só vez que sentia que se afogaria em si mesma, não era acostumada a ter sentimentos desta forma. Em um soluço que mais pareceu um grito, as lágrimas escaparam de seus olhos vermelhos por noites mal dormidas. Seu peito subia e descia desesperadamente, com os pulmões clamando por ar.

Os dedos gélidos de Camila encontraram a bochecha molhada de Lauren, acariciou sua pele mas a mulher não teve reação alguma. Tentou sussurrar várias vezes que estava tudo bem, por mais que não tivesse certeza de que a outra estava realmente a escutando. Lauren havia sido paralisada pelo medo, estava inteiramente apática, apenas o trabalho de respirar e manter seu corpo em pé era demais.

- Eu amo você - Camila disse em um fôlego só, talvez o seu último, mas precisou ter certeza de que Lauren soubesse que alguém a amava. De que Camila a amava.

- Eu também amo você.

Com um zumbido alto, porém curto, a arma disparou.

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