UM

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O céu estava azul, com nuvens condensadas mantendo uma impiedosa distância entre si, mas a sensação térmica era gélida. Era como se existisse uma barreira invisível entre o céu e a terra, uma redoma de vidro, que nos impedia de alcançar aquele majestoso céu. Estava confinada na terra cinzenta e fria. Ajeitei o fino casaco de outono cruzando meus braços sobre o peito, para que eu me sentisse um pouco mais aquecida. Uma jovem moça parou ao meu lado usando um casaco vermelho que até mesmo tinha o cheiro de novo. Sorri brevemente pois fazia algum tempo que eu não sentia a sensação de roupa nova roçando em meu corpo, entretanto, não era de um todo trágico, porque quando se tem outras prioridades como sobreviver não é sempre que se compra casacos e como minha mãe sempre dizia: Todos superamos um dia. E eu esperava superar um dia, com um belo casaco de inverno.

Os corredores vazios e iluminados apenas pela fraca luz da manhã pareciam tão calmos e assustadores, como nos filmes que passam na TV. E a sala não parecia diferente, estava silenciosa e escura. Abri as cortinas e coloquei as cadeiras no chão me certificando de que estavam todas alinhadas. Organizava alguns livros na estante quando os primeiros alunos começaram a chegar trazendo vida para a sala.

- Você está ficando pálida, devemos mandá-la de volta para a África? - Um garoto retirou a pilha de livros de minha mão bruscamente. - Mas não se anime, você continua com essa sua cor...

Tomei os livros de sua mão e então os garotos se aproximaram mais, me encurralando contra a estante, como se fossem me intimidar mais uma vez.

- Você vai levantar a saia e desabotoar a camisa para nós hoje? - Um outro puxou a bainha do meu casaco e logo em seguida levou a mão até o próprio maxilar. - Aquele soco que você me deu vai ter volta... De uma maneira legal para mim e ruim para você...

- Eu estou pagando pelo o que fiz e deveria ter feito muito mais. - Passei por eles e sentei-me em meu lugar torcendo para que qualquer professor entrasse pela porta e espantasse aqueles bastardos.

- Tem razão, eu deveria tê-la arrastado para minha casa, transado com você e sair dizendo pela escola que...

- Que você é virgem?

Os garotos se viraram bruscamente e riram descontroladamente.

- Qual é, Seungyoon, eu sou seu amigo, cara.

- Já disse o que acho sobre vocês ficarem perturbando as garotas, vocês não arranjam namoradas porque são um bando de babacas.

Eles ficaram em silêncio por um momento então os olhei de soslaio, todos os cinco me encaravam. Não conseguia lidar com as pessoas me encarando por muito tempo, era assim desde que eu me entendia por gente, sempre a diferente, sempre a que atraía olhares e o assunto dos comentários. Eu era a vergonha da minha mãe, era uma vergonha para mim mesma.

Levantei-me pronta para sair da sala quando o professor entrou e todos sentaram-se imediatamente, mas Cho Seungyoon permaneceu em pé com os olhos em mim.

- Parece que Romeu e Julieta estão bem-dispostos para a nossa atividade.

Os alunos nos olharam e eu estava prestes a explodir por ter que ficar no centro das atenções quando deveria estar atrás de livros e longe de encrenca.

- Está mais para "A Megera Domada"* - Ao ouvir aquilo, Seungyoon deu um discreto tapa na cabeça de seu amigo, mas não me dei ao luxo de ficar impressionada com o ato, afinal eles eram amigos, agiam da mesma forma.

BLACK HAPPINESS [EM PROCESSO DE REESCRITA]Onde histórias criam vida. Descubra agora