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Meus olhos não conseguiram reconhecer o lugar num primeiro momento. Minha mente não estava trabalhando e depois de longos minutos deitada, olhando para a dança da poeira regida pelo vento, os fragmentos da noite passada retornaram aos poucos e foram suficientes para me assustar na mesma proporção da noite anterior. Eu havia matado alguém e logo depois sido raptada. Eu sei, era insano demais ter este primeiro pensamento ao despertar em lugar nenhum, mas o que eu deveria fazer?
Ainda tinha brasa na fogueira, a garrafa de bebida ainda estava ali, ao lado do banco de carro velho. Por mais que eu não quisesse acreditar aquelas evidências eram a prova de que a pior noite da minha vida tinha sido real e elas também estavam por todo o meu corpo. Minha boca tinha gosto de papel velho e poeira, havia sangue fresco na lateral de meu rosto e todo o meu corpo doía, era como se eu tivesse passado a noite em uma máquina de lavar.
Levantei sentindo que minhas pernas não seriam capazes de fazer algo tão simples como sustentar meu próprio corpo, mas ignorando tal fraqueza permaneci de pé até meus membros me obedecerem. Tudo ao meu redor parecia tão diferente, tudo tão menos assustador e bem mais abandonado, era como se fosse um lugar à parte no mundo, um lugar onde os desajustados e os excluídos viviam e eu estava bem no centro daquele lugar, onde as pessoas tinham convicção de que eu deveria ficar.
Desci as escadas tendo a parede como apoio e com a luz do dia pude ver a real situação do lugar, uma obra inacabada que servia de deposito para entulho. Demorei muito para sair do edifício e atravessar o terreno a fim de chegar no portão, pois eu escutava latidos raivosos e vozes bem próximas, como se houvesse pessoas caçando. Coloquei as mãos na grade tentando criar coragem para escalar aquela estrutura de ferro que a altura se assemelhava à do prédio, na minha visão. Antes mesmo de chegar ao outro lado caí no chão sentindo uma pressão em meu tornozelo, ao levantar constatei que andaria com dificuldade. O prédio ficava no fim de uma rua, já que de um lado havia outro edifício abandonado e do outro um campo com mato alto. Caminhei sentindo a dificuldade de cada músculo rígido do meu corpo em se movimentar, cada ponto de dor me remetia aos acontecimentos da noite passada, o que me fazia chorar.
Após virar uma esquina dei de cara com a civilização, pequenos comércios, casas menores ainda, carros e pessoas. Nunca pensei que ficaria tão feliz em ver tantas pessoas mesmo que eu fosse invisível para elas. Eu não sabia para onde ir ou o que fazer, por um breve momento lembrei que para chegar até aquele lugar usamos o trem. Parei um senhor para perguntar em qual direção ficava a estação, mas ele literalmente fugiu ao botar os olhos em mim, estaria a minha aparência tão ruim assim? Passei as mãos por meus cabelos e tirei algumas folhas secas e poeira logo o prendendo. Uma mulher aparentando ter meio século de vida vendia frutas em uma banca de madeira velha, ela me olhou com compaixão e então perguntei a ela onde ficava a estação mais próxima. Ela disse para caminhar sempre reto. Agradeci imensamente e ela colocou uma maçã em minhas mãos e disse para ter cuidado.
Fiz como a senhora mandou e quatro quarteirões depois estava na bilheteria da estação. Revirei meus bolsos e achei um pedaço de papel muito pequeno escrito "não é nada pessoal", junto com dinheiro suficiente para um bilhete. Pelo menos Jongin teve a decência de se explicar. Agarrei o dinheiro e o bilhete joguei no lixo sem hesitar. As pessoas como sempre me evitavam, mas agora elas tinham um motivo real para isso. Eu estava suja, ensanguentada e parecia um animal assustado que havia sido chutado de casa.
Quando saí da estação vi ruas familiares, foi mais um motivo para chorar, saber que logo estaria em casa. Já que a loja estava fechada entrei no beco que ficava ao lado e forcei com jeito a porta do depósito, que todos imaginavam estar emperrada. Empurrei algumas caixas que estavam na estreita escada e desci para encontrar o espaço vazio, Kyuhyun não estava lá. Sentei-me no chão e cobri meu rosto não sabendo se o que sentia era alívio ou aflição, já que de fato não havia matado Kyuhyun, mas mesmo assim estava inquieta sobre o ocorrido. Revirei todo o depósito a procura da maldita chave inglesa, mas ela também havia desaparecido com aquele bastardo e isso me fazia sentir que estava muito encrencada, se a polícia foi chamada eles com certeza encontrariam as minhas digitais ali e eu havia simplesmente desaparecido o que me fazia a suspeita perfeita. Droga. Ninguém acreditaria em mim se eu dissesse que foi legítima defesa, uma vítima não foge.
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BLACK HAPPINESS [EM PROCESSO DE REESCRITA]
Fanfiction"As pessoas olham para as estrelas de modo diferente. Para os viajantes, elas servem de guia. Para outros, são apenas pequenas luzes. Para os cientistas, são desafios. Para o homem de negócios, são feitas de ouro. Mas as estrelas se calam. Você, por...